Foi a maior surpresa de uma campanha insossa até aqui, a reconciliação inesperada entre inimigos figadais, o ex-governador Marcelo Miranda e sua esposa, a deputada federal Dulce, ambos do MDB, com a senadora Kátia Abreu (Progressistas). Acredito sinceramente que esse desfecho, nessa relação tumultuosa, se deve muito ao amadurecimento pessoal claramente percebido em Kátia ao longo do tempo.
Além disso, reconciliação é um processo democrático e civilizatório, sobretudo considerando os tempos de obscuros que estamos vivenciando. A questão que se mais perguntava no decorrer dessa quarta-feira, 14, é o que motivou esse apaziguamento entre dois lados que se digladiavam até alguns dias.
Reconciliação entre extremos ou mesmo adversários dentro da mesma corrente faz parte da história política do mundo e do Brasil. Luís Carlos Prestes compartilhou o palanque nos anos 1940 com o ex-presidente Getúlio Vargas, que enviou a esposa grávida do comunista, Olga Benário, a Hitler, e ela, judia, morreu num campo de concentração.
Em 1989, os candidatos à Presidência da República Luiz Inácio Lula da Silva (PT) e Leonel Brizola (PDT) passaram por uma saia justa porque o pedetista se referia ao petista no primeiro turno como “sapo barbudo’. Com Lula no segundo round da disputa com Fernando Collor de Mello, Brizola, coerente ideologicamente como sempre, ficou com o petista. Mas como explicar “o sapo barbudo”? foi necessário leveza, humor e ironia.
Neste momento vivemos um outro constrangimento eleitoral, com a união de Lula com o ex-governador de São Paulo e seu ex-arquiinimigo, Geraldo Alckmin, hoje candidato a vice na chapa de PT e PSB. Porém, ambos os lados entenderam que o inimigo a ser derrotado é comum, e é isso que justifica aliança de dois tradicionais antagonistas.
Assim, o problema não é a reconciliação entre Kátia e os Miranda. Reforço que é resultado de um amadurecimento interior da senadora e também da boa disposição ao diálogo, que é uma das marcas do ex-governador Marcelo. a questão é o que leva a esse reencontro. Qual a pauta em comum? Quais os riscos de interesse público que fazem com que dois lados que se detestavam até esses dias subam no mesmo palanque?
A coluna Em Off lembrou nessa quarta-feira da participação da deputada Dulce num quadro de entrevista da jornalista Maju Cotrim há menos de um mês. Nela a parlamentar se recusava a comer um prato de chambari com Kátia e dizia que “o Tocantins precisa ver outras pessoas no Senado”.
Marcelo, é de conhecimento público, não poupava críticas ásperas, ainda que sempre educadas, como é de sua característica, à sua agora aliada. Inclusive, sempre é bom ressaltar, o ex-governador recusou qualquer possibilidade de composição com o Palácio Araguaia justamente por conta da presença de Kátia, até meados do ano, na base de Wanderlei Barbosa (Republicanos).
Essas posturas públicas de Dulce e Marcelo, expostas até dias atrás, mostram que não viam Kátia como melhor opção nestas eleições e que a animosidade não estava superada. Não existia um processo de cicatrização que vinha evoluindo ao longo dos últimos anos. Ao contrário. Fica evidente que a ferida estava aberta e sangrava até pouquíssimo tempo.
Outro ponto que precisa ser considerado é sobre alguma urgência da conjuntura política tocantinense que possa justificar essa reunião tão inesperada de agentes políticos que se desprezavam. Como é o caso de Lula e Alckmin, em que a explicação é plausível, a partir do momento que ambos os lados entendem que o presidente Jair Bolsonaro representa, na visão dos dois políticos, um risco para a democracia Brasileira.
Partindo desse pressuposto, o que pensam Kátia e Marcelo sobre o momento político do Tocantins? Nesta semana, o ex-governador fez uma reunião no Taquari em que pediu votos ao seu candidato, o ex-prefeito de Araguaína Ronaldo Dimas (PL), mas justificou que não tinha nada contra os adversários dele. Porém, justificou que Dimas, na sua visão, é um gestor competente e, por isso, deveria ser o governador. Implícito aí uma avaliação sobre as características pessoais de seu candidato, não uma crítica ácida e contundente aos adversários de Dimas.
A senadora Kátia Abreu tem feito um discurso para descolar sua candidatura à reeleição da campanha do filho, Irajá (PSD), ao governo do estado. Num material que sua assessoria distribuiu à imprensa tocantinense, ela foi clara sobre o que pensa dos demais concorrentes ao Palácio: “Nesta eleição não podemos dizer que tenhamos um candidato ao governo que nos traga preocupação. São todos daqui, seja de nascimento ou de alma, e que de fato amam o estado”.
Pelas duas declarações, tanto de Marcelo quanto de Kátia, fica claro que não há no contexto político nenhuma urgência que levem políticos de campos tão antagônicos a se unirem para derrotar um adversário maior. Quando se leva esse debate para a candidatura a senador também não se vê isso. A candidata do União Brasil, Dorinha Seabra Rezende, é uma deputada federal extremamente respeitada no cenário nacional e considerada uma grande referência do país na área da educação. O ex-senador Ataídes Oliveira (Pros) também é um nome que teve uma passagem altamente positiva no Congresso. O ex-prefeito de Palmas Carlos Amastha (PSB), como sempre afirmamos, colocou o patamar de gestão pública municipal em outro nível e é uma pessoa até próxima dos Abreu.
Ou seja, do ponto de vista da conjuntura política não existe nenhuma urgência que justifique uma aliança inesperada de correntes que até poucos dias se detestavam.
Marcelo disse ao jornal O Paralelo 13 que, ao consultar seus líderes, não houve nenhuma resistência ao nome de Kátia. Com certeza, afinal, eles também dependem desse acordo para continuar a pedir votos para o ex-governador, que é candidato a deputado estadual, e para a Dulce, que disputa a reeleição à Câmara.
Esses três líderes merecem todo o respeito e consideração. Não há dúvida. E sempre digo, a despeito das conveniências eleitoreiras, que Kátia é uma grande senadora, que Marcelo tem uma história muito intensa com o Tocantins, bem como Dulce.
A reconciliação deles, de novo, é algo positivo do ponto de vista pessoal e para o amadurecimento democrático do estado, mas carece de lógica. Precisam dar uma justificação plausível desta aliança política aos eleitores, que neste momento de campanha querem entender melhor quais os interesses públicos que estão envolvidos.
CT, Palmas, 15/09/2022.