— O deputado está?
— Em campanha…
— Mentira! Sempre falam isso para se livrar de pobre.
Bruno Jordão só tinha ido à porta do comitê fumar um maldito cigarro. Mais um motivo para largar esse vício terrível. Mal havia riscado o fósforo foi cercado pelo sujeito. Ele, a mulher com um bebê no colo e um moleque de coisa de oito anos e serelepe. Com o chefe em campanha eleitoral, o jornalista tinha que incorporar espírito de vendedor, engolir o desaforo, dar um largo sorriso e mostrar todo respeito pelo petulante.
— Entendo o senhor, mas é verdade… – tentava esboçar o máximo de simpatia numa máscara de riso. – Ele está em reunião lá para os Aurenys.
— Rum! Falei pra você, mulher… É perda de tempo…
A vontade era de abrir as comportas e dar passagem a todos palavrões mais inomináveis, mas à sua frente estavam dois votos.
— De repente eu poderia ver como ajudar o amigo… – Jordão ainda fixava o pensamento na urna.
Foi medido dos pés à cabeça.
— E o que você faz aqui?
— Sou o assessor de imprensa.
— E o que é isso?
—Atendo jornalistas e divulgo as ações do nosso candidato – Jordão não sabia até quando conseguiria manter a pose.
— Seguinte, seu assessor de… como é?
— Imprensa…
— Isso aí. Simples e direto… Proponho uma troca boa para o deputado, quer dizer, o candidato aí de vocês que quer ser deputado, e para minha família, claro…
Jordão despejou um “pois não” curioso para ver aonde aquilo ia dar. À porta do comitê passava de tudo e se via de tudo. Já não conseguia imaginar o que seria desta vez. A criatividade ganha asas ao infinito em período eleitoral.
— A família é grande. Além de nós – apontou para ele e a mulher –, tem meu pai, minha mãe, sogro, sogra, irmãos e irmãs, sobrinhos e sobrinhas, cunhados e cunhadas. No total, dá 25 votos…
— E? – Jordão já pressentia o que se aproximava.
— Ué, moço! Temos aqui um bom negócio! Imperdível para o seu candidato! Preciso terminar o muro e aumentar um quarto lá em casa. Esses muquifos em que os políticos nos jogam não cabem nada. Então, precisamos de mais espaço e cercar por causa dos malandros.
— Entendo… – fez Jordão buscando uma forma de contornar a oferta e, ao mesmo tempo, segurar, senão os vinte e cinco, pelo menos os dois votos à sua frente. – Mas…
— Não tem “mas”, seu assessor de sei lá o quê! É pegar ou largar…
O jornalista deu uma profunda tragada no cigarro, e nessa hora já agradecia ao vício que lhe aliviava nesses momentos tensos, pelos milésimos de segundos que o tirava dali, arrastando sua mente com fumaceiro que baforava.
— E então? Negócio fechado? – o homem, apressado, interrompeu todo o êxtase.
— Meu amigo, nosso candidato não compra voto – começou Jordão, diante de um eleitor que se impacientava mais e mais a cada palavra que ouvia. – Ele apresenta propostas para beneficiar a vida da população…
— Amigo! – devolveu com ironia o cidadão. – Isso já não cola mais. Vocês querem de graça para vender caro no mandato, né? Nã, nã, nã, nã, não… Já sabemos bem como funciona. É toma-lá-dá-cá. Se querem faturar bem depois da posse, precisam pagar o que nosso voto vale, ou não tem negócio.
— Não estamos falando de negócio, meu senhor, mas de cidadania… De melhoria da vida da comunidade, brigando por obras essenciais, fiscalizando os atos do Executivo, elaborando leis que promovam justiça.
O sujeito levou a mão à cabeça como se ouvisse o maior dos insultos. Olhou a mulher com incredulidade, tentando se certificar de que não era traído pelos ouvidos, e riu desdenhoso.
— Rapaz, em que país você vive? Obras superfaturadas, nomeações de cabos eleitorais no governo e dar título de cidadania! É disso que estamos falando?
O jornalista ainda procurava forças para manter a pose de simpático vendedor. O eleitor rodopiava exasperado à sua frente, indiferente aos pedidos de calma dirigidos pela constrangida mulher, que, em saltinhos, ajeitava o bebê no colo. O moleque serelepe não parava de pular, deitar e levantar. Toda aquela barafunda parecia espremer a cabeça de Jordão por um funil, e ele agora só pensava num jeito de se retirar dali, sem os votos, mas também sem escândalo.
Foi salvo pelo próprio revoltoso.
— Quer saber? – fez por fim o recalcitrante eleitor. – Diga para seu candidato a deputado que, por sua causa, ele perdeu um bom negócio! – o dedo apontava em riste tão próximo ao rosto que o jornalista teve que fazer um súbito recuo de cabeça.
O homem saiu andando desembestado. A mulher encarava Jordão com um sorriso pálido e o serelepe foi no rastro do pai em piruetas.
— Vamos logo, mulher! – ordenou o sujeito já bem à frente. – Quer ser deputado sem gastar com o povo. Quer voto de graça… Só pensa neles! Vamos procurar o Doutor Hélio… Ele sabe fazer política… – resmungou sem se voltar para a esposa.
Aliviado, Jordão pisou na guimba e voltou para dentro do comitê, prometendo para si, pela milionésima vez, que iria largar o cigarro. Enquanto isso, pelo menos, evitaria a frente do prédio nos intervalos. Afinal, nunca teve tino para negócio.
CT, Palmas, 5 de janeiro de 2021.