A tipografia é a arte e a técnica de organizar a comunicação escrita, com o principal objetivo de dar-lhe ordem, forma e personalidade, e, com isso, otimizar a transmissão da mensagem. Segundo nome de relevo em seu estudo, “a tipografia é a aparência da linguagem” (Ellen Lupton).
Dentre os elementos com os quais trabalha, citam-se as fontes, espaçamentos, entrelinhas, margens, destaques, recuos, cores, citações etc. Porém, não o faz de forma desagregada, pois preza pela consideração de cada um desses fatores de forma interrelacional e interdependente. Ou seja, o “conjunto da obra”.
Por ser essencialmente visual, atrai interseccionalidade com princípios importantes do design (alinhamento, equilíbrio, proximidade, contraste, respiro).
Ilustrando: este texto obedece a um determinado alinhamento, pois respeita linhas invisíveis que unem os elementos de seu layout de forma harmônica, a fim de orientar o olhar do leitor a um padrão claro, não aleatório; possui respiro, pois as suas margens e espaçamento entre linhas e parágrafos são intencionalmente padronizadas, de modo a garantir o mínimo de conforto visual; e tem contraste, já que, para hierarquizar e dinamizar a leitura, emprega recursos de destaque específicos (negrito, tamanho da fonte, cor diferente) para segmentos textuais com propósitos distintos (título, corpo do texto, rodapé).
São princípios da boa tipografia: a) que seja em benefício do leitor; b) que esteja alinhada com o objetivo do texto e sirva para reforça-lo; c) que seja invisível. Este último ponto é fundamental. A tipografia deve ser discreta o suficiente para não atrair a atenção apenas para si, ofuscando o conteúdo e objetivo do texto. Ela não é um fim, e sim um meio.
Até aqui, o leitor já deve ter captado que as boas práticas tipográficas são capazes de impactar positivamente o propósito eminentemente persuasivo das manifestações escritas da advocacia. E aqui não se vê nenhum motivo para não estar se falando também da advocacia pública, como é o caso da Procuradoria do Estado do Tocantins (PGE-TO).
Não é desconhecida a qualquer advogado atuante a frustração gerada pela impressão de que o juiz ou gestor, ao decidir, sequer leu o que foi escrito por ele.
Nisso pode haver forte influência do volume massivo de demandas repetitivas (sobremaneira no âmbito da advocacia pública). Todavia, esse deve ser um fator não de desestímulo ao empenho em elaborar peças diferenciadas, mas exatamente o oposto: cresce a necessidade de destacar-se no oceano, ainda que seja pela simplicidade e objetividade, cuidadosamente trabalhadas para facilitar o trabalho do decisor.
Mais do que algo estilístico ou mero refinamento, as boas práticas tipográficas sinalizam empatia àquele cujo trabalho é o de apreciar dezenas, centenas ou, mesmo, milhares de requerimentos similares a diário.
Elas propiciam o conforto cognitivo do interlocutor através de seu enfoque na ergonomia visual e experiência do usuário, através do adequado uso de elementos de navegabilidade, auxílios visuais, resumos, organização e clareza. E, quanto mais fácil o trabalho do decisor, maior chance de uma decisão rápida e favorável.
De fato, quando cuida-se de facilitar o trabalho alheio, entra em cena o que a psicologia denomina de “gatilho da reciprocidade”. Trata-se da tendência de que o interlocutor queira, de alguma forma, retribuir aquele gesto (nem que isso ocorra, pelo menos, através de uma fundamentação mais clara e precisa).
Nesse contexto, portanto, empatia é, também, estratégia.
“Preciso então ser uma espécie de designer ao confeccionar minhas petições?”, alguns nobres colegas de profissão poderão indagar. Obviamente, não. Contudo, sempre haverá um ônus implícito em ignorar ou subestimar os impactos que uma tipografia jurídica bem trabalhada tem, seja no âmbito da atividade judicial ou extrajudicial. A uma escrita mais descuidada e desorganizada, inversamente proporcional será a atenção e generosidade por parte daqueles a quem se precisa através dela persuadir para obter-se o resultado pretendido
Há limitações, claro. Especialmente no âmbito público, não é incomum a adoção de formas e modelos padronizados para as manifestações escritas.
Não obstante, sempre é possível a otimização através do máximo aproveitamento dos recursos tipográficos permitidos e uma linguagem mais clara, concisa e objetiva. Nesse sentido, citamos o uso de destaques técnicos (realce, de forma sóbria, apenas do que efetivamente precisa ser realçado) e a exploração das ferramentas de resumo e citação (ementas, listagens, sumários).
Indo além, temos que um ideal a ser alcançado a médio/longo prazo diz respeito à promoção das boas práticas tipográficas por parte da própria instituição. Não é esse, em essência, o escopo de medidas como a adoção do “padrão ABNT” para ser o oficial em determinadas repartições? (Que, há de convirmos, nem sempre ressoa com o melhor conforto cognitivo.)
Logo, mesmo no setor público, um pouco de flexibilidade nos quesitos tipográficos é recomendado. O exagerado engessamento do profissional a certos padrões poderá prejudicar a margem mínima de criatividade que é necessária para cunhar uma petição verdadeiramente eficiente para cada caso.
Em conclusão, que este breve texto inspire aos nobres colegas da advocacia à experimentação e ao aprofundamento da tipografia jurídica. Mais do que juízes e gestores, no fim, são os nossos clientes quem mais se beneficiam dos resultados advindos disso (no caso da PGE-TO, o próprio Estado do Tocantins).
DIEGO ALFONSO MEZA MUJICA
É procurador do Estado do Tocantins associado à Aproeto, atualmente pertencente à Subprocuradoria Judicial, no núcleo de demandas dos servidores públicos. Pós-graduado em “Direito e Advocacia Pública” pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro em parceria com a Escola Superior de Advocacia Pública da Procuradoria-Geral do Estado do Rio de Janeiro.
ESPAÇO APROETO – Associação dos Procuradores do Estado do Tocantins (Aproeto)