O processo de cassação do diploma do governador Marcelo Miranda (MDB) e da vice-governadora Cláudia Lelis (PV) teve como origem a apreensão de uma aeronave em Piracanjuba, em Goiás, com R$ 500 mil em espécie e mais dois quilos de material de campanha em setembro de 2014. Três anos e sete meses depois, os políticos eleitos podem deixar o Palácio Araguaia após o Pleno do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) julgar na noite desta terça-feira, 17, os embargos de declaração da defesa.
A ação de investigação judicial eleitoral contra Marcelo e Cláudia nasceu após a prisão em flagrante de quatro pessoas no aeroporto de Piracanjuba, no dia 18 de setembro de 2o14, no momento em que embarcavam em uma aeronave de propriedade de uma construtora de nome ALJA Ltda, portando o montante de R$ 500 mil em espécie e cinco quilos de material de campanha.
Diligências da Polícia Civil de Goiás apontaram posteriormente que o dinheiro no avião havia sido sacado momentos antes na agência da Caixa Econômica Federal da conta de Lucas Marinho Araújo, de onde já havia sido transferido mais de um milhão de reais para outras contas-correntes no Tocantins.
Em razão dos indícios de que os recursos apreendidos eram destinados ao caixa 2 da campanha de Marcelo Miranda, o auto de prisão em flagrante foi remetido à Procuradoria Regional Eleitoral do Tocantins (PRE), que instaurou procedimento com objetivo de apurar a ocorrência de abuso de poder econômico.
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Além de Lucas, foram presos Roberto Carlos Barbosa, Marco Antonio Jaime Roriz e Douglas Marcelo Schimidt, cujos depoimentos fizeram surgir mais suspeitas de que o dinheiro seria utilizado na campanha eleitoral no Tocantins. O único a negar o destino do dinheiro perante a autoridade policial, possivelmente por saber da implicação legal da apreensão, foi o suposto chefe da missão, Douglas Marcelo.
Entre os elementos que apontam que o dinheiro apreendido e o transferido da conta de Lucas Marinho teve como destino a campanha eleitoral do MDB do Tocantins estaria a própria versão apresentada por Douglas. Além do caráter incomum do empréstimo da aeronave, o empréstimo obtido em uma factory situada, em Brasília, sem patrimônio ou outra garantia dada aos agiotas torna inverossímil a versão de que ele obteve emprestada a elevada quantia de R$ 1,5 milhão. Também foi questionada a complexa engenharia financeira para obter o empréstimo, desnecessária se a operação fosse legal.
O veículo utilizado pelo grupo encontrava-se à disposição da campanha eleitoral do MDB, já que a locadora aparece na prestação de contas do comitê financeiro do partido, fato que confere com a declaração de Marco Antônio no auto da prisão em flagrante. A utilização da aeronave também reforça a afirmação que todo o esquema era organizado pela campanha eleitoral do MDB.
Laudo pericial realizado pela Polícia Civil de Goiás traz análise e transcrição de anotações de bordo constando diversas viagens no período eleitoral com o então candidato e agora deputado federal Carlos Gaguim (DEM) e uma com Marcelo Miranda e comitiva, além de uma nota fiscal emitida por uma empresa de abastecimento a favor do comitê financeiro do MDB.
Outro fato é que as despesas de Douglas no hotel em que o grupo ficou hospedado em Goiânia foram pagas pelo irmão de Marcelo Miranda, José Edmar Brito Miranda Júnior, conforme comprovam boleto de cartão de crédito e imagens de câmera de segurança do hotel. Outra prova seria as diversas postagens de imagens em aplicativo enaltecendo a campanha e seus candidatos, inclusive dando detalhes da quantidade de veículos que seriam caracterizados naquela semana.
Perícia realizada nos aparelhos celulares utilizados pelos quatro presos em Piracanjuba revelou ainda a existência de intensa troca de mensagens entre Marco Antonio Roriz e o irmão de Marcelo Miranda, Júnior Miranda. Há mensagens em que Marco Roriz conversa com Júnior Miranda relatando já terem acertado com Douglas o horário de se encontrarem no dia da operação.
A ação de investigação eleitoral apresentada pela Procuradoria Regional Eleitoral no dia 9 de janeiro de 2015 destaca que Marcelo e Cláudia captaram e utilizaram recursos de origem ilícita na campanha eleitoral, já que parte dos recursos depositados na conta de Lucas Marinho chegaram a ser transferidos para contas de empresas de fachada, para depois irrigarem os gastos de campanha, mesmo destino do dinheiro em espécie apreendido. Os recursos não transitaram pelas contas-correntes abertas para movimentação financeira da campanha eleitoral e, portanto, caracterizam-se como caixa 2.
Processo
Em agosto de 2015, por 3 votos a 2, o Tribunal Regional Eleitoral (TRE) julgou improcedentes a representação. Segundo o relator do caso, juiz José Ribamar Mendes Júnior, não ficou provado que os recursos apurados na investigação ministerial – os R$ 500 mil apreendidos no avião e os mais de R$ 1 milhão rastreados pela quebra de sigilo bancário – foram aportados ou direcionados para a campanha de Marcelo Miranda.
O Ministério Público e a coligação “A Mudança Que a Gente Vê”, do ex-governador Sandoval Cardoso (SD) apresentaram recurso, rejeitado pela relatora do caso, ministra Luciana Lóssio – que já deixou a Corte Eleitoral. Para ela, não teve como fazer a ligação direta entre os R$ 500 mil apreendidos num avião em Piracanjuba (GO), pela Polícia Civil goiana e a campanha eleitoral de Marcelo. “Esse dinheiro pode ter ido para outros candidatos do MDB, inclusive”, ponderou.
Após a manifestação a relatora, um pedido de vistas do presidente do TSE, Luiz Fux, paralisou o julgamento. O processo voltou à pauta no dia 22 de março deste ano, com o voto do ministro, agora presidente da Corte Eleitoral, pela cassação de Marcelo Miranda e Cláudia Lelis. Acompanharam Fux os ministros Rosa Weber, Admar Gonzaga, Luiz Roberto Barroso e Jorge Mussi. Votos contrários apenas o de Lóssio, do ano passado, e do ministro Napoleão Nunes Maia Filho.
A condenação de Marcelo e Cláudia Lelis por captação ilícita de recursos financeiros foi divulgado quatro dias depois do julgamento. Além da cassação dos diplomas de governador e de vice, o acórdão também determinou a realização de uma eleição suplementar direta para o mandato tampão.
Presidente da Assembleia Legislativa, o deputado estadual Mauro Carlesse assumiu o governo do Tocantins interinamente no dia 27 de março. Entretanto, a administração humanista não durou muito. No dia 6 de abril, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), Gilmar Mendes, concedeu liminar a Marcelo Miranda e suspendeu a execução do cumprimento do acórdão do TSE; ou seja, a cassação e a eleição suplementar.
Com a liminar, Marcelo Miranda retornou ao Palácio Araguaia. Entretanto, a decisão de Gilmar Mendes suspende os efeitos do acórdão só até o TSE apreciar os embargos de declaração impetrados pelo emedebista. A Corte Eleitoral agilizou o processo e chegou a pautar o recurso para ser julgado no dia 12 deste mês, mas refluiu da decisão porque foi alertado sobre o descumprimento do prazo regimental de publicação de pauta 24 horas antes da sessão.
O julgamento dos embargos agora está marcado para a sessão de terça-feira, 17, às 19 horas. Na avaliação de advogados ouvidos pelo Blog CT, para continuarem no cargo, o Marcelo Miranda e Cláudia Lelis dependem de um pedido de vista. Conforme estes juristas, a expectativa, porém, é de que esse pedido não seja realizado, porque, explicam, não é comum que ocorra em julgamento de embargos.
Próximos passos
Se a rejeição desses recursos for confirmada, Marcelo e Cláudia deixam os cargos assim que publicados os embargos, o que poderá ocorrer, inclusive, nesta terça-feira mesmo, em edição extra do Diário de Justiça Eletrônico, ou na quarta-feira, 18. Notificado, o presidente da Assembleia, Mauro Carlesse (PHS), assume o governo interinamente até a realização da eleição suplementar.