O Estado brasileiro em todas as suas instâncias — municipal, estadual e federal — é um mastodonte ineficiente e caro. Quando se fala em reduzir a carga tributária do País, a questão que surge é óbvia: como? Se existe um ser pesado, desajeitado e que sustenta essa condição sob o manto de uma legislação absurdamente corporativa, de que forma poderíamos cobrar menos dos contribuintes? Salários fora da realidade, penduricalhos dos mais insensatos e imorais, mas, claro, legais, garantidos por essa legislação que privilegia um grupo em detrimento dos interesses coletivos e da necessidade do Brasil de se tornar competitivo.
Esse é um discurso que faço neste espaço há muitos anos e que sei que os internautas estão até cansados de lê-lo. Por isso, as três Propostas de Emenda à Constituição (PECs) apresentadas pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, ao Senado nessa terça-feira, 5, fizeram meus olhos brilharem e uma esperança de ver um país moderno acender no coração.
[bs-quote quote=”Sobre a proposta de extinguir os municípios com menos de 5 mil habitantes sem condições mínimas de se sustentarem, ela é tão boa quanto impraticável. Por isso, tudo leva a crer que seja um ‘boi de piranha’ colocado por Guedes” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/CT-trabalhado-180.jpeg”][/bs-quote]
Primeiro pelo que o ministro Paulo Guedes chamou a atenção e que tem sido o mantra desta coluna: a necessidade de se criar uma cultura de responsabilidade fiscal. Temos uma excelente Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) há muitos anos, mas nossa tendência ao “jeitinho” tem postergado a cobrança de sua aplicação plena. Agora, com os entes federativos todos mergulhados numa profunda crise fiscal, não houve outro caminho senão passar a exigir que a LRF de fato faça parte do dia-a-dia das gestões.
Essa cultura de responsabilidade fiscal, contudo, não deve se instalar apenas sobre os gestores, mas também sobre o eleitor. Da mesma forma que cobra honestidade de seu candidato, o cidadão tem que começar a exigir responsabilidade fiscal dele, rejeitar o populismo, soluções fáceis e malabarismos absurdos com recurso do contribuinte. Sei que é pedir demais, mas não custa insistir.
Um ponto fundamental é o que dá mais autonomia a Estados e municípios, que podem receber uma transferência de até R$ 500 bilhões. Como a coluna insiste, a União, ao longo dos últimos 20 anos, empurrou responsabilidades, sobretudo, às prefeituras sem a devida compensação financeira. Além disso, é sempre bom reforçar que o cidadão não vive na União ou no Estado, que são abstrações, mas nos municípios.
De outro lado, vai exigir mais responsabilidade fiscal. Excelente. Outra defesa que esta coluna sempre fez. Se o Estado quer ajuda da União, a contrapartida precisa ser, no mínimo, que o ente faça a lição de casa.
Sobre a proposta de extinguir os municípios com menos de 5 mil habitantes sem condições mínimas de se sustentarem, ela é tão boa quanto impraticável, uma vez que mexe com os interesses dos currais eleitorais mais garantidos dos congressistas. Por isso, tudo leva a crer que seja um “boi de piranha” colocado por Guedes, como foi a redução para R$ 400 do Benefício de Prestação Continuada (BPC) na reforma da Previdência. É tão exdrúxula que será rejeitada, mas vai servir para negociar outros pontos substanciais das propostas de reforma do Estado.
Porém, significaria um enxugamento enorme para o País. No caso do Tocantins, o único critério que norteou a criação desses municípios foi o geopolítico. Não houve a mínima preocupação do ponto de vista financeiro e administrativo. Era preciso dividir o poder concentrado nos centros maiores e a solução para isso foi transformar vilarejos em cidades. Cada uma delas tem um prefeito, um vice, pelo menos cinco secretarias ou diretorias e nove vereadores. Quanto custa isso ao contribuinte brasileiro? Um absurdo. E ainda tem quem defenda que a Assembleia volte a ter autonomia para criar municípios. Seria uma terrível irresponsabilidade do Congresso se permitisse um retrocesso desse.
Outro avanço é no que diz respeito ao servidor público. Estado em emergência fiscal poderá reduzir até 25% da jornada de trabalho e também salário. Ainda: não poderá promover funcionário (com exceções), dar reajuste, criar cargo, reestruturar carreira, fazer concurso e criar verbas indenizatórias.
Além disso, o ministro prepara a reforma administrativa e vai colocar critérios para a estabilidade do novo servidor, que só será alcançada em dez anos, mas não para todas as carreiras. O objetivo também será aproximar os nórdicos salários do setor público com os do privado, e manter no funcionalismo os mais preparados e produtivos, regras básicas das empresas solenemente ignoradas na área pública.
Com critérios mais rígidos para a estabilidade, além de melhorar a qualidade do serviço público, o contribuinte deixará de ser refém, uma vez que o interesse coletivo vai se sobrepor ao corporativo. Claro que é preciso uma rede de proteção ao servidor contra as intervenções políticas. No entanto, o que não pode é que a estabilidade continue engessando a máquina pública.
As propostas de Paulo Guedes, que ainda serão amplamente discutidas pelo Congresso, sob o risco de serem bastante desidratadas, tem a capacidade de tirar o Estado brasileiro do atual modelo de inspiração monárquica para colocá-lo no século 21.
O problema é a oposição ao governo, que pode atrapalhar bastante, e que tem como principais representantes o presidente Jair Bolsonaro e seus filhos. Os outros opositores são mais fáceis de serem trabalhados.
CT, Palmas, 6 de novembro de 2019.