Caro Dr. Helvécio,
Imagino a correria em que o senhor se encontra faltando apenas quatro dias para as eleições, e que não deve ser muito diferente da que nos consome em nossas redações nestes dias decisivos. Pensando por esse lado, há alguma similitude entre nossas atividades. Talvez a diferença consista no fato de que o papel do magistrado, sempre superior ao nosso, é ser mediador dos conflitos, enquanto o do jornalista, humildemente, é expor as contendas de forma que revelem o que há de importante por trás delas para o debate público e contribuir, assim, para que a opinião pública forme seu juízo.
Contudo, considero necessário escrever ao senhor neste momento nebuloso do Brasil, primeiro, para cumprimentar a Justiça Eleitoral do nosso estado pelo trabalho zeloso, competente e que tem sido decisivo para o amadurecimento da nossa democracia. As pessoas pensam que o processo eleitoral começa em agosto, e aí surge a outra semelhança entre a atividade dos operadores do direito em geral e a do jornalista. Praticamente emendamos uma eleição à outra. Terminado um pleito, já se abre o debate para o próximo, bem como começam a correr os rigorosos prazos legais que partidos e agentes políticos precisam observar atentamente. O que significa, por óbvio, muito trabalho para nós, jornalistas, advogados, magistrados e servidores do Judiciário.
Antes de prosseguir no objetivo desta epístola, faço um parêntese sobre a carestia dos nossos dias. Sei que não estou me dirigindo a um representante do Ministério da Fazenda, mas minha observação passa pelo processo eleitoral. Caro Dr. Helvécio, me assustei com a inflação galopante devorando também as campanhas. A Coluna do CT fez esses dias um levantamento dos gastos declarados a vocês e constatou que um candidato, apenas com minguadas caminhadas pelo comércio e reuniões com alguns gatos pingados, já havia consumido mais de R$ 5 milhões! Fiquei ruminando: nosso até pouco tempo poderoso real não vale mais quase nada.
Bem, mas voltando ao tema principal desta carta, no momento em que a insanidade destes tempos leva alguns setores a questionar a transparência da Justiça Eleitoral, quero trazer o testemunho de quem acompanha eleições de perto há mais de 30 anos, e é um admirador da eficiência demonstrada por nossos juízes e servidores.
Não deve ser nada fácil julgar centenas de registros de candidatura dentro do prazo exíguo fixado pela legislação, e da mesma forma cumprir todo o cronograma previsto e divulgar os vencedores em poucas horas. Penso que exige muita dedicação, zelo e treinamento intenso para que tudo ocorra conforme planejado.
Dessa forma, dr. Helvécio, quando alguém coloca em dúvida a lisura do processo eleitoral, fico indignado. Imagino que todos vocês, juízes e servidores, sintam-se atingidos e até mesmo tenham como menosprezado o duro trabalho que realizam, não durante 45 dias de campanha, mas ao longo de dois anos, e que ainda não se encerra no dia da votação ou após a apuração, porque prossegue com o julgamento de contas e recursos diversos interpostos por Ministério Público, partidos e candidatos.
O pior, dr., é colocar em dúvida o trabalho de uma multidão de profissionais sérios sem qualquer prova de irregularidade nos processos eleitorais anteriores. Claro, estou me referindo, principalmente, às fake news disseminadas diariamente contra a urna eletrônica. Acompanhei algumas eleições com voto em cédulas de papel. Caro dr. Helvécio, que loucura era aquilo, como o senhor bem sabe! Ali, sim, havia condições propícias para fraudes, não por ação ou omissão da Justiça, mas diante da impossibilidade de se controlar um contingente enorme de mesários, fiscais, cabos eleitorais, enfim, um verdadeiro inferno.
Lembro-me das brigas nos ginásios de esporte onde geralmente ocorriam as apurações. Eram do seguinte tipo: esse “x” está mais para lá do que para cá, então, o voto é de A e não de B. E aí a confusão estava armada. Não sinto saudades daquilo, muito menos de aguardar até quatro dias para ter a proclamação do resultado final.
Prezado dr., a radicalização tóxica da política brasileira nesta encruzilhada histórica em que vivemos tem feito muito mal ao país, às nossas instituições sérias e, infelizmente e sobretudo, à nossa democracia. Não tenho dúvidas, dr. Helvécio, de que, criados pelas mãos de homens e mulheres falíveis, aliás, como todos somos, o sistema eleitoral e o próprio Poder Judiciário estão sempre sujeitos à crítica e carecem de aperfeiçoamento. Contudo, não se pode colocar em xeque todo o conjunto de um Poder que tem contribuído sobremaneira para o amadurecimento democrático do país, acima de tudo sem uma única comprovação de fraude.
Ainda mais, dr., quando o ataque parte de autoridade que, em falas de derrotado e mau perdedor, terceiriza à Justiça Eleitoral a responsabilidade por suas frustrações, incompetência e incapacidade de convencer o eleitor de que é a melhor opção. Pior: nem ao menos se constrange em mentir e difamar o sistema eleitoral no exterior e até em reunião com embaixadores. Essa postura diz mais sobre a falta de grandeza do crítico para ocupar cargos públicos de envergadura do que sobre os que são alvo de uma crítica inverídica, impatriótica e irracional.
Concluo, Dr. Helvécio, dizendo que nós temos um amigo em comum, Dante Póvoa, meu companheiro de conversas e reflexões há quase 20 anos. Ele bolsonarista e eu, anti-Bolsonaro. No entanto, sabemos colocar as coisas no seu devido lugar. O tempo e o respeito mútuo nos ensinaram que nossas convicções políticas não podem sobrepujar a grandeza dessa amizade. Quando as divergências do debate começam a se intensificar, nossas Sandras (minha esposa e a dele têm o mesmo nome) nos beliscam por baixo da mesa. Rimos disso e continuamos a celebrar nosso companheirismo.
Digo isso para exemplificar, caro Dr., nesses dias em que tememos uma onda de violência por intolerância política, que é possível divergir sem necessariamente se tornar inimigo de quem pensa diferente de nós. É com esse espírito que encerro esta humilde carta, desejando que a democracia, o respeito e os interesses maiores do país se sobreponham nos próximos dias a discussões meramente personalistas, e que possamos viver novos tempos, de paz e amor, e expurgar o ódio que divide nossa sociedade.
Reforço, por fim, meus cumprimentos ao senhor, à toda a magistratura e aos servidores da Justiça Eleitoral, que neste ano completa 100 anos, reconhecendo o trabalho transparente, eficiente e competente que vocês têm prestado ao Tocantins e ao Brasil.
Boa sorte, bom trabalho e conte sempre com a humilde contribuição deste reles operário das letras.
Saudações democráticas,
Cleber