A roda agora fechou. Comércio e igreja abertos — claro, “com restrições” — e passamos a testar só quem morreu ou está a caminho. É improvável que o número de casos da Covid-19 aumente no Tocantins. Nem em Araguaína, onde a doença já dominou a cidade, haverá explosão do novo coronavírus. Mesmo com o prefeito Ronaldo Dimas (Podemos) tocando fogo no parquinho, abrindo restaurantes, pizzarias, conveniências e tudo quanto é porta pela qual passe — sempre “com restrições”. Sem teste, não há “coronga” que consiga aparecer.
O Tocantins está igual a Nova Zelândia, da invejável primeira-ministra Jacinda Ardern. Ou quase. Não vamos nos dar por vencidos só porque a Covid-19 insiste em ficar, os prefeitos em manter tudo aberto e os tocantinenses em não querer se isolar em casa como os neozelandeses. Se o novo coronavírus resiste a ir embora, damos a ele o mesmo tratamento para aqueles chatos de festa: o ignoramos. Fingimos que não existe. E a vida segue.
Para isso, a crise nacional de insumos de testes veio a calhar. Quero ver o “coronga” dar as caras se não o “fotografarmos”. Sem testes, sem Covid-19. É o nosso lema na esteira da onda de protestos do mundo nos últimos dias. As cidades liberam todo mundo para trabalhar normalmente — ah, sim, de novo: “com restrições” — e igrejas voltam a receber os fieis para juntos rogarem ao Deus Todo-Poderoso que convença o vírus a voltar para a Ásia.
Talvez, em coro, a oração ganhe mais eco para chegar ao alto e sublime trono do que a tentativa solo, trancado, com a porta fechada, só com Pai, que está em secreto; que vê em secreto, e que, dessa forma, deveria nos recompensar plenamente, como alguém muito importante sugeriu há pouco mais de 2 mil anos.
Sem testes, é como andar pelado dentro de casa. Podemos ficar à vontade, de pernas abertas ou cruzadas, deitados ou em pé. Não há testemunhas, então, não temos do que temer, ainda que de uma verdade não possamos fugir: estamos nus. Lógico que há diferenças. Curtir o sofá em pelos não coloca em risco nossas vidas porque estar pelado, por óbvio, não é estar doente. No máximo corremos o risco de um resfriado, caso o ar-condicionado esteja muito gelado ou a porta da varanda se encontre aberta com um vento da noite palmense que tenta ser frio correndo pela sala.
Além disso, sozinho no apartamento não representamos risco à sociedade, com ou sem roupas, com ou sem testemunhas. No máximo deixaremos os falsos moralistas indignados em sua pose cristã, hétero, de família tradicional e de gente de bem. Mas desconhecendo que carregamos um vírus altamente transmissível, somos um barril de pólvora com vazamento rodando pela cidade. Alguém o acenderá uma hora e tudo irá pelos ares.
Invisível, é bom que se diga, o novo coronavírus será a mais forte eminência parda da sociedade. Mesmo sem formalmente dar o ar da graça, sem que o reconheçamos, por mais que, solenemente, o ignoremos, continuará influenciando nossas vidas, enchendo hospitais, fechando empresas, prejudicando a economia, e, sobretudo, tirando vidas.
Pensa um sujeito mal intencionado.
CT, Palmas, 13 de junho de 2020.