Certa feita, em um tempo em que as instituições e a democracia pairavam como um sonho distante, Bertolt Brecht escreveu um poema para exultar as pessoas a não serem passivas com as injustiças. Chamou o riscado de “Intertexto” e tinha como mensagem de fundo a necessidade que temos de nos indignar com quaisquer injustiças, pois se não o fizermos, um dia, quando formos nós os alvos destas injustiças, quiçá não haverá mais ninguém para nos defender.
[bs-quote quote=”O que o governo tem que demonstrar é que está ciente de nosso papel constitucional (…) dando à Polícia Civil do Tocantins, a exemplo de outros Estados, a sua tão sonhada autonomia. Este seria o recado de quem, ressoando a vontade do povo, estaria trabalhando em prol da melhoria do Estado e do combate à criminalidade” style=”default” align=”right” author_name=”ENIO WALCÁCER” author_job=”É delegado de Polícia Civil” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/07/EnioWalcacer60.jpg”][/bs-quote]
Tecer esta breve introdução serve para entendermos um pouco o movimento que se iniciou dentro da Segurança Pública do Tocantins, desde a exoneração em massa de diversos Delegados Regionais da Polícia Civil, em especial do Delegado Bruno Boaventura, que participava das investigações contra familiares do então líder do governo na Assembleia Legislativa, deputado estadual Olyntho Neto.
A exoneração, de um cargo ad nutum, ou seja, de um cargo em que o governo pode nomear e exonerar livremente, foi alvo de uma grande comoção pelos Delegados da Polícia Civil do Tocantins, que em uníssono sensibilizaram-se com a possível conotação política que o ato poderia ter. Não que a categoria não soubesse que o cargo é de livre nomeação e exoneração, mas pelo ato estar cabalmente vinculado à operação recém desencadeada contra o pai do então líder do governo Olyntho Neto. Em essencial, o que causou estranheza não foi o ato em si, mas o timming para que ele fosse tomado.
Certamente mudanças acontecem e reestruturações da mesma forma, sobretudo em cargos de confiança. No entanto, na estrutura da Polícia Civil, muitos cargos que são hoje funções de confiança, servem muito mais à estrutura investigativa do que às acomodações políticas. Devido a isso, são parte de uma estrutura que só pode ser ocupada por delegados de carreira. Os mesmos delegados que estão protegidos em suas funções por prerrogativas constitucionais, tendo a garantia de que não sejam realocados ao bel-prazer político, que não tenham seus inquéritos retirados de sua atribuição, que não sejam demitidos sem fundamentação, enfim, garantias de que a função política seja inerente aos governos eleitos e esteja desvinculada das funções próprias de Estado.
O que o governo tem que demonstrar é que está ciente de nosso papel constitucional e que, como governador, investido neste poder pelo voto do povo e pela força dos ditames também constitucionais, deveria zelar pela categoria em suas prerrogativas, dando à Polícia Civil do Tocantins, a exemplo de outros Estados, a sua tão sonhada autonomia. Este seria o recado de quem, ressoando a vontade do povo, estaria trabalhando em prol da melhoria do Estado e do combate à criminalidade.
Para fazer isso, o Governador deveria, primeiramente, dar autonomia administrativa e funcional para a categoria, também em seus cargos operacionais diretivos, evitando com tal medida, que aconteçam episódios como as demissões de 168 policiais em cargos estratégicos da polícia civil sem o conhecimento da cúpula da Secretaria da Segurança Pública. Esse episódio ocasionou a entrega de todos os cargos operacionais da Polícia Civil.
Voltamos então ao texto antigo de Bertold Brecht. Fazendo uma paráfrase com a nossa realidade no Tocantins, poderíamos dizer: “Primeiros exoneraram os Regionais, mas não me importei, pois não tinha tal cargo…” e certamente poderia lhes dizer que, acaso assim agíssemos, dando de ombros, tanto aos Delegados quanto às demais categorias, nós certamente estaríamos aceitando esta injustiça. Aceitando, poderíamos esperar pelo dia em que entrassem em nossos gabinetes, retirassem nossos inquéritos, nos transferissem como punição por investigar amigos de políticos e, quando isso acontecesse, por não termos defendido os Regionais, os Diretores, os Delegados Gerais, não teríamos ninguém com quem contar para a defesa de nossas prerrogativas duramente conquistadas e que permitem que hoje façamos o nosso trabalho com isenção.
Que o Exmo. Governador tenha a sensibilidade de entender que não é simplesmente pelos cargos de Regionais ou por uma economia estatal risível, é pelo respeito à autonomia da categoria, é pelo reflexo de nossas prerrogativas estampados na estrutura operacional que nos cerca, é pela maturidade de uma instituição que precisa ser grande, pelo povo e para o bem de todo povo tocantinense.
ENIO WALCÁCER
É delegado de Polícia Civil, titular do 2º DPC de Araguatins, mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos, escritor e professor universitário
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