Nos últimos tempos um modelo de escola vem ganhando gradativo espaço na sociedade brasileira: as escolas de tempo integral. Como uma espécie de “cereja do bolo”, esse modelo, junto com os colégios militares, é apresentado como a solução para os problemas da educação brasileira. Mas, na realidade, o que são as escolas de tempo integral? Como esse modelo está funcionando na vida prática dos alunos?
Primeiramente, é importante ressaltar que o modelo de escola integral não é criação brasileira. Esse modelo já há tempos faz parte da estrutura educacional de diversos países da Europa e também na América do Norte. Nesses países, as escolas de tempo integral oferecem além dos conteúdos tradicionais do ensino, aulas de música, dança, fotografias, pinturas, informática, turismo, conteúdos relacionados ao mercado de trabalho, noções de engenharia e saúde, além de uma variedade de eixos de conteúdos necessários à formação intelectual do aluno.
[bs-quote quote=”Ao não ser administrado como deveria, buscando a formação intelectual integral do aluno, esse modelo de educação passou a ser uma estratégia utilizada pelo poder público para apresentar resultados e conquistar a simpatia da opinião pública” style=”default” align=”right” author_name=”Raylinn Barros da Silva” author_job=”É doutorando e mestre em História ” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/raylinn-barros-180.jpg”][/bs-quote]
Ao que parece, essa experiência seria a mais ideal a ser implantada no nosso país. Seria, caso aqui não tivesse ocorrido um desvirtuamento desse modelo de educação que, sem sombra de dúvida oferece realmente uma educação de mais qualidade para os alunos. No caso brasileiro, o que se observa não é uma formação integral do ponto de vista intelectual, mas o aluno em tempo integral na escola. Ou seja, o aluno fica nas dependências da escola o dia todo, seu tempo não é preenchido com formação diversificada, mas com atividades que, infelizmente, não lhe oferecem formação integral. Pode-se dizer, então, que nossa experiência com esse modelo de educação está centrada no tempo integral do aluno na escola, não na sua formação integral do ponto de vista intelectual.
Como na maioria das escolas que funcionam esse modelo integral eram escolas que já funcionavam no modelo tradicional de educação, elas simplesmente não possuem a estrutura para funcionarem como escolas integrais. O que resulta num quadro preocupante: adaptações, realocações de espaços e utilização de outros para determinadas atividades dos alunos. Observa-se, a partir de visitas a essas escolas, que seus alunos rotineiramente usam seus corredores para dormir pelo chão para descansar das atividades diárias, muitas vezes cansativas e estafantes. O horário do almoço converte-se em outro drama, quando não se alimentam em pé nos mesmos corredores, usam salas de aula e suas cadeiras para comerem as refeições. Parte-se do princípio básico: se o aluno de uma escola integral se diz cansado de suas atividades, algo de muito errado está acontecendo com esse modelo de educação.
Em raríssimas escolas integrais se observa a administração de experiências e conteúdos para além da formação tradicional centrada nas disciplinas já conhecidas. No caso do Tocantins, por exemplo, para além das disciplinas tradicionais, são oferecidos basicamente três novidades: as chamadas disciplinas eletivas, em que os alunos juntamente com seus professores escolhem temas de estudo; os estudos orientados, espaço em que os alunos criam rotinas de estudo e, por último, projeto de vida, onde se pretende fazer o aluno buscar objetivos para a sua vida. Ou seja, a escola de tempo integral tem como diferente apenas o fato do aluno ficar o dia todo na escola, ou seja, nada a ver com formação integral.
Julga-se que a principal diferença da escola integral em relação à escola tradicional não está, portanto, na formação, mas no tempo em que o aluno permanece nas dependências da escola. Ou seja, para que esse aluno realmente recebesse formação integral deveria fazer parte de suas escolhas além dos conteúdos tradicionais do ensino, aulas de música, dança, fotografias, pinturas, informática, turismo, conteúdos relacionados ao mercado de trabalho, noções de engenharia e saúde entre outras.
Pelo que se percebe, esse modelo de educação é apresentado como uma solução eficaz para os problemas da educação pública. Quando, na verdade, ao não ser administrado como deveria, buscando a formação intelectual integral do aluno, esse modelo de educação passou a ser uma estratégia utilizada pelo poder público para apresentar resultados e conquistar a simpatia da opinião pública. Portanto, acredita-se que qualquer política de melhoria da educação pública deve passar pela valorização da escola tradicional, essa que faz parte de nossas vidas há tempos. Não é desprezando esse modelo em que fomos públicos que a educação pública alcançará êxito.
Para além da valorização da escola pública, leia-se: escola com estrutura e professores verdadeiramente valorizados, ambas tarefas, obrigação do estado, essas medidas de nada adiantam se o público da escola: os alunos, não tiverem desde muito cedo a educação familiar. Ou seja, a escola só terá sucesso pleno um dia se as famílias assumirem suas responsabilidades como as primeiras educadoras de seus filhos. A família é o espaço da educação, a escola o espaço da formação intelectual. Finalmente, essa reflexão é uma defesa da escola que proporcione verdadeiramente uma formação integral, não uma escola que ofereça apenas o tempo integral, pois a escola é algo muito sério para ser encarada apenas pelo viés do tempo.
RAYLINN BARROS DA SILVA
É doutorando e mestre em História pela Universidade Federal de Goiás
raylinn_barros@hotmail.com