Lembro ainda em flashes do episódio que resultou nessa história do pagamento dos 25% de reajuste dos servidores do Tocantins. O governo do Estado enviou o projeto à Assembleia em 2007 no modelo em que Legislativo funcionava na época. A matéria chegava durante a sessão, que era interrompida para recebê-la. Em questão de 15 minutos já tinha passado por duas ou três comissões e estava pronta para ir a plenário. Como? Boa pergunta. Então, votava-se, sob o vão protesto de dois ou três parlamentares.
[bs-quote quote=”É muito fácil criar leis para beneficiar categorias, num gesto meramente politiqueiro, para a formação de currais eleitorais, sem a mínima preocupação — melhor: responsabilidade! — com o interesse público” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/02/CTAdemir60.jpg”][/bs-quote]
Dessa forma, sem qualquer preocupação de estudar o tema, o reajuste foi aprovado com erros em tabelas. Parece-me que foi isso. Mas o fato é que a lei acabou sancionada e publicada assim mesmo. Só após a conclusão de todo esse rito legal que se descobriu que havia erros que prejudicariam o Estado. Então, o “monstrengo” teve que ser revogado. Tarde demais. Para os olhos frios e cegos da legislação, já tinha virado o tal direito adquirido e toda a sociedade, uma hora ou outra, pagará esta conta absurda, indevida até, por um erro inadmissível de gestão e pela irresponsável omissão da Assembleia.
Se naquela época os deputados tivessem, com calma, se debruçado sobre o texto e tabelas poderiam ter detectado as falhas e revertido a situação nas comissões. No entanto, a subserviência cega ao Palácio Araguaia falou mais alto e a conta agora fica para o cidadão.
Lembrei-me dessa história trágica para o contribuinte ao assistir pela TV Assembleia a magnífica manifestação do presidente da Comissão de Constituição e Justiça, deputado Ricardo Ayres (PSB), durante a audiência pública dessa quarta-feira, 24, para discutir a Medida Provisória número 5, que trata da jornada de trabalho dos profissionais da saúde. Um dos principais pontos da fala de Ayres foi justamente o que chama os parlamentares à responsabilidade. “Vir aqui para massagear e arrancar aplauso fácil, estou há oito anos praticamente nesta Assembleia Legislativa assistindo isso. E o Estado? E o interesse público? Acho que precisamos nos voltar é para este interesse público”, defendeu, esplendidamente (odeio adjetivos exagerados, mas acho que agora merece), o jovem deputado.
Ele tocou o dedo no ponto nevrálgico: “Que a Assembleia tenha responsabilidade, porque estou cansado de vir aqui arrancar aplausos fáceis e a gente ver o caos que hoje acontece na saúde pública do Tocantins e nós somos corresponsáveis por isso. Porque todos esses anos a gente aprovou projetos aqui, na maioria da vezes, sem impacto financeiro-orçamentário, sem uma análise mais acurada da matéria, confiando no governador de plantão. Essa é a realidade”. Aplausos!
É muito fácil criar leis para beneficiar categorias, num gesto meramente politiqueiro, para a formação de currais eleitorais, sem a mínima preocupação — melhor: responsabilidade! — com o interesse público. De onde sairá o dinheiro para essa “bondade”?
Vejam só este dado do secretário da Saúde, Renato Jayme, também na audiência dessa quarta: 87% do orçamento da pasta é destinado à despesa de pessoal e 12% para outras despesas. Isso mesmo: 99% de todos os recursos da saúde vão para custeio, e fica a migalha de 1% para investimento. Tem base uma coisa dessas? É uma indecência, total imoralidade, não existem outros adjetivos para esse quadro trágico e que confirma o que Ayres afirmou em sua manifestação: “Se aumentou cargos em comissão, criaram vários cargos de natureza temporária sem necessidade, se estabeleceu privilégio para determinadas categorias em detrimento de outras e hoje quem paga o preço disso? São os servidores da saúde, são os servidores do quadro geral. Mas quem paga de verdade é a população que está ali sofrendo por falta de atendimento”. E foi mais ainda no alvo: “Falta tudo em nossos hospitais porque faltou planejamento durante todos esses anos”.
Essa é a chave para entender o caos do Tocantins, sobre a qual esta coluna fala há anos, pregando no deserto e levando tiro de todos os lados das corporações sindicais, que, em sua imensa maioria, só tem compromissos com seus interesses de classe e nenhum com o Tocantins. Zero! Sem planejar o Estado, o que inclui rever esses Planos de Cargos, Salários e Subsídios fictícios, meramente eleitoreiros, sem o mínimo lastro com a realidade orçamentária, este Estado está fadado a viver uma crise após outra, arrecadando recursos suados de um contribuinte em sua imensa maioria pobre com um único objetivo: manter servidor público e privilégios de algumas categorias empoderadas, muitas vezes, por uma reserva de mercado que existe e que se usa dela para arrancar vantagens funcionais e salariais na pressão.
Ayres também toca neste ponto: “A gente precisa fazer com que os profissionais sejam bem remunerados, sejam valorizados, mas que cumpram as jornadas estabelecidas porque esse é o verdadeiro interesse público”.
O deputado finaliza com um exercício de futurologia mas preciso, até porque não é necessário ser nenhuma Mãe Dináh para saber aonde o Estado vai parar se o interesse público não for posto, por todos, num pedestal: “Porque chegamos no limite, que está muito bem claro, e o governador que esta aí não é responsável por isso não, é corresponsável porque foi deputado, igual a mim. Está na hora de a gente consertar junto o Estado e a chance é esta. Vamos fazer um debate mais maduro, não vamos votar de afogadilho e vamos disciplinar direitos e deveres para servidores e para a gestão”.
Esta é a atitude de uma Assembleia que tem o interesse público acima de tudo e que sabe a importância da responsabilidade fiscal para que o Tocantins se reencontre com o desenvolvimento. Na verdade, é bom que se diga, não só o Legislativo, mas sindicatos e todos os segmentos da sociedade precisam ter essa clara compreensão, ou todos pagaremos muito caro pelo pecado da gula.
CT, Palmas, 25 de abril de 2019
Assista o pronunciamento do deputado Ricardo Ayres em vídeo da TV Assembleia: