Com certeza, ninguém vai sentir saudades de 2020, que, enfim, está terminando. Num post no Instagram na manhã desta quinta-feira, 31, o escritor angolano José Eduardo Agualusa deu o tom do que foi este ano: “Desejo a todos uma boa fuga para 2021”. No Tocantins, 2020 começou com um mau agouro que antecipava o que nos esperava, quando no final de janeiro surgiu a primeira suspeita do tal “novo coronavírus”, do qual não tínhamos a mínima ideia do que era, mas impressões suficientes para nos causar pavor.
Um turista alemão e sua filha foram internados no Hospital Regional de Porto Nacional (HRNP). O informe afixado no vidro do hall de entrada do hospital causava calafrios, diante do que o mundo já falava sobre a doença: “Atenção – caso suspeito de corona vírus (sic) no hospital!!! Por favor, pegue a máscara e lave as mãos”. O medo tomou conta do Estado, mas o alívio veio no dia 4 de fevereiro, quando os alemães, já internados no Hospital Geral de Palmas, receberam alta e se confirmou que o que tinham era a Influenza A — H1N1.
De repente, pareceu que o tal coronavírus era, de novo, algo tão distante do Tocantins quanto a China, e a vida voltou à rotina. Como o carnaval seria no final de fevereiro, o ano, claro, ainda não havia começado. Assim, Dona Sandra e eu seguimos para dias paradisíacos num cruzeiro rumo ao Uruguai e à Argentina. Um dia antes da viagem, havia um burburinho de que o tal “coronavírus” se aproximava, mas, para nós, era algo inimaginável que ele aportasse nos trópicos. Embarcamos e nos oito dias seguintes, em alto mar, sequer ouvi falar da enigmática doença, ainda que estivesse num transatlântico de população mundial, com asiáticos, europeus e americanos, dos mais diversos países.
Quando voltamos ao mundo real, ao pisar em solo brasileiro, em Santos (SP), cheios de planos para 2020, soubemos que o temido vírus já circulava livre pelo País. Cerca de duas semanas depois, tudo se fechou, e o início do ano, sempre marcado para depois do carnaval, foi adiado indefinidamente. Tinha projeto do meu livro — já pronto para ir para a gráfica —, de programas para o YouTube, de novos produtos para o site. Mas 2020 foi congelado.
Paramos no tempo, assistindo as horas e os dias passarem, enquanto o novo coronavírus — que descobrimos que poderia ser chamado também de Covid-19 — avançava, adoecendo e ceifando vidas preciosas de amigos queridos, como o casal dona Eda e seu Francisco, dois dos seres mais iluminados que já conheci na vida, levados de nós com diferença de algumas horas.
O pranto e o desespero tomaram conta, como vimos em Manaus e, depois, via BR-153, aqui, por Araguaína e Bico do Papagaio. Palmas não ficaria de fora, bem como Colinas, Gurupi, Guaraí, Paraíso, enfim, os 139 municípios tocantinenses, sobre os quais uma grande sombra de luto e lágrimas se estendeu. Em meio a ela, é preciso registrar o heroísmo dos profissionais da saúde, nossos combatentes nesta guerra, em que muitos foram abatidos, mas a categoria ainda resiste, apesar da falta de recursos, da ignorância das pessoas e do sacrifício pessoal e de suas famílias. A eles, nossa eterna gratidão.
E 2020 continuava parado. Paralela à doença, outro drama humano. Empresas fechando as portas, pessoas sendo desempregadas. Projetos sonhados por anos, destruídos em alguns dias. Analisando o cenário de guerra em retrospectiva, diante da nuvem de incerteza que os cercavam, o governador Mauro Carlesse (DEM) e os prefeitos, em sua maioria, agiram dentro do que era prudente. Fecharam tudo num primeiro momento, no susto, porque ninguém sabia o que viria, e, conforme foram avaliando melhor as condições, passaram a abrir a economia com as devidas restrições.
Claro que há sempre as críticas, os que acham que deveriam ter ficado tudo aberto, por exemplo. Se não fosse o fechamento inicial e as medidas duras de isolamento — ainda que desrespeitadas pela população, como ocorre até agora —, os estragos da Covid-19 seriam muito maiores. Nosso sistema de saúde não teria suportado a demanda e muito mais gente teria morrido.
De outro lado, esta pandemia revelou o quanto o Brasil é um país com mentalidade ainda enraizada na Idade Média, que troca a ciência pelas crendices, como foi com a tal da cloroquina. O Tio do Zap foi o conselheiro mais ouvido pelos brasileiros, uma espécie de Mago Mérlin dos tempos medievais.
Agora, enquanto o mundo se imuniza, temos um crescente movimento antivacina em solo brasileiro, criando mais dificuldades para que possamos nos livrar desse mal. Tudo, claro, alimentado pelo mau exemplo de quem tem por dever dar o bom exemplo, o presidente da República, Jair Bolsonaro, um beócio, analfabeto funcional e com claros traços de sociopatia. Um homem digno de ser colocado no banco dos réus de um Tribunal Internacional por crimes contra a humanidade.
Diante do caos estabelecido por essa doença estranha, que parece afligir suas vítimas sem uma lógica clara — uma idosa de mais de 100 anos se safa e um halterofilista, sem qualquer histórico de comorbidades, sucumbe —, o país ainda patina. Exemplo claro foi quando, sem poder esperar mais, quis lançar meu livro 2018 – crise fiscal, política e 3 eleições, em agosto. Não deu. A gráfica não encontrava papel disponível no mercado, porque um vírus parou a indústria. Interrompeu 2020.
Mesmo hoje tentamos retomar a vida, mas já estamos novamente sendo acuados pela doença. E o ano ainda não pôde ser plenamente iniciado. Vacinação? Descobrimos esta semana que o governo federal não conseguiu sequer comprar seringas.
Na expectativa de que este drama seja superado em 2021, nos despedimos, sem qualquer saudade, de 2020.
Que próximo ano seja da superação de tudo isso – inclusive da nossa ignorância, para a qual, infelizmente, não existe vacina, fora a leitura, a educação.
Que possamos ter de volta aquilo que mais nos fez falta nos últimos meses: o abraço apertado e demorado.
Feliz 2021 a todos os tocantinenses!
CT, Palmas, 31 de dezembro de 2020.