Rico em recursos hídricos, nesta quinta-feira, 22, Dia Mundial da Água, o Tocantins tem muito a comemorar. Além do grande número de córregos, nascentes, cachoeiras, lagos e lagoas, são destaques nessa área a biodiversidade e a qualidade dos mananciais. Apesar disso, o Tocantins enfrenta problemas de falta de água, no período de estiagem, e de alagamentos, na época de chuva. As estratégias para solucionar esses problemas, segundo especialistas ouvidos pelo CT, seriam a preservação de nascentes, matas ciliares e grandes obras de infraestrutura, como construção de represas e integração de bacias.
Para a doutora em Meio Ambiente e vice-presidente da ONG Gaia, Marli dos Santos, a abundância de água no Estado gera preocupação em relação a utilização inadequada. “Se houver o uso em excesso e a destruição das matas ciliares os rios facilmente se estressam e secam”, alerta.
Os problemas relacionados à questão hídrica no Estado, de acordo com a ambientalista, são gerados pelo desmatamento das áreas de nascentes e o sobreuso dos mananciais por sistemas de irrigação agrícola. Esses fatores, afirma ela, são a causa da falta de água em algumas regiões, no período de estiagem. “Na região sudeste a falta de água chega a atingir o abastecimento do município e as propriedades rurais”, lembrou.
A região sudoeste do Estado, por outro lado, enfrenta dificuldades geradas pelo excesso de chuva. Em fevereiro, lavouras e comunidades ribeirinhas ficaram debaixo d’água e o governo chegou a decretar situação de emergência em seis municípios. Nesses casos, Marli pontua que a ocupação em áreas ativas de rios (pontos que os mananciais podem atingir em períodos de cheia) e também o desmatamento contribuem para o problema. “O rio fica assoreado, mais raso e espraiado, isso provoca as enchentes”, explica.
Tais problemas exigem, conforme a ambientalista, uma gestão “ampla” e “apurada” tanto da Agência Tocantinense de Saneamento, que atende os pequenos municípios, quanto da BRK Ambiental, que é responsável pelo abastecimento de água nas cidades de grande porte. Para ela, a preservação dos recursos hídricos também envolve um trabalho conjunto com os municípios, Estado, entidades de classe, usuários, principalmente os produtores rurais, “para que eles não desmatem as nascentes”.
“É preciso envolver os comitês de bacias, envolver os municípios, Estado, grandes usuários e passar a ter esses cuidados: não fazer uso excessivo, ou seja, além da capacidade do rio; preservar as nascentes e matas ciliares e respeitar a área ativa do rio”, ressalta.
Araguaia problemático
Em entrevista ao CT, o engenheiro agrícola e especialista em Gestão e Monitoramento de Recursos Hídricos, professor Carlos Spartacus da Silva Oliveira, comentou que em algumas regiões a falta de água, no período de estiagem, e os alagamentos, na época de chuva, são problemas relacionados à própria característica do Rio Araguaia. “O Araguaia é super problemático porque é arenoso e plano. A água superficial drena muito rápido e some muito fácil. Então, qualquer chuva alaga a região e quando chega o período de estiagem ele fica sem água”.
Por isso, é importante que sejam realizados estudos e projetos de revitalização do Rio Araguaia, além de integração de bacias, canais de desvios, reservatórios para armazenamento de água e barragens de contenção para minimizar os alagamentos e a estiagem. “Se não forem pensadas obras de infraestrutura hídrica, esses problemas não vão acabar nunca”, afirma o docente do Ceulp-Ulbra.
Conforme o especialista em gestão de Recursos Hídricos, o Rio Tocantins, com mais de 2 mil quilômetros de extensão, “tem capacidade de abastecer o Brasil inteiro”. Porém, no Estado, apenas Tocantínia recebe água deste curso de água. Grande parte dos municípios, 60%, são abastecidas por poços artesianos.
Spartacus reforça que só é possível armazenar água do Rio Tocantins para abastecer as comunidades, principalmente no período de estiagem, com grandes obras hídricas. “O pessoal fica falando da parte ambiental. Lógico que vai afetar. Toda obra tem uma parte que gera problemas ambientais, mas os benefícios justificam. Se não construirmos grandes obras hídricas nós não vamos conseguir acabar com a estiagem”.
Para ele, preservar a água não é “deixar ela entrar e sair do Estado sem nenhum benefício”. “A maioria das pessoas ficam discutindo em preservar nossa água como se fosse guardar ela. Se for simplesmente preservar por preservar, a água entra e sai do Estado sem deixar nenhum benefício. Não vai ajudar a gente no futuro. Nós temos que preservar usando ela com muita responsabilidade, usar o máximo, em benefício do Estado, da produção agrícola e de suprir outras regiões”, opina.
Água em abundância
Nem tudo em relação aos recursos hídricos é adversidade. O que há de benéfico no Tocantins nesta área é a abundância e a qualidade. “Nós temos dois grandes rios e eles são bastante significativos, em termos de oferecimento de quantidade e qualidade de água e também em biodiversidade de peixes. Temos diversos outros rios que deságuam nestes dois rios e que não estão poluídos”, destaca a doutora em meio ambiente.
A paisagem do cerrado tocantinense, com suas cachoeiras, fervedouros, praias de água doce, cascatas, cânions, lagos, rios e riachos também contribui para o desenvolvimento econômico, pois é atrativo para visitantes de todo Brasil e do mundo. A ambientalista, entretanto, adverte para a exploração turística sustentável desses recursos naturais.
“O turismo se for mal conduzido pode causar bastante prejuízo. Quem faz o uso e aproveitamento do bem turístico tem que perceber que não adianta receber um número grande de turistas se esse manancial vai estar secando ou cheio de lixo. Tem que ter uma regra, tem que fazer isso de uma forma mais sustentável”, alerta, acrescentando que é importante estabelecer normas para uso desses bens turísticos.
Para o professor Spartacus, também é necessário inserir em todos os pontos turísticos pessoas para orientar sobre a educação ambiental. “A gente sabe que o homem praticamente é um destruidor natural. Então é preciso zelar desses recursos. O Estado tem que delimitar e fechar algumas áreas para manutenção as matas ciliares e estabelecer roteiros de entrada e saída coordenado por pessoas para não deixar que cada vez mais degradem o nosso meio ambiente”, enfatiza.
Infraestrutura verde
A Organização das Nações Unidas (ONU) celebra o Dia Mundial da Água com o tema “A natureza pela água”, um chamado em prol de soluções para questões hídricas baseadas na natureza. Grupos de pesquisadores do Tocantins, Ministério Público Estadual e Naturatins, segundo Marli dos Santos, vem buscando se aperfeiçoar nesse sentido. O estímulo vem da própria sociedade que também cobra a resolução dos problemas de gestão e preservação dos recursos hídricos.
Já Spartacus acredita que é possível o Tocantins focar em soluções baseadas na natureza através da recuperação das matas ciliares de todas as bacias e dos pequenos mananciais. Por outro lado, ele aponta que em determinadas regiões do Estado não é possível utilizar a “infraestrutura verde”. “Existem locais que, infelizmente, pela deterioração, tem que ter interferência de obra”, justifica o especialista.
A ONU, contudo, menciona que a proteção e expansão de zonas pantanosas, bem como a reposição de reservatórios hídricos subterrâneos são duas possibilidades para garantir estoques de água limpa, que são mantidos pelo próprio meio ambiente, com custo menor do que represas construídas pelo homem.
A poluição gerada pela agricultura, segundo a entidade, pode ser reduzida com metodologias de conservação que evitam a erosão do solo por meio da diversificação das culturas. Outra medida é a criação de corredores de proteção vegetal ao longo de cursos d’água, com o replantio de árvores e arbustos nativos nas margens de rios — o que também pode amortecer o impacto de enchentes em comunidades ribeirinhas. Para contornar cheias, a ONU também recomenda reconectar rios a planícies de inundação, a fim de facilitar o escoamento natural da água.