Com a vacância do cargo de Governador, muito tem se falado acerca das regras que serão aplicadas nas eleições suplementares, sobretudo pelo fato de que as regras em vigência, se não forem flexibilizadas, impactarão diretamente, neste momento, na pretensa candidatura de várias forças políticas no cenário tocantinense.
É certo que para as eleições ordinárias os pretensos candidatos já conhecem previamente as exigências da legislação eleitoral, para fins de serem considerados aptos ao pleito, com maior destaque para os prazos.
O povo brasileiro é popularmente conhecido por deixar tudo para a última hora, e no meio político não poderia ser diferente, já que a maioria dos candidatos resolvem sua vida no último dia de prazo.
O problema aparece quando somos pegos de surpresa com uma eleição suplementar, que, em regra, segundo a legislação, tem prazo de 20 a 40 dias para ocorrer.
A principal dúvida no cenário atual reside nos prazos para desincompatibilização, pois esses prazos são definidos visando as eleições do mês de outubro. Há prazos para desincompatibilização previsto constitucionalmente, como o prazo para o chefe do executivo, seja ele na esfera Federal, Estadual ou Municipal, e os prazos em lei infraconstitucional.
Todavia, para eleições suplementares estaduais, o Tribunal Regional Eleitoral, em razão da delegação conferida pelo TSE, é quem fica responsável por ditar as regras, e o faz por meio de resolução.
Em se tratando de Direito Eleitoral, as resoluções são atos normativos de natureza ato-regra, pois criam situações gerais e abstratas, possuindo força de lei, muito embora não possam contrariá-la. Dado o seu caráter regulamentar, não podem restringir direitos e nem estabelecer sanções distintas das previstas em lei.
Diante disto, já que ninguém contava com uma eleição suplementar, começaram-se os debates e preocupações. Surgiu então a grande discussão sobre a possibilidade do TRE/TO reproduzir a resolução 07/2017, elaborada pelo TRE do Amazonas.
Na resolução aplicada pelo TRE/AM, há previsão que após a convenção do partido o candidato passa a ter um prazo de 24h (vinte e quatro) horas, para se desincompatibilizar. Por outro lado, a mesma resolução, citando como precedente o REspe nº 3031- 57 do Tribunal Superior Eleitoral, defende que o prazo constitucional (art. 14, § 7°) deverá ser observado. Em suma, as disposições constitucionais foram preservadas, mas houve uma flexibilização da norma infraconstitucional.
É importante destacar que o artigo 14, §7º da Constituição fala da inelegibilidade por parentesco e não a desincompatibilização do chefe do executivo. Contudo, no julgamento do REspe nº 3031- 57, os Ministros entenderam que as regras constitucionais são aplicadas nas eleições suplementares, não podendo ser afastadas ou mitigadas. Logo, o artigo art. 14, § 6° da CF/88 deverá ser aplicado.
Em entrevista recente, o TRE/TO informou que possivelmente no dia 04 (quatro) se pronunciará, com a elaboração da resolução que vai instruir as eleições suplementares. Na ocasião, como não poderia ser diferente, o desembargador presidente do TRE/TO foi muito questionado acerca dos possíveis prazos de desincompatibilização, e, de forma correta, ponderou suas respostas, até para não deixar escapar o seu posicionamento pessoal, mas acabou defendendo que as regras constitucionais não podem ser alteradas.
Embora a resolução esteja prevista para o dia 4 (quarta-feira) em consulta as resoluções, do TRE/TO, já é possível definir parte do entendimento do Tribunal.
Recentemente o Tribunal elaborou a resolução n° 387, publicada no dia 17/10/2017, para orientação das eleições suplementares do município de Itacajá.
Nessa resolução, em seu artigo 6°, o TRE/TO flexibilizou o prazo para a desincompatibilização infraconstitucional, reproduzindo teor semelhante a resolução do TRE/AM. Entretanto, a respeito da desincompatibilização constitucional em nada pronunciou-se.
Art. 6 – O candidato deverá afastar-se do cargo gerador de inelegibilidade, nos termos da lei complementar 64/90, nas 24 (vinte e quatro) horas seguintes à sua escolha pela convenção partidária.
Com efeito, esse silêncio acerca da matéria constitucional pode gerar muitos questionamentos, já que a lei 64/90 reproduz a desincompatibilização do art. 14, §6° da constituição.
Do ponto de vista jurídico, penso que nem a constituição e nem a legislação infraconstitucional deveria ser flexibilizada. A meu ver, embora seja em caráter extraordinário, a eleição suplementar é prevista na lei, muito em razão das várias hipóteses de vacância do cargo, que, embora não seja a regra, pode ocorrer a qualquer tempo. Assim, o processo eleitoral deve respeitar as regras estabelecidas pela lei, sem a possibilidade de sua flexibilização para tornar possível a candidatura de determinadas pessoas.
Não obstante, embora a preocupação em massa seja com o prazo para desincompatibilização, chama-se a atenção que para a eleição suplementar, com data possível para ocorrer no dia 03 (três) de junho, as alterações na legislação eleitoral, introduzidas pelas leis 13.487 e 13.488, não poderão ser aplicadas em razão do lapso temporal que é inferior a 1 (um) ano.
De acordo com a Constituição Federal, a lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data da sua publicação, mas não se aplica à eleição que ocorra até 1 (um) ano da data de sua vigência. Trata-se aqui do princípio da anualidade ou anterioridade eleitoral, expresso no artigo 16 da CF/88, cuja redação foi alterada pela Emenda Constitucional nº 4/93, e que discorre – “A lei que alterar o processo eleitoral entrará em vigor na data de sua publicação, não se aplicando à eleição que ocorra até um ano da data de sua vigência”. É por este fato que os parlamentares muitas vezes dobram os trabalhos em meados de outubro, no intuito de publicar a lei com pelo menos um dia de antecedência do dia em que se realizará as eleições, no ano seguinte. Eis aí a explicação da publicação das leis 13.487 e 13.488 no dia 06 de outubro de 2017, pois as eleições acontecerão no dia 07 de outubro de 2018, mais de um ano após a publicação das leis que reformaram o processo eleitoral.
Tais questões deverão ser observadas pelos candidatos, através da sua assessoria jurídica e contábil, já que as alterações de 2017 influenciam sobremaneira em relação aos gastos eleitorais e prestação de contas.
Na prática eleitoral, sabe-se que antes mesmo do registro o pré-candidato gera gastos eleitorais, deixando para contabilizá-lo após a liberação por parte da justiça eleitoral.
Daí pode surgir um grande problema, pois a prestação de contas é obrigatória. A resolução do TSE 23.463/15, que tratava da prestação de contas das eleições de 2016, trouxe, no seu art. 41, §7, que mesmo que o candidato renunciasse, desistisse, fosse substituído, ou tivesse o registro indeferido, deveria prestar contas do período em que participou do processo eleitoral.
art. 41, § 7º O candidato que renunciar à candidatura, dela desistir, for substituído ou tiver o registro indeferido pela Justiça Eleitoral deve prestar contas em relação ao período em que participou do processo eleitoral, mesmo que não tenha realizado campanha.
Possivelmente esta resolução será aplicada na eleição suplementar, e, diante disto, poderá trazer consequências negativas ao candidato que se arriscar ao pleito consciente de que pode ser impugnado, em razão do prazo de desincompatibilização, e, por conseguinte, vier a desistir ou até mesmo ter o registro indeferido.
Com a obrigatoriedade de apresentar as contas, estas podem não ser apresentadas pelo candidato, ou até mesmo serem julgadas irregulares, o que reflete sobre a certidão de quitação eleitoral, documento indispensável para o registro de candidatura futuro. A não apresentação das contas pode ser sanada com apresentação extemporânea. Já a reprovação das contas eleitorais não tem o condão de tornar o candidato inelegível, mas a reprovação pode vir acompanhada de multa, e a certidão de quitação eleitoral abrange multas aplicadas, passível de não ser fornecida enquanto estas não forem quitadas.
No expressão popular, “é muita dor de cabeça” de forma desnecessária.
Outra importante alteração a ser observada trata-se do domicílio eleitoral. Anterior a reforma de 2017, a lei 9504/97 previa, em seu artigo 9°, que para concorrer ao pleito, o candidato deve possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, 1 (um) ano antes do pleito, e estar com a filiação deferida pelo partido no mínimo 6 (seis) meses antes da data da eleição. A lei 13.488 diminuiu a exigência do domicílio eleitoral para 6 (seis) meses. Contudo, conforme já exposto, nas eleições suplementares deverão ser observados os critérios de 1 (um) ano para domicílio eleitoral, e 6 (seis) meses para filiação partidária, por inteligência princípio constitucional da anualidade das normas eleitorais.
Tal fato é de grande relevância, uma vez que nos últimos anos o Estado do Tocantins tem recebido um enorme número de pessoas, principalmente relacionados à gestão pública, que, uma vez tendo criado raízes no Estado, tendem a pleitear mandato eletivo.
Embora tais fatos gerem bastante debate, com diversos interpretações e entendimentos, na prática só teremos respostas assim que iniciar o processo de registro de candidatura. De acordo com o art. 11, § 10 da Lei 9.504, as condições de elegibilidade e as causas de inelegibilidade devem ser aferidas no momento da formalização do pedido de registro de candidatura, ressalvadas as alterações, fáticas ou jurídicas, supervenientes ao registro que afastem a inelegibilidade.
Se levarmos em conta o desgaste de uma eleição, trazendo à memória que em outubro teremos eleições gerais, talvez a inelegibilidade temporária, relacionado ao prazo de desincompatibilização, seja benéfica para o candidato que se encontre nessa situação de insegurança jurídica, já que poderá optar por aguardar e participar das eleições gerais sem o receio de não estar apto, preservando também a parte financeira.
De modo diverso, aquele que decidir se arriscar, e tiver o registro de candidatura indeferido, com certeza enfrentará um enorme desgaste político, financeiro, e ainda correrá riscos de ter problemas com a justiça eleitoral.
Diante disto, é muito importante que o candidato reflita bem e considere que seu futuro político pode depender, e muito, da decisão que tomar agora.
FERNANDO ARAÚJO LUZ
É advogado, pós-graduado em Direito Eleitoral e Direito Público
fernandoaraujo.advogado@gmail.com