O Diário do Centro do Mundo (DCM) foi tirado do ar nesta quarta-feira, 7, por decisão do Poder Judiciário do Tocantins. Até a manhã desta quinta-feira, 8, o acesso não foi restabelecido. Em transmissão ao vivo, o diretor do veículo, Kiko Nogueira, revelou que o processo corre em segredo de justiça, mas o advogado Francisco Ramos confirmou ao Conjur que a ação é da deputada estadual e candidata a prefeita de Palmas, Janad Valcari (PL). O site repercutiu um faturamento de R$ 23 milhões a Barões da Pisadinhas em contratos com prefeituras desde maio de 2022. A parlamentar era sócia majoritária da banda.
VIOLENTA CENSURA
A determinação da Justiça tocantinense não foi bem recebida. Especialistas e jornalistas condenaram a medida. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) emitiu repúdio. “A decisão torna-se ainda mais absurda quando se constata que o proprietário do DCM foi pego de surpresa, ao ver o site excluído da internet. Embora o Judiciário de Tocantins tenha afirmado que tentou contato com ele, no mínimo não o fez com o devido cuidado e imparcialidade”, afirma a entidade, que completa: “Violenta censura”.
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INTIMIDATÓRIO
A Coalizão em Defesa do Jornalismo, representada por seis importantes entidades brasileiras, afirmou em nota que a decisão “expõe a situação precária de segurança jurídica a que estão submetidos jornalistas e meios de imprensa”. “A decisão tem também um efeito intimidatório e inibe o trabalho da imprensa em todo o país”, defendeu. “As organizações signatárias pedem à Justiça que não só restabeleça o site com urgência, mas que atue para garantir a liberdade necessária para o exercício do jornalismo no Brasil.”
ÁPICE DO ARBÍTRIO
Ao Conjur, uma série de especialistas também repudiaram a medida. “Tirar do ar um site é a potência máxima da censura, o ápice do arbítrio, do exercício exagerado do poder. O comedimento, a proporcionalidade e a legalidade devem pautar as medidas judiciais. O excesso desgasta as instituições, mina sua credibilidade e afeta o funcionamento do próprio sistema de Justiça”, avaliou Pierpaolo Bottini, coordenador da Comissão de Liberdade de Expressão da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB).
COMO EM PERÍODOS MAIS SOMBRIOS DA NOSSA HISTÓRIA
O presidente da Associação Brasileira de Mídia Digital (ABMD), Dri Delorenzo, também criticou a sentença. “A ABMD considera a decisão uma afronta à liberdade de imprensa e ao jornalismo. A medida é ainda mais grave porque o veículo sequer foi notificado e teve acesso à decisão. Trata-se de uma censura ao veículo, utilizando-se do sistema de Justiça. Não podemos tolerar que o Judiciário seja utilizado para calar o jornalismo como em períodos sombrios da nossa história”, afirmou ao veículo.
CASO ÚNICO: NUNCA UM VEÍCULO FOI BANIDO INTEGRALMENTE
Especialista em internet, o professor Thiago Ayub afirmou no X que o caso “acaba tendo consequências mundiais, não só no Brasil”, por que a decisão foi direcionada ao próprio registro do site. “O domínio do Diário do Centro do Mundo foi congelado no Registro.br, o que é análogo a não existir mais e não poder ser registrado novamente enquanto perdurar o congelamento (que pode ser eterno). A imprensa já está acostumada a ter atrito com o judiciário, mas esse caso é único. […] O que acontece agora com o DCM é inédito. Desde nossa redemocratização, por mais que houvesse algumas reportagens alvo de litígio, nunca um veículo de comunicação foi banido integralmente, independente do conteúdo ter relação ou não com a parte autora do pedido ao judiciário”, afirmou.
DECISÃO REVOGADA, MAS DCM AINDA PRECISA RETOMAR REGISTRO COM EMPRESA E MATÉRIA SEGUE CENSURADA
À revista Fórum, Kiko Nogueira informou na manhã desta quinta-feira, 8, que conseguiu reverter a decisão, mas apenas em relação à retirada do site do ar. A matéria sobre os Barões da Pisadinha segue sob censura. Apesar do recurso, o DCM segue inativo. “A medida foi revogada, mas a censura à matéria continua. O prejuízo também, já que ainda teremos de recuperar o acesso junto ao jurídico da empresa registro.br“, relatou o diretor adjunto do veículo.
NOTA
“Suspensão integral do site Diário do Centro Mundo viola a liberdade de imprensa
A Coalizão em Defesa do Jornalismo, representada pelas organizações abaixo assinadas, repudia veementemente a decisão da juíza Edssandra Barbosa da Silva Lourenço, da 4ª Vara Cível de Palmas (TO), que levou à suspensão de todo o site Diário do Centro do Mundo (DCM).
A decisão foi tomada no âmbito de uma ação movida pela deputada estadual Janadi Valcari (PL), que processou o DCM por publicar, em novembro de 2023, a notícia de que ela teria faturado R$ 23 milhões em um suposto esquema envolvendo shows da banda Barões da Pisadinha. Ela foi empresária da banda até dezembro passado.
O Supremo Tribunal Federal recentemente reafirmou a relevância da liberdade de imprensa no julgamento das ADIs 6792 e 7055, manifestando sua preocupação com o assédio judicial contra jornalistas. A decisão que levou o site inteiro do DCM a sair do ar expõe a situação precária de segurança jurídica a que estão submetidos jornalistas e meios de imprensa. A decisão tem também um efeito intimidatório e inibe o trabalho da imprensa em todo o país.
As organizações signatárias pedem à Justiça que não só restabeleça o site com urgência, mas que atue para garantir a liberdade necessária para o exercício do jornalismo no Brasil.
7 de agosto de 2024
Abraji (Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo)
Instituto Tornavoz
Ajor (Associação de Jornalismo Digital)
Repórteres Sem Fronteiras (RSF)
Intervozes – Coletivo Brasil de Comunicação Social
Fenaj (Federação Nacional dos Jornalistas)”
Confira as manifestações sobre o caso nas redes:
Leia a íntegra da nota da Associação Brasileira de Imprensa:
A ABI – Associação Brasileira de Imprensa, por meio da Comissão de Defesa da Liberdade de Imprensa e dos Direitos Humanos, repudia com veemência a decisão inconstitucional do Tribunal de Justiça do Tocantins que, de forma arbitrária, retirou do ar o site do DCM – Diário do Centro do Mundo, que existe há mais de 13 anos.
A decisão torna-se ainda mais absurda quando se constata que o proprietário do DCM foi pego de surpresa, ao ver o site excluído da internet. Embora o Judiciário de Tocantins tenha afirmado que tentou contato com ele, no mínimo não o fez com o devido cuidado e imparcialidade.
É inconcebível que a reclamação da deputada estadual Janad Valcari (PL), insatisfeita com a reportagem publicada pelo DCM, em novembro de 2023, tenha resultado nessa violenta censura contra a publicação. Na ocasião, o DCM divulgou que a deputada faturou R$ 23 milhões com um esquema que envolvia prefeituras locais e a banda Barões da Pisadinha, empresariada por ela.
O Tribunal de Justiça de Tocantins, seus juízes e desembargadores ignoraram a jurisprudência firmada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde o famoso julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF 130), em novembro de 2009, de que a Constituição de 1988 não admite em qualquer hipótese qualquer tipo de censura.
A decisão tomada contra o site DCM, bem como o assédio judicial e a perseguição a jornalistas, é inconstitucional, fere a jurisprudência do STF e por isso deve ser repudiada e imediatamente revogada.
Rio de Janeiro, 08 de agosto de 2024
COMISSÃO DE DEFESA DA LIBERDADE DE IMPRENSA E DIREITOS HUMANOS
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE IMPRENSA
Mais manifestações de personalidades nacionais sobre a decisão: