O juiz da 1ª Vara da Fazenda e Registros Públicos de Palmas, Manuel de Faria Reis Neto, acolheu os pedidos da Ação Civil Pública (ACP) apresentada pelo Estado do Tocantins e proibiu, no mérito, o pagamento do reajuste salarial dos policiais civis e delegados concedidos pelo ex-governador Sandoval Cardoso (SD) em 2014. O magistrado também declarou a inconstitucionalidade das Leis Estaduais 2.851, 2.853 e 2.882 que conferiram aumento de 106% na remuneração da categoria.
Na sentença proferida nesta quinta-feira, 21, Reis Neto pontua que “as leis afrontadas não cuidam de mera revisão geral, mas de efetivo e real aumento de subsídios de modo que, a elevação do gasto público inevitavelmente ocorrerá com a aplicação delas”. Segundo ele, a ausência de prévia dotação orçamentária para suportar esse incremento de despesa ocasiona, portanto, a inconstitucionalidade das leis.
“O que facilmente se observa nesse processo é a irresponsabilidade com o trato da coisa pública. Promessas eleitoreiras, com a óbvia finalidade de enganar os servidores públicos, mas impossíveis de serem implementadas. Pelo que exsurge dos autos, as leis em debate nesta ação apresentam os insanáveis vícios de ilegalidade, por não atenderem às disposições da LRF, nem como de inconstitucionalidade por descumprirem a Constituição Estadual e a Constituição Federal, por isso são absolutamente nulas e ineficazes”, sentencia.
– Leia a íntegra da sentença.
Argumentação
De acordo com o magistrado, a edição das Leis nº 2.851 e 2.853 possuem origem nas Medidas Provisórias nº 08 e 13, ambas de abril de 2014. Porém, ele lembra que o art. 27, § 3º da Constituição do Estado do Tocantins dispõe que somente em caso de relevância e urgência, o Chefe do Executivo poderá adotar medidas provisórias.
Para o juiz, o reajuste salarial não se revela nem nunca foi matéria de caráter de urgência a se justificar ser implementado por meio de Medida Provisória. “Até porque, segundo a Confederação Brasileira de Trabalhadores Policiais Civis, o Tocantins é o 5º Estado que melhor remunera seus agentes de polícia”, pontua.
Reis Neto também não reconheceu a urgência alegada pela Assembleia Legislativa que fez com que a tramitação das Medidas Provisórias na Casa, para serem convertidas em leis, ocorresse num único dia. Segundo ele, o processo ocorreu de forma “atípica”, pois, no dia 9 de abril de 2014, as matérias percorreram todas as comissões, Procuradoria, foram votadas, sancionadas e publicadas no Diário Oficial.
Além da ausência de urgência, o juiz menciona que os benefícios foram concedidos sem previsão na lei orçamentária anual e na lei de diretrizes orçamentária. Ele também aponta que não foi levado em consideração o limite prudencial estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que já estava extrapolado na época da concessão, com índice de 50,48%.
“Esse Juízo não pode fechar os olhos à realidade financeira por que passa o Estado do Tocantins, sendo certo que no ano de 2015 não possuía condições de absorver o impacto financeiro que sequer foi planejado, crise essa que se repetiu nos anos de 2016 e 2017”, anota na sentença. “Analisando todo o imbróglio desta demanda, percebe-se claramente os inúmeros abusos perpetrado pelos ex-governadores do Estado do Tocantins, revelando verdadeira mazela com o trato da Coisa Pública, prejudicando sobremaneira os jurisdicionados”, acrescenta mais adiante.
Parecer do MPE
A decisão, por fim, leva em consideração ainda o parecer emitido pelo Ministério Público do Tocantins (MPE) que se manifesta pela procedência da Ação Civil ajuizada pelo Estado, em 2017. Na avaliação da promotora Maria Cristina da Costa Vilela, a Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) e a Constituição Estadual vedam o aumento. A Assembleia Legislativa foi criticada no documento.
Competência
Na extensa sentença de 70 páginas, o magistrado ainda rebate o Sindicato dos Policiais Civis (Sinpol) e o Sindicato dos Delegados de Polícia do Tocantins (Sindepol) que argumentaram, nos autos do processo, “que não cabe ao Judiciário discutir deliberação interna corporis de Casa Legislativa, tampouco resolver indagações sobre critérios interpretativos de preceitos regimentais, sob pena de violação à separação dos poderes”.
Reis Neto defende, contudo, que a interferência é tolerada em caso de ofensa a constituição ou a lei. “É o caso dos autos, posto que está evidente que a Casa Legislativa deixou de observar os aspectos Constitucionais – Federal e Estadual, e até mesmo o seu próprio Regimento Interno na edição das já referidas Leis Estaduais”, observa.
Outro lado
Ao CT, o Sinpol informou que está estudando o caso e vai se manifestar na próxima semana. Em nota à imprensa, o Sindepol disse que a sentença “não faz justiça aos servidores da Polícia Civil, não ilustra o melhor entendimento acerca da questão e não é definitiva”. A entidade também informou que usará de todos os meios legais cabíveis para reverter os efeitos da decisão.
Entenda o caso
As leis foram aprovadas e publicadas em abril de 2014, na gestão do ex-governador Sandoval Cardoso, e previa um aumento escalonado em quatro parcelas a partir de janeiro de 2015. No entanto, o então governador Marcelo Miranda (PMDB), que assumiu em janeiro de 2015, não pagou o reajuste e suspendeu as leis por meio de um decreto. Além disso, foi ao Tribunal de Justiça com uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) contra a medida de Sandoval.
O Sinpol também buscou o Judiciário, mas para questionar o decreto. A entidade conseguiu uma liminar favorável na primeira instância em fevereiro de 2016, depois derrubada pelo desembargador Ronaldo Eurípedes e, por fim, restaurada em decisão do pleno do Tribunal de Justiça do Tocantins (TJTO), em setembro do mesmo ano.
Em nova disputa judicial, o mesmo TJTO determinou que o governo pagasse o benefício em até dez dias, sob pena de multa. O Estado voltou à Corte e, após a decisão contra seu decreto, incluiu um pedido de liminar para suspender os efeitos financeiros das leis na ADI que foi julgada pela Corte no dia 6 de julho de 2017, com decisão favorável aos policiais civis.
No Supremo Tribunal Federal (STF), também existe uma ação sobre o caso, mas que tenta derrubar a liminar de primeira instância favorável ao Sinpol. Contudo, em decisão monocrática, no dia 22 de junho do ano passado, a presidente do STF, ministra Cármen Lúcia, manteve a determinação da 1ª Vara da Fazenda de Palmas de suspender liminarmente o Decreto de Marcelo Miranda.
Apesar da vitória no Supremo, os efeitos das leis que concedem o alinhamento foram suspensos, liminarmente, em agosto do ano passado pelo juiz Manuel de Faria Reis Neto. Com esta última sentença o magistrado confirmou, no mérito, a liminar concedida.
Confira a íntegra da nota do Sindepol:
“Nota Sindicato dos Delegados de Polícia Civil do Tocantins (Sindepol/TO) à imprensa
Nesta quinta-feira, 21, o juiz da 1ª Vara da Fazenda e Registros Públicos de Palmas publicou sentença em que declarou a inconstitucionalidade das Leis 2.851/14 e 2.853/14. Bem como alegou que ambas possuem insanáveis vícios de ilegalidade por não atenderem disposições da LRF (Lei de Responsabilidade Fiscal).
As citadas Leis foram aprovadas dentro do Plano de Valorização das Forças de Segurança Estadual, no qual foi criado o Plano de Cargos e Salários (PCCS), para os Policiais Militares, com vigência em 2014, 2015 e 2016. Já para os Policiais Civis, a reestruturação das tabelas de vencimentos dos PCCS já existentes, tiveram implementações previstas para os anos de 2015, 2016, 2017 e 2018.
No curso da Ação Civil Pública (APC), os sindicatos que representam os servidores da Polícia Civil, demonstraram que, diferente do alegado pelo Magistrado e pela PGE quando se deu início à ação, houve sim a devida previsão orçamentária para executar a primeira das parcelas. Provamos isso no rito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) proposta pelo então governador Marcelo Miranda em fevereiro de 2015, ação esta que sequer foi conhecida pelo Pleno do Tribunal de Justiça, em meados de 2017. O pleno do TJTO, em decisão unânime, não conheceu a ADIN.
A decisão judicial registrada ontem, nos causa espanto, mas não é completamente surpreendente. Desde o início de 2015 que situações esdrúxulas ocorrem no Tocantins para que os direitos dos Policiais Civis não sejam respeitados. O Governo na época chegou a suspender a eficácia de uma Lei por um mero decreto e depois ingressou com ADIN para não respeitar a lei.
O mesmo governo, não satisfeito com a decisão unânime do Pleno do Tribunal de Justiça que rejeitou a ADIN, resolveu remontar a mesma peça, agora revestida do nome de “Ação Civil Pública”, com o mesmo intuito, não respeitar os direitos dos Policiais Civis.
As razões escritas, tanto na peça inicial da ACP proposta pelo governador Marcelo Miranda, quanto na decisão judicial de ontem são as mesmas, falha no processo legislativo, desrespeito à LRF e inconstitucionalidade das leis por questões formais ou materiais.
Ocorre que, quando da promulgação das Leis 2.851/14 (Base da Polícia Civil) e 2.853/14 (Delegados de Polícia Civil), houve também a Lei 2.852/14 (servidores da Defensoria Pública) que da mesma forma, foi dividida em quatro parcelas ao longo dos anos de 2015, 2016, 2017 e 2018, seguindo os mesmo ritos dentro da Assembleia Legislativa, passando pelas comissões e sendo aprovada pelo plenário no mesmo dia que as leis da Polícia Civil, tudo exatamente igual.
A única diferença é que para esta Lei (2.852/14) não houve Decreto suspendendo efeito financeiro, não houve ADIN, nem tampouco ACP, e sua implementação financeira já foi concluída no início deste ano. Ora, não se pode admitir que em nosso Estado algo seja constitucional ou legal a depender da vontade do governador, da Procuradoria Geral do Estado e de quem julga uma Ação Civil Pública. Da mesma forma que a lei afeta aos servidores da Defensoria Pública é legal e foi cumprida, as Leis 2.851/14 e 2.853/14 também são.
A própria 1ª Vara da Fazenda Pública emitiu decisões favoráveis ao cumprimento da lei 2.851/14 ao longo dos últimos anos. Decisões essas que o governador Marcelo Miranda se esquivava de cumprir mediante manobras processuais.
A decisão de ontem notadamente não faz justiça aos servidores da Polícia Civil, não ilustra o melhor entendimento acerca da questão e não é definitiva. O Sindicato dos Delegados de Polícia do Tocantins usará de todos os meios legais cabíveis para reverter os efeitos dessa decisão.
Mozart M. Macedo Felix
Presidente do SINDEPOL”