Na semana em que a Lei 11.340/06 (Lei Maria da Penha), completa seus 13 anos de existência, o Estado do Tocantins também celebrará, no próximo dia 9 de agosto, o Dia Estadual de combate ao Feminicídio, em razão da publicação da Lei nº. 3.522, de 7 de agosto de 2019, que institui, no âmbito do Estado do Tocantins, o dia de combate ao feminicídio e a semana estadual de combate a esse crime. A data 9 de agosto é uma homenagem proposta pela autora do projeto, Deputada Valderez Castelo Branco, à jovem Patrícia Aline, assassinada covardemente a tiros na cidade de Palmas em 08 de agosto de 2018.
O objetivo precípuo da criação deste dia é promover, ao longo da semana que compreende essa data, atividades de mobilização, palestras, eventos e panfletagem, visando conscientizar a sociedade a respeito da violência sofrida pelas mulheres e discutir o feminicídio como a maior violação dos direitos humanos contra a população feminina.
O feminicídio comumente decorre de outras situações pretéritas de violência sofridas por mulheres, no âmbito das relações domésticas ou por questões de gênero, que muitas das vezes não chegam ao conhecimento das Autoridades Públicas. Essa cifra negra (crimes que não chegam ao conhecimento da polícia) decorre da falta de divulgação de mecanismos de recebimento de denúncias anônimas ou mesmo por falta de atendimento especializado que propicie confiabilidade da vítima nos órgãos encarregados pela persecução penal.
[bs-quote quote=”A sociedade civil também é chamada à responsabilidade no texto da Lei Maria da Penha. Famílias, vizinhos, colegas de trabalho, empresas e organizações não-governamentais são considerados parte da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres” style=”default” align=”right” author_name=”JEANNIE DAIER DE ANDRADE” author_job=”É delegada de Polícia Civil do Tocantins” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/08/Jeannie-Daier-de-Andrade-N-60.jpg”][/bs-quote]
O combate à violência contra a mulher, especialmente na prevenção à ocorrência do crime mais grave, que é o feminicídio, exige ações integradas em diversos níveis, áreas e instâncias. Trata-se de um problema complexo, que não se resolverá de forma simplista.
Há necessidade urgente de implementação de atendimento especializado em todas as instituições que atendem mulheres em situação de violência de gênero no âmbito do Estado do Tocantins, tais como hospitais, abrigos, delegacias, etc.
Tal tema se torna bastante relevante no atual contexto econômico, social e político do país, em que assistimos a índices alarmantes de todo tipo de violência contra a mulher e atuação ainda tímida por parte do Estado do Tocantins no sentido de ampliar o atendimento especializado para o combate à violência contra a mulher.
No Estado, números levantados pelo Tribunal de Justiça (TJ-TO), apontam um crescimento de 25,3% nos números de casos de violência contra a mulher no Estado. Conforme o levantamento, a concessão de medidas protetivas pelo Poder Judiciário cresceu 88,7% em casos de violência doméstica, entre 2015 e 2018. As informações são da Coordenadoria de Gestão Estratégica, Estatística e Projetos do órgão, que destacou um salto de 1.323 para 2.496 medidas no período. O levantamento apontou também que 354 medidas foram concedidas entre 1º de janeiro a 28 de fevereiro de 2019, uma média diária de 6,1 medidas no período.
Esse aumento denota a atual incapacidade de atuação efetiva do Estado no combate à violência de gênero contra mulher, com os atuais e comuns sistemas de prevenção e repressão.
No Estado há poucas Delegacias Especializadas em atendimento à Mulher (DEAMs), o que denota a insuficiência de atendimento especializado, sobretudo em cidades pequenas do interior que, embora tenham população reduzida, apresentam índices elevados de crimes contra mulheres. A capital Palmas, por exemplo, conta com apenas duas DEAMs, e em todo o interior só há dez dessas Delegacias Especializadas.
A implementação de um maior número de DEAMs em cidades do interior atende ao comando legal da Lei 11.340/06. Há um equívoco em promover a implementação de DEAMs baseada apenas em número populacional, sem levar em consideração outros fatores tais como locomoção das vítimas em busca de atendimento nas cidades sem acesso por asfalto, distância das residências rurais até locais de registros de ocorrências, índices da cifra negra nessas regiões, questões culturais, etc.
Exemplificando, temos na região da Comarca de Itacajá, uma população de aproximadamente 18.290 habitantes. Só no primeiro quadrimestres de 2019 foram encaminhados ao Poder Judiciário mais de 35 expedientes apartados de medidas protetivas de urgência e instaurados mais de 45 inquéritos policiais sobre violência contra mulher.
As múltiplas dimensões de violência praticadas contra as mulheres, motivadas unicamente pelo fato de serem mulheres, evidenciam a dimensão social do problema e a necessidade do Estado e da sociedade civil de atuarem para mudar essa realidade de forma pontual e especializada.
No âmbito da legislação federal relativa à segurança pública, as recentes alterações na Lei Maria da Penha permitem aprimorar e efetivar os mecanismos de atendimentos especializados já existentes.
Em novembro de 2017 foi publicada a Lei 13.505/17, que acrescentou dispositivos à lei Maria da Penha para estabelecer que mulheres em situação de violência doméstica e familiar devem ser atendidas, preferencialmente, por policiais e peritos do sexo feminino. A lei também define que, entre outros, é direito da mulher em situação de violência a garantia de que, em nenhuma hipótese, ela, seus familiares e testemunhas terão contato direto com investigados ou suspeitos de terem cometido a violência e pessoas a eles relacionadas quando do atendimento em delegacias e demais órgãos de segurança.
Nos últimos meses, duas novas leis sancionadas pelo presidente Jair Bolsonaro estabeleceram mais mudanças na Lei Maria da Penha. A primeira foi a Lei 13.827/19, de maio deste ano, que autoriza, em determinadas hipóteses, a aplicação de medida protetiva de urgência pela autoridade judicial ou policial, em caso de violência doméstica ou familiar, à mulher vítima de violência ou a seus dependentes. A norma também determina que seja feito o registro da medida protetiva de urgência em banco de dados mantido pelo CNJ.
Outra proposta, o PL 2.661/19, visa proibir a nomeação na esfera da Administração Pública Federal, em cargos de livre nomeação e exoneração, de condenados, com trânsito em julgado, por delitos previstos na lei Maria da Penha.
Nesse sentido, o estado do Tocantins também dispões de projeto de lei n. 67/19, de autoria da Deputada Luana Ribeiro, já aprovado na Assembleia Legislativa, que veda a nomeação de condenados por violência contra mulher aos cargos públicos.
No tocante à Segurança Pública do Estado, há inúmeros projetos de lei em andamento visando a implementação de atendimento especializado pelas Polícias Civil e Militar às mulheres em situação de violência de gênero.
Três deles, também propostos pela Deputada Luana Ribeiro, visam implementar o funcionamento das Delegacias Especializadas de Atendimento à Mulher (DEAMs) em regime de plantão ininterrupto (PL 240/2016), que hoje não existe nem mesmo na capital, Palmas, dispor sobre divulgação do disque denúncia nacional, central de atendimento à mulher e do conselho tutelar local nas contas mensais dos serviços públicos de abastecimento de água e distribuição de energia elétrica, no âmbito do estado do Tocantins (PL 30/2019) e dispor sobre o atendimento por policiais do sexo feminino nas Delegacias de Polícia do estado do Tocantins às mulheres vítimas de violência (PL 34/2019).
Há também projetos de leis tramitando a fim de implementar as patrulhas Maria da Penha, já em funcionamento em Palmas, no âmbito da atuação preventiva realizada pela Polícia Militar em todo o Estado, criar a Procuradoria da Mulher, nomear aprovados em concursos na área de segurança pública a fim de compor equipes especializadas em atendimento à mulher em situação de violência e capacitar profissionais dessa área para atendimento nas DEAMs.
Como problema público, o combate ao feminicídio e a toda violência contra mulher que o antecede, exige não só a modernização da legislação como também a imediata implementação de políticas públicas efetivas devidamente apoiadas pela sociedade. Encontrar soluções, representa um enorme desafio para todos os segmentos da sociedade.
A sociedade civil também é chamada à responsabilidade no texto da Lei Maria da Penha. Famílias, vizinhos, colegas de trabalho, empresas e organizações não-governamentais são considerados parte da rede de enfrentamento à violência contra as mulheres.
Os cidadãos precisam compreender a importância do papel de cada um no sentido de denunciar ocorrências de violência contra mulher e exigir atuação efetiva de seus representantes políticos na implementação a aprimoramento do atendimento especializado nesses tipos de violência.
Mesmo os seus representantes locais, especialmente em cidades pequenas, em que não há DEAMs, cabe aos cidadãos e seus representantes exigirem da administração pública a instalação de núcleos de atendimento especializado às mulheres em situação de violência, com servidores devidamente capacitados.
Por isso, mostra-se bastante oportuna a instituição dessa semana de combate ao feminicídio, não só para ampliação do acesso às informações pelos cidadãos em geral, sobre como proceder para denunciar uma situação de violência de gênero contra mulher, como também na divulgação e aprimoramento das políticas públicas para o combate efetivo ao crime de feminicídio e todos os atos violentos que o antecede, com a participação ampla da sociedade civil e instituições públicas.
JEANNIE DAIER DE ANDRADE
É delegada de Polícia Civil do Tocantins, titular da Delegacia de Polícia Civil de Itacajá, bacharel em Direito pela PUC Minas e especialista em Criminalidade e Segurança Pública pela UFMG.
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