O vazamento de uma série de mensagens trocadas no aplicativo Telegram revelou que a força-tarefa da Lava Jato em Curitiba atuava em sintonia com o então juiz Sergio Moro, responsável por julgar os casos ligados à operação em primeira instância.
Os arquivos foram divulgados pelo site The Intercept Brasil e mostram que Moro e o procurador do Ministério Público Federal (MPF) Deltan Dallagnol combinavam ações tomadas pela Lava Jato. Em algumas mensagens, o hoje ministro da Justiça dá sugestões a Dallagnol e até indica uma possível pista contra o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
“Então. Seguinte. Fonte me informou que a pessoa do contato estaria incomodado [sic] por ter sido a ela solicitada a lavratura de minutas de escrituras para transferências de propriedade de um dos filhos do ex-presidente. Aparentemente a pessoa estaria disposta a prestar a informação. Estou então repassando. A fonte é seria”, escreveu Moro.
Em outro diálogo, o procurador antecipa a Moro sobre as delações premiadas de executivos da Odebrecht: “Caro, favor não passar pra frente (favor manter aqui): 9 presidentes (1 em exercício), 29 ministros (8 em exercício), 3 secretários federais, 34 senadores (21 em exercício), 82 deputados (41 em exercício), 63 governadores (11 em exercício), 17 deputados estaduais, 88 prefeitos e 15 vereadores”.
Moro então responde: “Opinião: melhor ficar com os 30 por cento iniciais. Muitos inimigos e que transcendem a capacidade institucional do MP e Judiciário”. O ex-juiz também sugere a Dallagnol a inversão da ordem de operações programadas.
PT
Outras mensagens mostram que os procuradores do MPF estavam preocupados que uma eventual entrevista de Lula da cadeia pudesse eleger Fernando Haddad presidente da República. “Sei lá… Mas uma coletiva antes do segundo turno pode eleger o Haddad”, escreveu Laura Tessler. “Mafiosos”, disse Isabel Groba.
Além disso, Dallagnol expressou dúvidas quanto a uma possível ligação entre a corrupção na Petrobras e o triplex do Guarujá, um dos pilares da sentença que levou Lula à cadeia. “Falarão que estamos acusando com base em notícia de jornais e indícios frágeis. […] Fora isso, tenho receio da ligação entre Petrobras e o enriquecimento”, escreveu.
Foi graças a essa conexão que o MPF em Curitiba conseguiu manter o caso do triplex com Sergio Moro.
Reações
Por meio de nota, o ministro da Justiça e da Segurança Pública lamentou a “falta de indicação de fonte de pessoa responsável pela invasão criminosa de celulares de procuradores” – embora o sigilo da fonte seja um direito dos jornalistas.
Moro também critica o fato de o Intercept não ter entrado em contato com ele antes da publicação, “contrariando regra básica do jornalismo”. O site justifica que não procurou os personagens antes para evitar “que eles atuassem para impedir” a veiculação das mensagens.
“Quanto ao conteúdo das mensagens que me citam, não se vislumbra qualquer anormalidade ou direcionamento da atuação enquanto magistrado, apesar de terem sido retiradas de contexto e do sensacionalismo das matérias, que ignoram o gigantesco esquema de corrupção revelado pela Operação Lava Jato”, acrescenta Moro, que pode ver se complicar sua possível nomeação para o Supremo Tribunal Federal (STF).
Já a força-tarefa da Lava Jato diz ter sido alvo de um “ataque de hackers” e chamou o episódio de um dos “mais graves ataques à atividade do Ministério Público, à vida privada e à segurança de seus integrantes”.
“Há a tranquilidade de que os dados eventualmente obtidos refletem uma atividade desenvolvida com pleno respeito à legalidade e de forma técnica e imparcial, em mais de cinco anos de Operação”, afirma o comunicado.
O ministro Marco Aurélio Mello foi o primeiro integrante do STF a se manifestar e disse que as mensagens colocam “em dúvida a equidistância do órgão julgador”, em referência a Moro.
A defesa de Lula, por sua vez, alegou que a “atuação ajustada dos procuradores e do ex-juiz da causa, com objetivos políticos”, sujeitou o ex-presidente e sua família “às mais diversas arbitrariedades”.
“Ninguém pode ter dúvida de que os processos contra o ex-presidente Lula estão corrompidos pelo que há de mais grave em termos de violações a garantias fundamentais e à negativa de direitos. O restabelecimento da liberdade plena de Lula é urgente, assim como o reconhecimento mais pleno e cabal de que ele não praticou qualquer crime”, diz uma nota.