“Não sei porque você se foi; quantas saudades eu senti; e de tristezas vou viver; e aquele adeus não pude dar”. Trecho extraído da música “Gostava Tanto de Você”. Composição de Edson Trindade, interpretada por Tim Maia.
No início de fevereiro de 2018, com ar de nostalgia, me desloquei à uma pequena e pacata cidade do interior do Tocantins, objetivando rever amigos e familiares, cultivando saudades da boa infância e reforçando os laços afetivos, ofício este cada vez mais raro de se ver na atual conjuntura, por vivermos em uma sociedade exaustivamente egoísta e indiferente, que nem sempre exercita o dom do amor pelo próximo com a dedicação e afinco que DEUS espera de cada cristão, por se cuidar de mandamento.
Para minha triste surpresa, ao indagar a respeito de um amigo, que a despeito de não ter desfrutado da infância comigo, por ter a idade cronológica mais avançada que a minha, me viu crescer e sempre nutriu por mim, enorme apreço, pois fora aluno de minha mamãe, sendo que uma de suas irmãs, por força do destino, havia sido a minha primeira Professora, na série inicial, tornando-nos amigos, recebo a notícia de que ele se encontrava em estágio avançado de transtorno depressivo, sem qualquer apoio psiquiátrico institucional, decorrente da exaustão laboral proveniente do exercício de atividade funcional como Policial Civil, que há quase 25 (vinte e cinco) anos exercia com destemor e afinco, honrando a categoria funcional que integrava, sem qualquer mácula, que seja do conhecimento deste subscritor.
[bs-quote quote=”Nesse momento, abatido com a notícia do amigo que fora vítima de suicídio policial, não me conformei em me silenciar sobre essa temática tão estigmatizante e misteriosa, que poucos se atrevem a falar” style=”default” align=”left” author_name=”JORGAM OLIVEIRA SOARES” author_job=”É graduado e pós-graduado em Direito” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/04/Jorgam60.jpg”][/bs-quote]
Por outro prisma, abre se parênteses, para consignar que esse amigo policial, era proveniente de família humilde e desprovida de recurso financeiros, como eu sempre enfatizava, todas às vezes que nos encontrávamos, era a reprodução fiel do trecho da música “EU SOU APENAS UM RAPAZ LATINO-AMERICANO” do Cantor Belchior, em que se dizia “Eu sou apenas um rapaz latino-americano, sem dinheiro no banco, sem parentes importantes e vindo do interior”, mas que nem por isso, às circunstâncias adversas o deixaram acomodado e desprovido de perspectivas de vida.
Pelo contrário, essas adversidades lhe dotaram de forças e estímulos para investir em sua educação intelectual e profissional, pois vislumbrava que somente a educação poderia lhe proporcionar a tão acalentada ascensão social, a permitir-lhe ingressar no serviço público pelas portas da frente, fruto da sua meritocracia, sem ter que se valer do famigerado jeitinho brasileiro, recorrendo aos políticos em busca de um contrato temporário e/ou cargo de provimento em comissão, como servidão de dívida (impagável) e troca de favores, práticas estas tão cultuadas nos rincões brasileiros, violando a dignidade humana.
Assim, após a conclusão do ensino médio no interior dessa Unidade Federativa, prestou concurso para a Polícia Militar do Estado do Tocantins, obtendo aprovação, investindo-se, em seguida, no cargo de Soldado Militar, chegando até a patente de Sargento, oportunidade em que prestou concurso para Agente de Polícia Civil, sendo aprovado, o que lhe motivou a se desligar da corporação militar, fazendo opção pela Polícia Judiciária Estadual, ali permanecendo até os últimos dias de sua vida nesse plano material.
Nesse período, obteve aprovação para o concorrido exame vestibular do curso de Direito na UNITINS – Universidade do Tocantins, se graduando em Direito e, após outorga de grau, submete-se ao Exame de Proficiência da Ordem do Advogados do Brasil – OAB, se habilitando para o exercício da Advocacia, a despeito de jamais ter militado como Advogado, em decorrência de ser Policial Civil, o que lhe tornava incompatível para exercer esse nobre ofício, nos termos do art. 28, V, da Lei Federal nº 8.906/94.
Pois bem, após essa breve incursão pelo seu histórico de vida, retornamos ao tema do nosso artigo, ou seja, falar a respeito da importância de se combater preventivamente o suicídio policial.
Assim, ao visitá-lo no início de fevereiro de 2018, me deparei com um jovem promissor, vivenciando um quadro de tristeza, abatido, depressivo, com enorme feridas na alma, decorrentes, em sua maioria, do exercício de sua exaustiva e desgastante atividade policial, deixando-me comovido e preocupado com seu estado de saúde mental, levando a reflexão sobre a importância de lhe auxiliar a vencer essa doença silenciosa e restabelecer a sua vitalidade e capacidade laborativa, já que o amigo se revela na adversidade, não podendo me furtar à essa ocasião, auxiliando ele e seus familiares.
À oportunidade, ele já se encontrava recolhido na residência de sua mamãe, que nutria por ele enorme orgulho e admiração, sem desmerecer os demais irmãos, fazendo, inclusive, questão de afixar na parede da sua sala de tv, o quadro emoldurado com a outorga pela OAB TOCANTINS, da sua habilitação para o exercício da Advocacia, além de ressaltar a condição de primeiro filho a ter se graduado.
Ao me deparar com ele visivelmente abatido, em situação de enorme fragilidade psíquica, tive compaixão por vê-lo naquele estágio deprimente e começamos a conversar, com o propósito de convencê-lo a se manter otimista quanto a sua recuperação, bem como a respeito da possibilidade de restabelecer a sua capacidade laborativa, retornando às atividades policiais, como ele tanto almejava.
Durante esse diálogo, ele foi se revelando aos poucos, confidenciando-me o quanto a atividade policial é desgastante, penosa e estressante, justamente por vivenciar situações adversas e inesperadas em uma Unidade Policial, decorrente do ambiente desfavorável que trabalham, recebendo autores e vítimas de crimes, alguns até mesmo repugnantes, como estupro e homicídio, assim como lavrando flagrantes e investigando os autores de delitos penais, cuja atribuição, em sua maioria, ficam a cargo da Polícia Civil.
Enquanto conversávamos, eu começava a refletir, por sermos, às vezes, impiedosos e contundentes em criticarmos os eventuais deslizes dos policiais, sem ao menos exercer qualquer reflexão, de que o suposto equívoco que tanto criticamos, pode ser interpretado como um grito em busca de auxílio para à sua saúde psíquica, além das condições adversas de trabalho, como prédios que abrigam Delegacias de Polícia sucateados e insalubres, ausência de valorização funcional e política de saúde mental, tão ignoradas pelo Poder Público, que os levam à pensar que se encontram abandonados e relegados à própria sorte, vislumbrando que, talvez, executar uma atitude radical, pode ser a única forma de despertar às autoridades de segurança pública para modificar o cenário trágico.
E nesse aspecto, vale registrar, quantos de nós já tivemos a humildade de disponibilizar uma pequena parcela do nosso tempo para conversar com algum amigo e/ou colega policial, a respeito das suas aflições, angústias e frustrações decorrentes do exercício do cargo público que ocupa? Certamente, creio que às respostas, em sua maioria, serão negativas, até porque, a sociedade se encontra mais indiferente aos problemas vivenciados pelo próximo, diante do egoísmo exacerbado, tão comum nesses tempos.
Desta forma, a partir daquela ocasião, estive mais próximo desse amigo, sempre procurando manter contato com seus familiares, além de conseguir falar com ele em algumas oportunidades, mediante contato telefônico, sendo que me fazia questão de ressaltar, o quanto parecia intransponível, se libertar dessa doença silenciosa denominada depressão, provocada pelas feridas da alma.
Dizia-me ele, que por mais que tentava, não encontrava forças, pois às angústias, aflições e frustrações acumuladas ao longo da atividade policial, sugaram todas às suas forças, ocasião em que este subscritor tentava lhe convencer de que ele era capaz de superar essas adversidades, pois, além de ser temente a DEUS, possuía outro grande aliado, o seu histórico de vida, por ser exemplo de superação e dedicação.
Todavia, infelizmente, no dia 30 de abril de 2018, por volta das 11:04h, recebo telefonema de um colega em comum, que havia trabalhado com ele na Polícia Civil, por quase 05 (cinco) anos, trazendo-me a triste notícia de que o nosso amigo havia perdido a batalha para a depressão, vindo à óbito, em decorrência do cometimento de suicídio, partindo desse plano material para o espiritual, de forma trágica, sem ao menos permitir que dele pudéssemos nos despedir e dar àquele último e traumático adeus afetivo.
Nesse momento, abatido com a notícia do amigo que fora vítima de suicídio policial, não me conformei em me silenciar sobre essa temática tão estigmatizante e misteriosa, que poucos se atrevem a falar, qual seja, o suicídio cometido por agentes policiais em todas às suas esferas de atuação, partindo do pressuposto de que não podemos mais nos silenciarmos a respeito desse tema, sob pena de colaborar, indiretamente, para que o Poder Público, continue se omitindo a investir no custeio de políticas públicas, voltadas para à saúde psíquica dos policiais, realizando trabalho preventivo e salvando vidas.
Para surpresa, ao começar a estudar sobre o tema, me deparo com uma matéria jornalística com título bastante assustador: “Suicídio entre policiais federais é seis vezes maior do que a média brasileira – (https://noticias.r7.com/brasil/suicidio-entre- policiais-federais- e-seis- vezes-maior- do-que- a-media-brasileira-24032017) relatando que entre 1999 e 2015, foram registrados 42 casos de suicídios, sendo que nos últimos cinco anos do levantamento, foram 20 casos, o dobro do período de cinco anos anterior, apontando, ainda, que o último ano em que não ocorreu nenhum suicídio de policial federal foi em 2004. Para o Médico Psiquiatra Roberto Tonanni de Campos Mello, da Superintendência da Polícia Federal de São Paulo, “São números que estão subestimados. Os casos de suicídios podem ser ainda maiores”.
Segundo o mencionado Psiquiatra, por exemplo, há casos em que o agente “busca a bala” durante uma operação. Na estatística, aparece como morte em ação, mas existiu ali o impulso suicida. Alguns agentes já comentaram sobre isso e não se sabe de fato quantos casos foram”.
A respeito disso, registra-se que, esses dados apontando o crescimento vertiginoso de suicídios, não são privilégios da Polícia Federal, pois, infelizmente, esse tipo de comportamento, também tem se espraiado pelas demais forças policiais, a exemplo da civil e militar, inclusive, com registros no Tocantins.
O crescimento exagerado de suicídios no âmbito das atividades policiais, a exemplo da PF, despertou a atenção da Delegada de Polícia Federal, Tatiane da Costa Almeida, que defendeu sua tese de Mestrado, no Instituto Universitário de Lisboa, Portugal, abordando esse tema, com o seguinte título “quero Morrer do meu próprio veneno”, em que, segundo ela, se chegou à seguinte conclusão: “ O sentido messiânico da profissão, faz com que o policial se veja como salvador da sociedade, separado dos demais por uma “tênue linha azul”, o que reflete um superego muito crítico, passível de se voltar fortemente contra o ego quando o indivíduo incorre em uma falta. Em casos assim, o suicídio pode ocorrer”.
Segundo ela, outra predisposição comportamental que pode tornar-se permanentemente parte da personalidade do policial é a noção cínica da realidade. Os policiais têm mais demandas do que o que lhes é possível resolver. Solicitados a sempre dar e expostos à miséria humana, tendem a sentir-se frustrados, perante o sentimento de impotência face a tantos problemas sociais, o que suscita reações de inadequação, podendo proteger-se no alcoolismo, no cinismo, ou no gesto suicidário, como tentativa de alcançar novamente o sentimento de força e adequação.
Essa triste constatação, somente evidencia a necessidade do Poder Público Federal e Estadual, desenvolverem projetos permanentes de combate preventivo ao suicídio policial, disponibilizando atendimento psiquiátrico, psicológico e núcleos terapêuticos de apoio, pois a sua prevenção, além de ter importância sobre o aspecto da preservação à vida, possui relevância social e administrativa, já que o custeio com o pagamento de pensão aos dependentes de policiais que cometem suicídio, tornam-se extremamente dispendiosos para a administração pública, fomentando, assim, a necessidade de se investir em iniciativas dessa natureza, salvando vidas e preservando o patrimônio público e social.
Ao fazer às nossas considerações finais, tomo por empréstimo, às palavras do poeta inglês John Donne, que assim disse: “a morte de qualquer homem me diminui, porque sou parte do gênero humano. E por isso não perguntes por quem os sinos dobram; eles dobram por ti, policiais vítimas do suicídio”. Jorgam Soares. É graduado e pós-graduado em Direito e Processo Administrativo pela Universidade Federal do Tocantins – UFT.
JORGAM OLIVEIRA SOARES
É graduado e pós-graduado em Direito e Processo Administrativo pela Universidade Federal do Tocantins (UFT)
jorgamsoares@yahoo.com.br