A busca excessiva pelo Judiciário na resolução de conflitos, a lentidão processual e a legislação que permite infidáveis recursos, fizeram com que as formas alternativas de resolução de conflitos se tornassem cada vez mais presentes.
A mediação tem como característica a interdisciplinaridade, baseada no princípio da autonomia privada, diferindo da negociação, conciliação e arbitragem. Cumprindo os ditames constitucionais, a mediação segue ainda os princípios da solução pacífica das controvérsias, da equidade, da boa fé e da inafastabilidade do Poder Judiciário.
Nesse sentido, considerando o homem como um ser social e os conflitos como parte do viver em sociedade, atenta-se às soluções pacíficas, céleres, confidenciais e com menos desgastes emocionais. É assim que se traduz a mediação como uma forma pacífica de solução que surge da própria vontade das partes, mediante diálogo e de forma harmônica, com auxílio do mediador.
Parte-se, portanto, da definição de mediação como um processo de regramento dos conflitos sociais que se apresentam, no qual uma terceira pessoa imparcial, por meio das próprias pessoas envolvidas, tenta auxiliá-las na melhoria de uma relação ou na regulação de um conflito que as colocam em oposição.
No âmbito criminal, observa-se que o enfoque moderno da mediação impõe a possibilidade de soluções não adversariais, baseada em construções conjuntas, evitando-se instauração de procedimentos penais nos casos de crimes de menor potencial ofensivo.
Em várias unidades da federação, a Polícia Civil já realiza a mediação, como no caso do Distrito Federal que, desde abril do ano passado, possui o Núcleo de Polícia Judiciária Restaurativa, responsável pela mediação e conciliação em casos de crimes de lesão corporal leve, calúnia, difamação, injúria, ameaça e dano. As atividades são realizadas em parceria com o Tribunal de Justiça do Distrito Federal, sendo que o próprio Tribunal realizou o treinamento dos policiais civis para intermediarem conflitos entre vítima e ofensor.
No Rio Grande do Sul, registros demonstraram que, até março do ano passado, foram realizadas 1.751 mediações em todos os núcleos existentes da Polícia Civil, indicando que aproximadamente 3.502 pessoas foram atendidas.
Trata-se, assim, de uma forma de apaziguamento utilizando o diálogo, objetivando a construção da paz baseada mais em resolutibilidade, do que em produtividade, logicamente considerando os casos de crimes envolvendo direitos disponíveis e passíveis de composição entre as partes. As infrações mais comuns que ensejam a mediação são: ameaça, injúria e perturbação do sossego. O fato é que, por óbvio, não se menciona mediação quando se trata de crimes de maior gravidade, como tentativa de homicídio.
Busca-se com a mediação estimular um novo olhar sobre determinadas relações, promovendo soluções pacíficas de conflitos que, se não mediados, poderão ensejar graves consequências às pessoas envolvidas. Coaduna-se, inclusive, com resoluções da ONU que defendem o uso da Justiça Restaurativa pelas autoridades de segurança em suas esferas de atuação.
De tal forma, a Polícia Civil atenderia a essas orientações utilizando a mediação de conflitos como instrumento de resolução pelas próprias partes com auxílio do mediador e, após a conciliação, elaborando o respectivo termo de acordo, que será homologado pelo juiz junto com o termo circunstanciado confeccionado. O acordo, portanto, passa a valer como título executivo judicial.
São práticas dessa natureza que devem ser estimuladas e expandidas nas instituições de Polícia Judiciária em todo o país, destacando-se que, nos núcleos em que ocorrem as mediações efetuadas sob a presidência dos Delegados de Polícia, as atribuições estão voltadas, como já mencionado, às infrações penais de menor potencial ofensivo, conforme os termos do artigo 61 da Lei n° 9.099, de 26 de setembro de 1995. Nestes órgãos de polícia, os serviços são desenvolvidos com o objetivo de redução da litigiosidade, possibilitando a preservação das relações interpessoais, contribuindo para a materialização de uma cultura de paz, além da garantia de economicidade. Desenvolvem-se trabalhos que não interferem nas atividades do Poder Judiciário e do Ministério Público, uma vez que todos os procedimentos realizados são submetidos à apreciação dos magistrados para fins de homologação, com prévia manifestação do membro do Parquet.
Cabe às instituições de Polícia Judiciária a incumbência de promover estratégias para que todos os envolvidos no conflito criminal tenham seus legítimos interesses satisfeitos, não excluindo a possibilidade de o ofensor ser efetivamente punido. As práticas de mediação no âmbito da Polícia Civil contribuem para o fortalecimento institucional e para uma solução célere dos conflitos de menor potencial ofensivo, que atenderão de forma pacífica as partes envolvidas, sem necessidade da movimentação de toda a máquina propulsora da persecução penal.
Convém que se reflita sobre a possibilidade de superação da cultura de judicialização dos conflitos, resultado atual de um Judiciário que, mesmo preocupado com o aprimoramento da prestação jurisdicional, não consegue atender a demanda por Justiça.
Nesse contexto, a Polícia Civil tem um papel fundamental na busca por boas práticas e no estímulo às políticas públicas de qualidade na área de segurança. E, em que pese ainda não haver na Polícia Civil do Tocantins núcleos de mediação, o fato é que as demandas exigirão a adoção de medidas dessa natureza com a devida estruturação, o que gerará um bem social considerável para a solução dos conflitos, prevenção da violência e construção de uma cultura de paz.
Conclui-se, pela necessidade de multiplicação dessa experiência para a manutenção da ordem pública, um dos objetivos principais dos órgãos de segurança, assim como para o fortalecimento institucional e de todo o espírito de uma sociedade mediadora capaz de se integrar e cooperar juntamente com a Polícia Judiciária para garantia de uma segurança pública com cidadania, diálogo, respeito aos direitos e participação democrática.
MILLENA COELHO JORGE ALBERNAZ
É Delegada de Polícia Civil do Tocantins, graduada em Direito pela PUC-Pontifícia Universidade Católica de Goiás, pós-graduada em Direito Penal e Processo Penal pela Unitins e mestre e doutoranda em Direito pela Universidade Autónoma de Lisboa.