Caso eu fosse indagado, ainda nos idos de 2011, quando ingressei no corpo discente da Universidade Federal do Piauí, sobre perspectivas da atividade jurídica, a resposta inevitavelmente remeteria a salas de audiência, debates orais, petições, contestações e recursos.
Com o passar dos anos e das páginas dos manuais, veio o amadurecimento e consigo novo entendimento. A operação do direito é uma atividade de ramificações infindáveis. Para além dos corredores das cortes, ela é fiada na produção de livros e artigos, na ordenação da atividade normativa, na condução dos negócios em geral, nas respostas às consultas e assim vai.
Este ensaio faz convite ao enfoque na atividade consultiva.
Em que pese passar despercebida para o mundo em geral, a consultoria é um dos pilares de atuação do Advogado. Ladeada pela postulação a órgão do Poder Judiciário no Estatuto da OAB (art. 1º da Lei nº 8.906/94), as atribuições de consultoria e assessoria jurídicas são privativas da advocacia.
Disse aqui que a consultoria passa despercebida para o mundo em geral porque, em regra, os pareceres são solicitados apenas em situações assaz peculiares além de serem firmados por notáveis. Assim, como não poderia ser diferente, o preço da encomenda acompanha o peso da caneta.
Trabalhar na Advocacia Pública, todavia, democratiza o acesso à consultoria jurídica. Diferentemente do que acontece na atividade privada – cujo uso não é usual -, a produção de pareceres é atividade corrente nas Procuradorias.
Esta competência é tão cara que demandou previsão expressa na Constituição Federal (arts. 131 e 132 da CRFB/88). E, diante do assento na Carta Magna, diversas leis passaram a condicionar o regular andamento de procedimentos à manifestação prévia das respectivas Assessorias Jurídicas. A mais proeminente destas exigências talvez seja o parágrafo único do art. 38 da Lei de Licitações (Lei nº 8.666/93), agora hipertrofiado e pulverizado ao longo da Nova Lei de Licitações (Lei nº 14.133/21).
Naquele dispositivo determinava-se meramente o exame e aprovação das minutas de editais, acordos e convênios pela Procuradoria. Entretanto, a leitura de uma manifestação produzida para satisfazer aquela exigência esbarrará numa peça muito mais abrangente que, não raro, aborda aspectos de todo o certame.
Isto porque houve aprimoramento da atribuição do Parecerista. A mudança de paradigma, encabeçada sobretudo pelo Tribunal de Contas da União-TCU, outorgou ao Advogado Público a realização “de controle prévio da licitude dos procedimentos licitatórios e dos documentos mencionados no parágrafo único do art. 38 da Lei de Licitações” (Acórdão nº 1337/2011 – Plenário).
Acompanhando a jurisprudência da corte de contas, o art. 53 da Nova Lei de Licitações – uma das muitas passagens que fazem referência à Assessoria Jurídica – fala expressamente em controle prévio de legalidade mediante análise jurídica da contratação. Concretizou-se o papel de controle legal.
Em reiteração, a Assessoria Jurídica compõe, inclusive, a segunda linha de defesa do controle das contratações (art. 169, II da Lei nº 14.133/21). Em suma, ela passa a ser responsável por sindicar todo o procedimento de contratações públicas.
Para além das perspectivas de controle e de seus corolários, está a se instituir outro desdobramento da atividade consultiva. Inaugurada pela reforma da Lei de Improbidade Administrativa e repetida na Nova Lei de Licitações, a previsão de defesa de agentes pela Advocacia Pública confere nova força vinculante ao parecer. Ele passa a agrilhoar a própria instituição que o expediu. Assim, se o gestor houver agido conforme indicado na manifestação jurídica, ele terá a faculdade de exigir da Procuradoria sua representação judicial em eventuais processos decorrentes do ato.
Este regramento, que é práxis da Advocacia-Geral da União, está sendo vergastado no Supremo Tribunal Federal com forte indicativo de transformação.
Enfim, o que quero a dizer é que a consultoria viceja. Para as licitações, o exame de minutas pré-formatadas dá lugar à análise holística do processo de contratação. Mas não para por aí, o novo entendimento proposto pelo princípio da juridicidade, em substituição à tradicional legalidade, exige da Administração a concretização de normas constitucionais ainda quando houver silêncio legal. Assim, a orientação jurídica torna-se parte indissociável de uma gestão prolífica e republicana.
Passados os anos, minha visão do romântica das salas das audiências e dos recursos cedeu o espaço a uma concepção pragmática. O direito está além dos corredores do Judiciário, onde já não se consegue resolver os 80 milhões de processos em tramitação. O bom direito frequentemente está na antecipação de um problema, na resposta a uma consulta. Afinal, não há melhor solução que a prevenção.
LUÍS FELIPE PRUDÊNCIO FURTADO
É procurador do Estado do Tocantins e pós-graduado em Direito Administrativo. Foi procurador do município do Foz do Iguaçu/PR e analista na Procuradoria do município de Teresina/PI.
ESPAÇO APROETO – Associação dos Procuradores do Estado do Tocantins (Aproeto)