O ano era 2005 quando entrei na sala de um secretário de Estado para entrevistá-lo. Ele estava agoniado porque os sindicalistas da categoria de sua pasta haviam acabado de sair e meteram o pé na parede: ou o governo dava as progressões como queriam, ou iriam cruzar os braços e deixar o então temido Siqueira Campos vencer as eleições de 2006. Pediu pressa na nossa conversa porque o governador Marcelo Miranda já o aguardava para discutir a terrível pauta.
Conversamos rapidamente com ele visivelmente de olho no relógio. No fim do dia recebo release e foto do secretário e Marcelo cercados de servidores anunciando que o governo “democrático, humano e moderno”, como seria o slogan daquela campanha, concedeu os benefícios que a categoria exigia.
[bs-quote quote=”Ninguém defende que servidor deve ganhar uma miséria, no entanto, ou o Estado adequa o gasto com pessoal à realidade arrecadatória, ou essas medidas do governo Carlesse consideradas duras serão meros paliativos” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/180-ct-oficial-180.jpg”][/bs-quote]
Mais cedo, na minha apressada conversa com o secretário, questionei sobre os estudo de impactos disso nas contas. Além de que a crescente demanda por serviços públicos, por conta do crescimento populacional, exigiria mais servidores, e eles não ficariam muito caros para o Estado, dificultando novos concursos. Resposta: “O imperativo hoje é vencer o Siqueira. Depois a gente resolve isso”.
Foi esse o espírito que animou aqueles dois anos —2005 e 2006 — e que levou à implantação de todos os Planos de Cargos, Carreira e Subsídios (PCCSs) do funcionalismo estadual no período. Fora esses planos sem qualquer lastro com o futuro do Tocantins e com sua capacidade de arrecadação, ainda teve categoria inteira que dormiu com um salário e acordou com o contracheque dobrado, porque, concursada para cargo de ensino fundamental e médio, num passe de mágica, foi elevada ao patamar de ensino superior sem tê-lo. Uma festa geral, verdadeiro samba do crioulo doido.
Do ponto de vista fiscal, a curva do comprometimento da Receita Corrente Líquida com folha deu um “boom” de 35,7% em 2003 para incríveis 44,7% em 2006. Assim, nesse período estouramos o limite de alerta da Lei de Responsabilidade Fiscal (de até 44,1%) e nunca mais conseguimos voltar a patamares inferiores.
Só avançamos o sinal rumo ao abismo, como locomotiva desgovernada: em 2010 ultrapassamos o limite prudencial (de até 46,55%) ao fecharmos o governo Carlos Gaguim em 47,7% e depois, no final do governo Sandoval Cardoso, em 2014, atropelamos o limite legal (de até 49%), com 50,9%. Continuamos a extrapolar toda a racionalidade possível e encerramos o terceiro governo Marcelo Miranda, em março de 2018, com 58% de comprometimento da Receita Corrente Líquida com folha.
O governador Mauro Carlesse (DEM) assumiu em meio à maior crise fiscal da história do jovem Tocantins e não houve outra saída que não puxar o freio da gastança. No início desta semana, enfim, veio a alentadora informação de que, pelo menos, voltamos à legalidade com o comprometimento de 47,67% no segundo quadrimestre do ano.
No entanto, é um respiro sem muito futuro se o Estado continuar procrastinando um compromisso inadiável: a revisão desses PCCSs feitos ao sabor dos processos eleitorais, sem qualquer lastro com a realidade. Confira se este dado deixa alguma dúvida: a despesa bruta com pessoal cresceu 474,4% entre 2006 e 2016, enquanto a receita própria do Estado apenas 181%.
Ninguém defende que servidor deve ganhar uma miséria, no entanto, ou o Estado adequa o gasto com pessoal à realidade arrecadatória, ou essas medidas do governo Carlesse consideradas duras serão meros paliativos.
Não existe prova maior de que a política salarial do Estado está completamente errada do que constatar que existem várias data-base não pagas ou pagas parcialmente. Não porque o governante não quer — qual político quer ser massacrado pelo seu servidor? —, mas simplesmente porque não existem recursos para isso.
Se está na lei, então, é direito, dizem sobre a legislação feita a toque de caixa, sem estudos sérios e sob até coação eleitoral. No entanto, lei não produz dinheiro. E se o Estado não está dando conta de pagar é porque a lei está errada, não o Estado. Aqui deveria prevalecer o interesse coletivo, isto é de toda a sociedade, não o corporativo. Afinal, o cidadão não paga impostos para serem canalizados para salários, mas para ter bons serviços públicos. Porém, o quadro que vemos hoje é que o meio — os salários do funcionalismo — virou um fim em si mesmo.
A população que clama por melhor saúde, educação, segurança e infraestrutura é a maior prejudicada por essas políticas equivocadas e eleitoreiras, já que não sobram recursos para investimentos, porque grande parte da receita fica com a folha do Executivo e dos Poderes, cujo formato dos repasses precisa também ser revisto porque são altamente e absurdamente perdulários, com privilégios sem fim.
Essa revisão visa dar condições ao Estado de voltar a investir e promover o seu desenvolvimento, mas também garantir que o servidor possa receber em dia direitos que estão dentro da capacidade de pagamento do erário. O funcionalismo não pode deixar para entender isso apenas quando o Tocantins chegar à situação de Rio de Janeiro e outros Estados. Aí só haverá desespero, e chorar e espernear não vão resolver.
As diversas categorias do serviço público precisam entender que o maior defensor da austeridade devem ser elas mesmas, porque governador passa e suas vidas continuam fora do Estado. O servidor permanece e sofre as consequências da má gestão.
Esta aí a história de um passado recente cujos efeitos deletérios reverberam no presente para confirmar o que aqui está escrito.
CT, Palmas, 20 de setembro de 2019.