É bem provável que o presidente Jair Bolsonaro tenha tido nessa segunda-feira, 1º, a chamada vitória de Pirro, o rei do Epiro que venceu uma batalha contra os romanos em 280 a.C., mas a um custo absurdo, com a dizimação de quase todo o seu exército. A vitória no Congresso pode não custar vidas a Bolsonaro, porém, o pouco do que restou de seu discurso moralista de 2018. Essa gente do Centrão é do tipo “dinheiro/cargo na mão, calcinha no chão; dinheiro/cargo sumiu, calcinha subiu”. Não tem amor nem beijo na boca.
Sob a cabeça de Bolsonaro pesará uma espada de Dâmocles: 60 pedidos de impeachment e a delicada situação de seu 01, o senador Flávio “Rachadinha” Bolsonaro. O presidente da República não tem o controle do Congresso, é o Congresso que passou a ter o controle do presidente do Brasil. Dilma Rousseff ficou nas mãos do Centrão. No dia que resolveu peitar o então presidente da Câmara, Eduardo Cunha, o chefão do grupo na época, o processo de impeachment foi aceito, andou e o resto é história.
O futuro do governo Bolsonaro, a partir de agora, depende de ele atender os caprichos do Centrão e da evolução da crise sanitária e econômica. Como desdenhou das vacinas, o custo poderá ser absurdo. A expectativa de grandes cientistas que já se pronunciaram sobre a disseminação das variantes da Covid-19 é a pior possível. “A equação brasileira é a seguinte: ou o país entra num lockdown nacional imediatamente, ou não daremos conta de enterrar os nossos mortos em 2021”, postou em seu Twitter o neurocientista Miguel Nicolelis, mundialmente famoso por suas pesquisas sobre a interface entre cérebros e máquinas e professor da Universidade Duke, nos Estados Unidos.
Como ouvi um analista dizer nessa segunda-feira, quem pauta o impeachment não é o presidente da Câmara, mas as ruas. Se a crise sanitária fugir do controle e Bolsonaro perder o apoio das ruas, o Centrão vai entregar sua cabeça numa bandeja de prata sem sequer pensar em alguma possibilidade de ter crise de consciência. Diga-se: consciência é algo que essa gente desconhece. Vive de pragmatismo puro.
Sobre os novos presidentes da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), e do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), os discursos dos dois mostraram uma diferença abissal. Enquanto o senador — ainda que possa ter chegado ao comando com o mesmo objetivo, defender interesses menores do presidente da República e sua família —, pelo menos fez um discurso que nos engana com uma retórica que camufla as intenções, republicano, altivo, chamando a Casa que passou a presidir para as pautas maiores da sociedade — crise sanitária, salvamento de vidas e recuperação econômica.
Seu vizinho de Parlamento, Arthur Lira, fez uma fala meramente e exclusivamente corporativa, aviltante, no qual nas entrelinhas estavam as duas desgraças do Legislativo brasileiro, as picaretagens das emendas parlamentares e da distribuição de cargos, temas que os deputados adoram, mas que depõem contra a Casa e afrontam a Nação. Lira não se deu ao trabalho de, em nenhum segundo, tratar de pandemia, auxílio emergencial, crise econômica, absolutamente nada de republicano esteve em suas palavras.
É a típica mentalidade do Centrão: “Vamos pensar no que nos interessa, faturar com o mandato que recebemos”. No momento em que falava, Arthur Lira me lembrou Severino Cavalcante, um sujeito patético, despreparado, que o oportunismo parlamentar elevou à condição de presidente da Câmara, justamente porque se apegava às duas picaretagens que atraem seus colegas: emendas parlamentares e cargos. Tive o desprazer de desconhecer essa figura esdrúxula e horrorosa.
A volta do Centrão ao poder é o que faltava para a tragédia nacional que vivemos, com um presidente inepto, negacionista, ignorante, que não se comove com um genocídio que seu governo promove e que já vitimou mais de 225 mil brasileiros.
Da minha parte, não votaria em Arthur Lira nem para síndico de prédio. Um sujeito que já no discurso da vitória se mostrou sem a estatura moral e republicana que a crise exige e que a sociedade clama.
CT, Palmas, 2 de fevereiro de 2021.