A coluna sempre tem afirmado que a falta de planejamento do Tocantins é um dos grandes males históricos que caracterizam praticamente todos os governos dos últimos 20 anos. Logo após a vitória do governador Wanderlei Barbosa (Republicanos), em outubro, no quadro de cartas, defendemos que esse é, talvez, o seu maior desafio: pensar o Estado não para as próximas eleições, mas por 20 ou 30 anos. É fundamental reunir universidades, sociedade civil e Poderes constituídos para definirmos que Tocantins queremos e como percorrer essa estrada sinuosa, esburacada e vencer todas as intempéries para chegar até lá.
Um caso típico da falta de planejamento são os projetos de irrigação do Estado. A proposta é excelente: implantar infraestrutura de irrigação para hortigranjeiros e frutas. Esses produtores garantem alimento barato e saudável às populações do seu entorno. Contudo, as absurdas falhas de execução ao longo da história geraram os impasses que hoje se tenta resolver.
De um lado, os produtores têm sua razão ao lembrarem das omissões do Estado nessas duas décadas e que desvirtuaram os projetos, e, de outro, a Agência Tocantinense de Transportes e Obras (Ageto) também age corretamente ao querer fechar a draga de recursos públicos que rega esses empreendimentos. Afinal, não é correto passar esse custo para o contribuinte.
A defesa da finalidade social dos projetos é insuficiente. Afinal, os milhares de produtores da agricultura familiar também têm importantíssimo papel social e não contam, por exemplo, com a energia paga pelos demais cidadãos.
No outro extremo, o governo do Tocantins não pode, do dia para a noite, simplesmente empurrar essa conta para os produtores, que vivem seus dramas internos para conseguir cultivar alimentos, grande parte deles causados pela incompetência e omissão do Estado. Nesses 20 anos, milhões de reais foram injetados nesses empreendimentos, sobretudo, via emenda parlamentar, o que dava a impressão de que eles eram verdadeiros sacos sem fundos.
Contudo, houve abusos diversos. Como contou à coluna o presidente do Distrito do Irrigação São João, Cristiano Barros Domingues, o Estado investiu milhões, no início, numa empresa para dar assistência aos produtores, mas o contrato venceu antes da efetiva implantação do projeto. Com isso, o dinheiro se perdeu e os produtores ficaram sem a ajuda necessária. Depois vieram contratações, sempre aos milhões de reais, de consultorias para fazer nada e produzir coisa nenhuma.
Pior ainda foi ter permitido o microparcelamento no início, o que hoje eleva o consumo de água e, consequentemente, de energia, deixando todo o projeto numa enorme insegurança hídrica. Fora as notícias de “laranjas” de gente importante, verdadeiros donos, que se escondem atrás de pessoas simples; os “bacanas” que utilizam um projeto de produção como área de lazer, com pomposas mansões, piscinas e píeres.
Cristiano está coberto de razão quando diz que todos esses fatos anômalos de um projeto de irrigação são culpa da omissão do Estado. Contudo, o prejuízo está feito, e não há como voltar no tempo para traçar um novo trajeto. Mas é necessário que se chegue a um termo comum hoje e se construa uma nova história, aprendendo-se com os erros do passado.
O Estado terá que ceder – diga-se: como vem fazendo na questão da energia, ao propor um aporte por seis meses, renováveis por outro semestre, até a usina fotovoltaica estar pronta –, estudar as rotas de correção que lhe cabem para que o projeto se torne viável aos produtores, mas também à sociedade.
Se os produtores não quiserem assumir também sua parte na manutenção, os contribuintes continuarão mantendo um empreendimento particular, o que é inaceitável. E também — reforço — injusto, porque, como dito, milhares de famílias da agricultura familiar não contam com esse paternalismo.
A solução é que todos se sentem à mesa, pensem a autonomia do projeto e estejam dispostos a ceder por um futuro melhor desse empreendimento, que tem, sim, enorme importância para o Estado.
CT, Maringá (PR), 10 de maio de 2023.