A estruturação da política no Tocantins, como resultado das precárias condições socioeconômicas de seu povo, impõe uma formatação do processo eleitoral em que prevalece a força dos líderes locais na decisão do voto na grande maioria da cidades. No Estado, 52,93% dos votos estão em apenas 13 dos 139 municípios, ou em 9,4% deles, que respondem por 526.777 dos 995.097 eleitores inscritos até outubro de 2019.
Os demais 468.320 eleitores estão distribuídos por 126 cidades com menos de 10 mil votantes, de economia essencialmente agrária, pouquíssimas empresas privadas e que dependem até a medula do Poder Público (federal, estadual e municipal). Lembro que nas eleições de 2010, a partir de um excelente levantamento do jornal O Estado de S.Paulo, fiz um apanhado do Bolsa Família em todo o Tocantins. No Bico do Papagaio, havia cidade em que 68% de seus moradores eram beneficiados pelo programa. Nos demais pequenos municípios, em quase todos, essa assistência superava, em muito, os 50%. Como falar em voto livre e autonomia do eleitor numa situação dessas?
A partir disso fica claro que não é só do Bolsa Família que dependem essas pessoas, mas do mais amplo assistencialismo da prefeitura e do Estado. O drama aqui é que essas “bondades públicas” chegam até quem precisa pelas mãos “benévolas” dos coronéis locais.
Os empregos, necessariamente públicos, da mesma forma. Recebe salário mensal e direitos trabalhistas só quem se submete ao jugo dos líderes políticos da cidade. Seja o prefeito, o vereador ou o deputado estadual.
Como esse eleitor terá autonomia para dizer não àquele que lhe garante emprego e assistência social? É uma anomalia gerada pela falta das condições de vida dignas. A verdadeira liberdade do voto só vem onde há desenvolvimento econômico e social.
No caso do Tocantins, essa liberdade é maior nos 13 maiores colégios eleitorais, onde há um sistema educacional mais robusto e um comércio mais vigoroso, uma economia mais pujante, em que o critério para ter o emprego não é ser cabo eleitoral, mas competência.
Por isso, sustento, e manifesto isso há alguns anos, que no Tocantins, ainda, não há espaço para uma terceira via competitiva. Para se constatar isso empiricamente basta uma mera passada de olhos pelos resultados das eleições desde 1990. Como segue:
Observe que há uma só eleição ordinária em que se conseguiu um segundo turno, quando as principais forças políticas se dividiram e tivemos três candidatura de muita musculatura: Moisés Avelino, Moisés Abrão e Ary Valadão.
Depois disso, o fenômeno se repetiu apenas na eleição suplementar de 2018, para substituir Marcelo Miranda, quando, novamente, as principais forças políticas se fragmentaram. Tivemos naquela disputa Mauro Carlesse, Vicentinho Alves, Carlos Amastha, Kátia Abreu e a surpresa que foi Márlon Reis. Não tinham muito a perder e, por isso, todos se arriscaram no processo eleitoral, uma vez que mandato era tempão. De quebra, ainda se apresentavam à população para a disputa de outubro daquele ano.
Nas demais eleições, as principais forças se uniram em duas candidaturas, uma do Palácio e outra da oposição, porque o que se disputava eram quatro anos de mandato. O risco era maior, assim exigia mais cálculo, que os levaram a compor com grupos mais estruturados e discutir excelentes estruturas de campanha, e não se aventurar como adolescentes afeitos à ideologia. Então, na mesa de negociação estavam vagas nos Parlamentos, espaço no governo e até possível apoio em outros projetos, como as prefeituras das maiores cidades nas eleições seguintes.
Os que se apresentaram como opção de terceira via sempre foram candidatos sem expressão eleitoral e sem estrutura, consequentemente, sem a mínima chance de despertar o interesse dos coronéis locais, aqueles que efetivamente detêm os votos.
Tem dúvida sobre isso? Vou trazer rapidamente um levantamento que fiz após a eleição suplementar de quase quatro anos atrás e que está numa das análises do meu livro 2018 – crise fiscal, política e 3 eleições (Ed. Veloso). Pelo desconhecimento sobre Carlesse, os prefeitos apoiaram no primeiro turno o então senador Vicentinho Alves, que contava com a importante aliança com o hoje senador Eduardo Gomes. Como o atual governador afastado arrebentou a banca no primeiro turno (ele ficou com 30,31% contra 22,22% para o ex-senador), os gestores rapidamente abandonaram Vicentinho para subir no palanque daquele que acabaria sendo o vencedor da eleição.
O prefeito de Darcinópolis (PTB), Jackson Soares, deu no primeiro turno 39,19% dos votos válidos para Vicentinho e Carlesse teve na cidade 20,13%. Então, Soares foi sincero num vídeo e receitou que “prefeito não pode ir para o lugar que perde”. Assim, no segundo turno, já com o apoio do gestor, Carlesse obteve 88,9% dos votos e Vicentinho viu sua votação cair de quase 40% para 11,06%.
Em Araguacema, a então prefeita Isabela Simas garantiu a Vicentinho 1.109 votos no primeiro turno e Carlesse ficou com 914 na cidade. No segundo turno, com a gestora já em seu palanque, o hoje governador afastado foi a 2.264 votos e o senador despencou para míseros 179.
E são descritos no livro vários outros casos que só confirmam a força dos líderes nessas pequenas cidades, decisivas para qualquer eleição no Tocantins.
Pelos contornos que esta pré-campanha vai ganhando, com dois fortes grupos naturalmente se formando — de um lado, o governador interino Wanderlei Barbosa e, de outro, o trio formado pelo senador Eduardo Gomes e pelos ex-prefeitos Ronaldo Dimas (Araguaína) e Laurez Moreira (Gurupi) —, tudo indica que a história vai se repetir e haverá nova polarização, pela qual as propostas de terceira via vão passar despercebidas aos olhos do eleitor.
A aposta dos pré-candidatos alternativos é numa mudança do eleitorado, que vai votar “com a consciência”. No entanto, diante da estruturação que expus do sistema político do Tocantins, prefiro ficar com a sabedoria do jornalista e humorista Aparício Torelly, o nosso Barão de Itararé: “De onde menos se espera, daí é que não sai nada”.
Feliz 2022 a todos os tocantinenses!
CT, Palmas, 30 de dezembro de 2021.