Sexta-feira é o dia mais esperado, quando, há décadas, gosto de me reunir com o amigos para discutir a pauta semanal e obrigatória. Claro, regado a muitas geladas canela de pedreiro. Na roda, óbvio, política nacional, estadual e local, dependendo das notícias que animaram os dias anteriores.
São dois clubes: o do Bolinha, com os rapazes (desculpe o exagero do rejuvenescimento) ocupando uma metade das mesas; e o da Luluzinha, campo dominante das garotas (elas, sim, sempre belas e joviais) nos outros 50%. Assim, acaba, na verdade, sendo duas reuniões de pauta, a nossa e a delas. A despeito do tema, o que marca a prosa é a animação dos Bolinhas (título literal, porque os anos de geladas canela de pedreiro e de comilança nos arredondaram) e das Luluzinhas, mais zelosas com a estética que nosotros.
As reuniões foram suspensas por determinação do seu Covid-19 no início de março e o máximo que fizemos foram uma ou duas tentativas online. Mas desistimos. Não é a mesma coisa de estar ao ar livre no Chopão, na 104 Norte; no antigo Pôr-do-Sol, aquele em frente à Praça dos Girassóis (acho que agora se chama Toro Grill); no Escritório (nome apropriado para quando a esposa ligar e você dizer onde está sem necessariamente mentir), no Império do Camarão, na JK (um cardápio precioso!); saboreando o arrebatador bobó de camarão do Wilson, em plena calçada da Palmas-Brasil; ou ainda pertinho de casa, ali no Pédicaju, no meio da 308 Sul. Saudades do melhor tucunaré do Tocantins, do Pneus Bar, que há alguns anos ficava também aqui na quadra, depois se mudou para a 103 Sul, mas fechou recentemente para o desespero de todos nós os apaixonados por aquela iguaria que só o Pneu sabe fazer.
As lembranças dessas noitadas inesquecíveis se tornam mais vivas nesta que é a primeira sexta-feira depois do liberou geral para bares — “com restrições” — da prefeita Cinthia Ribeiro (PSDB), que garante que podemos ficar segurões porque a Covid-19, pela fé, já está vencida. Não que tenha pouca fé, mas lembro sempre que o “vigiai” completa o “orai”. Tudo bem, talvez eu seja melhor vigilante que rezador.
Os amigos já danaram a me tentar para voltarmos à esbórnia, uma vez que é a alcaide quem dá o atestado “que mané coronavírus, o quê”. Diante da minha teimosa resistência, covardemente, apelaram para a lembrança quase irresistível da canela de pedreiro. A boca saliva e a garganta resseca, sem falar que a pauta acumulada ganhou mais cores com a prisão do Queiroz, o alegre fim do Abraham Weintraub e o bate-boca do Ronaldo Dimas com o Edgar Tolini. Tudo isso aguardando a análise etílica altamente construtiva de uma noitada que tende a ser uma sextada histórica.
Mas Dona Sandra tem uma probleminha autoimune, não sou mais um garotinho — me dou conta de que, das pessoas que o novo coronavírus já levou desta para melhor no Tocantins, 12,5% eram da minha faixa etária — e o dia inteiro me informo sobre os males da Covid-19. Portanto, sei bem do que se trata.
Assim, galera, me perdoe, continuarei encolhidinho aqui no cafofo, tentando nem sequer ser lembrado pelo coronga. Quando o bicho nos deixar em paz, faremos várias sessões extraordinárias e limparemos toda a pauta, ainda que precisemos varar uma, duas ou três noites seguidas, movidos por muita canela de pedreiro, espetinhos e tucunarés para o desespero das Luluzinhas, que terão que exercitar toda a paciência — e levantar muitos assuntos — se quiserem nos acompanhar.
Chato por natureza, reconheço, ao contrário da prefeitura, resisto firme à pressão porque sei que o coronga nos espreita, pronto para levar os incautos. Por isso, não flexibilizei.
CT, Palmas, 19 de junho de 2020.