Em meio à crescente radicalização que antecede a realização das eleições nacionais, o Tocantins viu na semana que passou a cassação pelo TSE da chapa que elegeu Marcelo Miranda (MDB) a governador do estado. Na sua motivação o TSE faz referência à utilização de recursos de forma camuflada durante a campanha eleitoral de 2014.
Mais precisamente, o TSE reconheceu que houve a utilização de recursos obtidos de forma ilícita pela coligação vencedora de molde a impedir o controle público quanto à sua origem e destinação, revelando o que todos já sabiam: a prática longeva no Tocantins de se fazer política em contrariedade aos valores constitucionais da honestidade e transparência intensamente reivindicados pela sociedade brasileira.
A referida decisão teve efeito imediato. Ela embaralha mais ainda o já conturbado quadro político e eleitoral do Tocantins para as eleições de outubro e obriga os partidos políticos a refazerem seus planos. Muitos são os políticos que se mobilizam para obter o mandato tampão. Por meio dele, espera-se obter a força e os recursos humanos e materiais suficientes para enfrentar o escrutínio de outubro, momento em que as candidaturas devem estar bem posicionadas.
[bs-quote quote=”As eleições que se avizinham constituem um desafio e uma oportunidade” style=”default” align=”left” color=”#ffffff” author_name=”Mário Lúcio Avelar” author_job=”É procurador da República licenciado” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/04/MarioLucio60.jpg”][/bs-quote]
Para os órgãos de controle do estado a preocupação é bem outra. De olho no histórico de má gestão e dos esquemas de pilhagem praticados contra o erário público durante governos tampão de passado recente, pretendem os Ministérios Públicos Estadual e de Contas limitar as ações governamentais ao funcionamento estritamente necessário da máquina. Isto é, a nada que vá além do cumprimento da gestão meramente administrativa e de execução da lei orçamentária, bem como ao integral respeito à Lei de Responsabilidade Fiscal.
O argumento soa mais que razoável.
Em um quadro nacional e estadual marcado pela penúria de recursos e colapso na realização de políticas públicas essenciais de saúde, segurança e educação, a sociedade não mais suporta assistir a seus parcos recursos pilhados pelo grupo político de plantão em prol de interesses particulares e de mais poder.
De um lado os políticos profissionais, de outro a sociedade.
Longe dos acertos e conchavos políticos em curso, a sociedade vê-se diante de incertezas e teme pelo pior.
Todavia, as eleições que se avizinham constituem um desafio e uma oportunidade. O desafio consiste em compreender natureza das forças de conservação e mudança que se colocam para melhor balizar aquelas que, dispostas a romper com o passado, serão capazes de inaugurar uma nova fase. A oportunidade consiste na habilidade para a construção de novas práticas políticas com força e intensidade suficientes para a reversão das políticas públicas em favor da grande maioria do povo, de tal modo que o Estado sirva à sociedade e não a sociedade às castas encasteladas no estado.
Mais do que nunca é necessária a eleição de um candidato independente das atuais estruturas e amarras de poder. Somente uma força ou um conjunto de forças de fora do bloco conservador e patrimonialista será capaz de dar representação política àqueles que não se sentem representados e de levar adiante um programa mínimo de governo capaz de resgatar os valores da cidadania.
Esse programa, certamente, passa por uma política de recuperação das combalidas finanças públicas estaduais, pelo enfrentamento de desperdícios e combate aos privilégios fiscais concedidos a grupos empresariais privados que funcionam sem a necessária contrapartida social e econômica, seja mediante a geração de empregos, seja mediante o incremento da atividade econômica.
Uma auditoria da dívida pública poderá também apontar caminhos igualmente
de superação do quadro de grave crise fiscal vivenciado.
Mas não é só.
Do ponto de vista das políticas públicas, urge enfrentar a atual crise econômica, política e social que vivenciamos com ações que protejam a renda familiar e sejam capaz de gerar empregos, enfrentar a marginalidade e combater a miséria urbana e rural. Para isso, é importante a implementação de um arrojado programa educacional envolvendo os melhores especialistas do setor. É preciso implementar melhorias para uma educação inclusiva, emancipadora e capaz de preparar a juventude para os desafios de um mundo que passa por intensa atualização dos seus processos produtivos.
Como premissas de um governo democrático e republicano, a transparência administrativa deverá ser erigida como princípio, o combate à corrupção uma perseguição permanente e o respeito ao erário uma premissa da ação administrativa.
Com o apoio da sociedade, o governo eleito democraticamente precisará voltar sua atenção para os mais pobres e excluídos socialmente. Valorizar a iniciativa privada e estimular a produção é condição fundamental. Com a atração de novos investimentos será possível romper o ciclo de desemprego estrutural que aflige o povo. É premente a criação de um ambiente de negócios saudável, a implementação de regras estáveis, a simplificação de procedimentos e a institucionalização da ética como pauta e valor nas relações entre os setores público e privado.
Um programa coerente com o desenvolvimento para o Tocantins também não pode furtar-se à necessidade de estimular o aproveitamento sustentável do bioma Cerrado. O reconhecimento de suas diversidades ecológicas e culturais não é somente uma imposição ética e de respeito às gerações presentes e futuras, mas também uma forma de valorização do seu potencial produtivo em processos e práticas capazes de unir recursos naturais e tecnológicos na reorientação da produção para a satisfação das necessidades básicas das populações locais e regionais.
Esse ponto deve harmonizar-se com o estímulo à pesquisa teórica e aplicada de centros universitários para tornar possível a aglutinação e a difusão de conhecimento em áreas ainda pouco estudadas. Com isso, espera-se promover o aproveitamento do bioma Cerrado, agregar valor econômico aos recursos naturais e à biodiversidade, valorizar a população local e estancar o êxodo rural responsável por impulsionar parcela substancial dos problemas sociais e de violência que atingem nossas cidades.
De fato, a violência é um dos temas que mais preocupa o tocantinense. O estado figura em terceiro lugar no ranking daqueles onde houve maior aumento do índice de violência (158%), ficando atrás apenas do Rio Grande do Norte (292%) e de Sergipe (177%). Os dados estão no Atlas da Violência 2017 produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea).
O estudo – que traz análise dos números e das taxas de homicídio no país entre 2005 e 2015 – mostra que o Tocantins em 2015 registrou 503 homicídios, um aumento de 164,7% em relação aos 190 homicídios registrados há dez anos.
A maioria das vítimas são homens, negros, jovens e com baixa escolaridade – como de resto em todo o país. Os registros de violência contra a mulher apontam para uma situação não menos grave. Entre 2005 e 2015 houve um aumento de 128,6% nos registros de violência contra esse seguimento da população no Tocantins.
Enfrentar o problema e suas múltiplas causas deve ser uma prioridade de qualquer governo. Trabalharemos firme nesse propósito.
A deficiência que pauta as políticas públicas em geral também se repete na saúde. A falta de materiais e as enormes filas de espera na rede pública somam-se às múltiplas denúncias de malversação de recursos envolvendo a contratação de organizações sociais e a compra de serviços e medicamentos. A dramaticidade do quadro revela-se até mesmo pelo número de ações judicias. De 2015 para cá, o estado teve que responder a mais de 8 mil ações movidas por tocantinenses que buscavam ver assegurados os seus direitos fundamentais de acesso à saúde e de preservação da dignidade humana.
É preciso reverter rapidamente esse quadro, com o estado assumindo o seu papel de agente responsável pela execução das ações e serviços de saúde. Combater a terceirização indiscriminada, fortalecer o sistema de auditoria e instituir o controle social de maneira plena e eficaz devem ser parte do rol de medidas de reestruturação da política de saúde pública.
Diante dos enormes desafios que se colocam para uma boa administração no Tocantins em benefício do conjunto maior da sua população, o PSOL tem se reunido para discutir e apresentar um programa de governo para as eleições que se aproximam. Entende o partido que a apresentação de um programa consentâneo com a realidade do estado e as necessidades de sua gente é condição necessária à qualificação da campanha eleitoral e uma forma de contribuir para o debate e superação dos problemas de todos os tocantinenses.
MARIO LÚCIO AVELAR
É procurador da República licenciado
marioavelar@uol.com.br