A saúde é uma das áreas que mais sofre judicialização no Tocantins. A justificativa do Palácio Araguaia para a deficiência no serviço ou falta de assistência, geralmente, é a ausência de verbas. Porém, a Defensoria Pública do Estado do Tocantins (DPE) e Ministério Público Estadual (MPE) identificaram que no ano passado o então governador Marcelo Miranda (MDB) cortou R$103.221.159,00 do orçamento da pasta, por meio de decretos, para suplementar outras secretarias, como a da Comunicação e a do Desenvolvimento Econômico.
Neste ano, a mesma prática foi utilizada pelo governador interino, Mauro Carlesse (PHS), e mais R$ 5.953.998,00 milhões foi contingenciado. Com objetivo de obrigar o Executivo a devolver esses recursos que totalizam R$ 109.175.157,00, os órgãos de controle ingressaram com uma Ação Civil Pública na 3ª Vara da Fazenda e Registros Públicos de Palmas no dia 3 deste mês.
De acordo com a Defensoria, a Lei de Responsabilidade Fiscal (art. 9, §2) veda a redução de verbas constitucionalmente previstas no orçamento, seja da Educação ou da Saúde, que são áreas essenciais. “Ontem foi divulgado uma dívida de R$ 138 milhões. Quer dizer, nós temos uma dívida de R$ 138 milhões e políticas que não são executadas por falta de dinheiro, mas a ideia foi cortar dessa área essencial, o SUS, e suplementar outras pastas de menos importância”, protestou o defensor público Arthur Luiz de Pádua Marques, em entrevista coletiva à imprensa na manhã desta terça-feira, 8.
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Orçamento
Os decretos Nº 5.612, de 30 de março de 2017; Nº 5.644, de 30 de maio de 2017; Nº 5.683, de 31 de julho de 2017; e Nº 5.743, de 30 de novembro de 2017 contingenciaram, ou seja, reduziram, o valor de cerca de R$ 103 milhões da saúde pública do Tocantins no ano passado. Já o Decreto Nº 5.794, de 28 de março de 2018, subtraiu da área da saúde a soma de R$ 5,9 milhões.
Na ação, é citada como exemplo a suplementação de R$ 6 milhões realizada na Secretaria Estadual da Comunicação (Secom) em 2017. No mesmo ano, a Secretaria Estadual de Desenvolvimento Econômico teve aditivo no orçamento em mais de R$ 29 milhões e nenhum valor contingenciado. “Pra essas pastas já tinha planejamento, já tinha recursos lá. Eles fizeram foi colocar mais”, explicou Marques.
Historicamente, conforme pontuou o defensor público, o orçamento do Tocantins é executado “sem a observância dos princípios constitucionais”. “É uma cultura isso aqui, porque no município existem contratos de quase R$ 60 milhões com tendas, geradores e falta recurso para alguma política de saúde. Já no Estado tem esse caso: foi aditivado orçamento para Secom e para outras pastas, que não atendem diretamente a vida das pessoas, e do SUS foi retirado”, ressaltou.
Assistência inadequada
De acordo com a representante do MPE, existe um número elevado de óbitos evitáveis no Tocantins, justamente por falta da assistência adequada. “A população está ficando cada vez mais desassistida e isso gera a judicialização da Saúde”, disse a promotora de Justiça Maria Roseli de Almeida Pery.
“Somente para exemplificar essa situação caótica dos hospitais, na área da neurocirurgia nós temos mais de 100 pacientes aguardando. É inadmissível que a urgência e emergência que é responsabilidade do Estado não seja ofertada adequadamente”, contestou Maria Roseli.
Gastos com pessoal
Segundo o MPE, relatórios anuais de gestão da Secretaria da Saúde mostram outra deficiência da área: os gastos expressivos com recursos humanos. O Tocantins investe atualmente 18,02% da sua receita com saúde. Deste valor, mais de 83% é destinado para custear apenas as despesas com pessoal e mais de 15% é gasto com despesas correntes, sobrando menos de 0,6% para investimentos nas unidades.
“Existem distorções com relação a gestão de recursos humanos na pasta, que trazem prejuízos a população”, apontou. “Estamos acompanhando e cobrando para que o Estado possa fazer a correção dessa mão-de-obra”.
Pedidos
Na ação conjunta, DPE e MPE solicitaram a suspensão dos decretos que contingenciaram os recursos e a antecipação dos efeitos da tutela pretendida, para determinar ao Estado do Tocantins, na pessoa do governador e secretário da Fazenda, a devolução, no prazo de 30 dias, ao orçamento do SUS, o valor de R$ 5.953.998,00 milhões contingenciados no ano de 2018.
Também foi pleiteado que seja determinado às autoridades elencadas que apresentem em juízo, no prazo de 60 dias, um planejamento orçamentário e financeiro de devolução ao orçamento da Saúde Pública, o valor de R$103.221.159,00 milhões contingenciados em 2017.
Os órgãos solicitam ainda que o Executivo estadual seja proibido de publicar decretos de contingenciamento do orçamento destinado à saúde pública, sem justificar as necessidades de cada política pública e sem observar o art. 9, §2 da LRF.
Além disso, todo o material juntado deve ser encaminhado às promotorias de justiça com atuação na área do patrimônio público para que apurem as responsabilidades dos agentes públicos em razão da violação direta a Lei de Responsabilidade Fiscal.
Em despacho, a juíza Silvana Maria Parfieniuk deu 72 horas para o Estado se manifestar no processo, antes de decidir sobre o pedido liminar. “Eles vão ter que explicar onde aplicaram esse dinheiro de fato”, pontuou o defensor público.
Outro lado
Em nota ao CT, a Secretaria de Comunicação do disse que o governo ainda não foi notificado da referida Ação Civil Pública e que vai aguardar manifestação da Justiça. O Executivo ressaltou, contudo, que desde que a atual gestão assumiu, “a equipe da Secretaria de Estado da Saúde trabalha diuturnamente para minimizar os problemas encontrados no setor”.