A 2ª Câmara Cível do Tribunal Justiça do Tocantins rejeitou no dia 8 recurso contra a decisão da 4ª Vara Cível da Comarca de Palmas que considerou ilegal o contrato do governo do Estado com a empresa Umanizzare Gestão Prisional Privada, que prestava serviços nos maiores presídios do Estado, o Barra da Grota, em Araguaina, e a Casa de Prisão Provisória de Palmas (CPPP). A decisão em primeira instância teve como base uma ação civil pública movida pelo Ministério Público do Estado, ainda no governo Marcelo Miranda (MDB).
A Umanizzare foi contratada pelo Estado para serviços técnicos e assistenciais, segurança, identificação, prontuários e movimentações, administrativo, alimentação e serviços gerais, no período de 12 meses, com valor total estimado de R$ 25,029 milhões. Segundo o MPE, foram realizados seis termos aditivos e, a cada ano, “o custo com a empresa era atualizado monetariamente sem novo procedimento licitatório”. Também é apontado como irregularidade o exercício de atividade típica e exclusiva da administração pública para a segurança.
O Estado alegou que “o julgamento antecipado da ação, sem a produção de provas, ofendeu os princípios do contraditório e da ampla defesa, constituindo cerceamento de defesa”. No mérito, o governo sustentou a legalidade da contratação e “a ausência de delegação de atividades fim pelo ente estatal à empresa particular”.
Já a Umanizzare Gestão Prisional e Serviços defendeu a nulidade da sentença sob o fundamento de que teria havido cerceamento de defesa com o julgamento antecipado. No mérito, arguiu a regularidade da terceirização do sistema prisional, sob a alegação de que a prestação de serviços era voltada para a atividade-meio, além da ausência de sobrepreço na contratação.
Ao analisar os recursos, o desembargador Ronaldo Eurípedes concluiu que “inexistiu cerceamento do direito de defesa das partes requeridas, visto que o processo tramitou regularmente e ambas tiveram todas as oportunidades legais de manifestarem-se e de acostar a documentação comprobatória de suas alegações, e assim o fizeram”. Assim, julgou improcedente a preliminar de nulidade.
No mérito, o magistrado disse que, em diversas vistorias realizadas na Unidade de Tratamento Penal Barra da Grota, em Araguaína, e na Casa de Prisão Provisória de Palmas, foi verificado que funcionários da Umanizzare realizavam atividades típicas de agentes de segurança. Assim, para ele, “resta patente o exercício de atividades-fim do Estado por agentes privados, sem o devido treinamento, o que ofende diversos preceitos da Constituição Federal, inclusive o princípio do concurso público, visto que as funções típicas do Estado somente devem ser exercidas por agentes públicos devidamente admitidos ao serviço público, mediante concurso de provimento de cargos e com treinamento adequado”.
Eurípedes afirmou também que, “como muito bem pontuado no Parecer Ministerial, ao tentar justificar sua ação ilegal, o Estado do Tocantins acaba por admitir a transferência de atividades-fim à empresa privada”. “Portanto, a documentação acostada aos autos da ação civil pública de origem não deixa margem para dúvida acerca das atividades exercidas pela empresa Umanizzare nas unidades prisionais em questão, restando demonstrada de forma cabal a indevida transferência de atividades de segurança pública, típicas do Estado, para empresa privada terceirizada, o que inquina de nulidade dos contratos firmados entre as partes”, considerou o magistrado.
O desembargador, no que refere aos valores dos contratos, afirmou ter ficado comprovado nos autos que inicialmente era de R$ 2.790 por preso e em 2016 alcançou R$ 4.166,49, uma elevação de 49,33%. “Valor que, de fato, mostra-se superior até mesmo ao gasto nas prisões federais de segurança máxima e quase o dobro do valor médio nacional”, comparou.
Eurípedes disse ainda, conforme apontado no Parecer Ministerial, segundo dados do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), que o gasto médio por preso no País é de R$ 2.400, “valor que já era inferior ao contratado inicialmente e se mostra discrepante com o fixado no ano de 2016”.
Falha na prestação de serviços
Além disso, o desembargador afirmou na decisão, “em que pese o valor percebido pela empresa terceirizada, diversos relatórios constantes dos autos atestam que houve falha na prestação de serviços relativas ao fornecimento de alimentos e insumos aos custodiados, como kits de higiene e uniformes, além de deficiência na manutenção dos prédios, sendo que o próprio Estado notificou a empresa acerca das irregularidades apuradas”.
Eurípedes concluiu que “é certa a irregularidade destes aditivos contratuais, sem a devida e plausível justificativa para tanto, em claro detrimento do erário público”.
Também afirmou que a sentença de primeira instância “mostra-se muito bem fundamentada, ancorada em fatos comprovados nos autos, de forma que resta patente a ilegalidade dos contratos firmados entre o Estado do Tocantins e a empresa Umanizzare para administração de duas unidades prisionais do Estado, ante o exercício de atividade típica e exclusiva da Administração Pública, do pagamento de preços elevados quando comparados com outras unidades do país, do reiterado aditamento/prorrogação contratual sem a devida e substanciosa justificativa, de modo a burlar a lei de licitações, além de serem verificadas graves falhas na prestação de serviço pela empresa terceirizada”.
Sobre a multa diária à empresa Umanizzare Gestão e Serviços para o caso de descumprimento dos prazos previstos no cronograma de transição, imediatamente após o término dos contratos, no valor de R$ 1 milhão até o limite de R$ 30 milhões, o desembargador avaliou que “é compatível com natureza da obrigação tratada nos presentes autos e com o vultuoso valor dos contratos analisados, considerando a premente necessidade de regularização da gestão das unidades prisionais do Estado do Tocantins, com a utilização proba e eficiente dos recursos públicos”.
Surpreendida
Em nota, a Umanizzare afirmou que foi “surpreendida” pela decisão da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça. A empresa garantiu ter cumprido “fielmente as cláusulas contratuais” e atuado “nestas unidades dentro dos limites estabelecidos pela Lei de Execuções Penais”.
A Umanizzare disse, ainda, não ter sido notificada da decisão e que estranhou “o fato de ter havido decisão sobre uma ação cujo julgamento foi retirado de pauta por falta de relator e que só poderia voltar à pauta com a devida intimação das partes, o que não ocorreu, o que pode gerar nulidade do ato”.
Por fim, a empresa avisou que vai recorrer da decisão, assim que notificada, “seja em razão da nulidade por falta de intimação das partes, seja ao Superior Tribunal de Justiça por meio de recurso especial”.
Confira a seguir a íntegra da nota:
“Nota à Imprensa
A Umanizzare Gestão Prisional Privada vem a público afirmar que foi surpreendida pela decisão da 2ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Estado do Tocantins que, no último dia 8, declarou nulo o contrato, este já encerrado desde 2017, entre esta empresa e o Governo do Estado.
A empresa, que administrava em regime de cogestão a Casa de Prisão Provisória de Palmas e da Unidade de Tratamento Penal Barra da Grota, vem a público reafirmar que cumpriu fielmente as cláusulas contratuais, atuando nestas unidades dentro dos limites estabelecidos pela Lei de Execuções Penais.
A Umanizzare informa, ainda, que não foi notificada da decisão e estranha o fato de ter havido decisão sobre uma ação cujo julgamento foi retirado de pauta por falta de relator e que só poderia voltar à pauta com a devida intimação das partes, o que não ocorreu, o que pode gerar nulidade do ato.
Consciente de que sua atuação sempre foi em conformidade com a lei, a Umanizzare vai recorrer da decisão, assim que notificada, seja em razão da nulidade por falta de intimação das partes, seja ao Superior Tribunal de Justiça por meio de recurso especial”.