Sempre me recomendam deixar pra lá e tocar minha vida, à despeito desta marcha da insanidade que assisto no Brasil e também no Tocantins. Mas não dou conta por dois motivos: o primeiro é que não é possível calar quando vemos a democracia se esfarelando e, segundo, ela — a democracia — é meu ambiente de atividade profissional. Sem democracia não há jornalismo. Portanto, calar-me não é uma opção, mesmo diante das consequências até comerciais de sair em defesa do Estado Democrático de Direito. Repito o que já afirmei algumas vezes, parafraseando Bertolt Brecht: não lavarei minhas mãos nesta bacia de sangue. E a história vai julgar quem der respaldo aos nazifascistas que hoje agem para destruir nossa Constituição Cidadã.
O Brasil passa pelo momento mais baixo de toda a história da República. Consequência direta dessa gente desqualificada, inculta, que vê a ciência e a cultura como inimigas, que chegou ao Poder em 2018, nas eleições mais atípicas que vivenciamos, resultado da era petista de corrupção sem limites, de deterioração generalizada da política, dos políticos e das instituições democráticas. Quando o sistema todo se corrói, abre-se brechas para que as piores criaturas, as mais nojentas e imundas, deixem o esgoto e implantem seu domínio. Aconteceu isso no mundo nos anos 1930 de Hitlter, Mussolini, Salazar e do general Francisco Franco; e no Brasil há três anos.
O que assistimos hoje são ataques às bases da democracia — imprensa, Congresso, STF —, usando como argumento mais raso “a defesa” da autonomia dos Poderes, das liberdades individuais e da liberdade de expressão. Ora, que autonomia dos Poderes é esta em que o presidente da República não quer aceitar decisões do STF, com todas as críticas que a Suprema Corte possa merecer, e merece? Se os ministros sentenciarem favoráveis ao Planalto, respeitam a autonomia; se forem contrários, extrapolam suas prerrogativas. Onde fica a história dos freios e contrapesos da democracia? O que Jair Bolsonaro quer não é autonomia de Poderes, mas a autocracia, ou seja, poder ilimitado e absoluto para ele.
De que liberdade individuais falam? Para invadir o Congresso e o STF e “tirar todo mundo no tapa”, como chegou a pregar o apóstolo da Idiocracia, o cantor Sérgio Reis, que agora quietou o facho depois do devido corretivo? De que liberdade de expressão estão tratando? De ameaçar de morte um ministro de STF e sua família? Para divulgar fake news que hoje impede o avanço da vacina e para impor remédio ineficaz contra a Covid-19? Isso não é liberdade, é crime, e como tal precisa ser tratado.
O que estamos vendo neste “tempos áureos” da Idiocracia, o poder exercido pelos idiotas, iletrados e incultos, é, na verdade, a novilíngua do genial George Orwell, no clássico “1984”. Ressignificando a linguagem, o Grande Irmão passa a controlar ideias, até o pensamento e, consequentemente, as ações dos comandados.
Aplicando nestes tempos idiocratas, autonomia de Executivo, Legislativo e Judiciário não é a distribuição constitucional das atribuições, mas poder absoluto a um deles, que quer os demais como subalternos seus. O conceito de liberdade se amplia, ultrapassa o limite do direito dos outros e entra o pântano do vale-tudo – claro que único território a ser respeitado é o circunscrito ao Grande Irmão que está no Palácio do Planalto.
Comunista passa a ser todo aquele que discorda das ações irresponsáveis e inconsequentes do Grande Irmão. Não é possível se contrapor a alguém tão sublime, tão cheio vontade de transformar o País num líder mundial, enfim, “o mito”.
Aí entra de novo a novilíngua: a política externa brasileira é vista como tragédia diante do planeta. O Brasil é pária pelo desastre que provocou no meio ambiente, pela condução desastrosa da crise da Covid-19 e por macular as relações com seus parceiros comerciais – Mercosul, Estados Unidos, Europa e China. Mas o Grande Irmão sentenciou que tudo isso é, na verdade, prova da imponência de seu governo. Então, os idiocratas, seguidores cegos, como personagens de “Ensaio sobre a cegueira”, do saudoso José Saramago, saem aos trambolhões repetindo o que ouviram das mídias “independentes”, propagadoras de fake news, mantidas com muito dinheiro público, mas vista, nesta novilíngua, como exemplo de “bom jornalismo”.
Por tudo isso, digo que Jair Bolsonaro é um homem indigno de qualquer homenagem e apoio público. É responsável direto pelo maior genocídio da história do povo brasileiro, que já ceifou quase 600 mil vidas, ao negar-lhes vacina, impor remédios ineficazes e estimular aglomerações e o não uso da máscara; pela corrupção claramente comprovada no Ministério da Saúde, pelo descontrole da inflação que assistimos assustados, pelos mais de 15 milhões de desempregados, pelo desmatamento da Amazônia, ao desmantelar legislação e fiscalização; pelas pessoas que estão na fila do osso para não morrer de fome, pela destruição da imagem do Brasil perante a comunidade internacional, entre tantas outras ações nocivas que levarão décadas para serem corrigidas. Isso para não falar das inexplicáveis mansões de R$ 6 milhões de um filho e de R$ 3 milhões de uma de suas ex-mulheres, cujo ex-funcionário disse que está em nome de laranjas; rachadinhas, milícia e tantas coisas baixas que estão vindo à tona.
Neste dia 7 de setembro, quando comemoramos os 199 de nossa independência, os brasileiros precisam mesmo ir às ruas, mas é para protestar contra esse ser indigno de honra e respeito que ocupa (por pouco tempo) a Presidência da República.
Sobretudo porque no Dia da Pátria constatamos ter à frente da nossa Nação um impatriótico.
CT, Palmas, 6 de setembro de 2021.