Jamais me cansarei de dizer, tantas vezes quantas necessárias, que escrever pressupõe, obrigatoriamente, gostar e ter o prazer de ler. A primeira atividade é quase impossível ocorrer sem a segunda. E sendo assim, as pessoas que exercem essas artes, ou manias, como muitos dizem, têm o feliz hábito de sempre compulsar pedaços de lembranças escritas em pequenos papeis e deixados de lado ou esquecidos em alguma estante ou fundo de gaveta.
Há poucos dias, exercendo esse meu direito, encontrei uma minúscula agenda de bolso, datada do início da década de oitenta. Do tempo que não existiam WhatsApp e a famosa rede social, autênticos devoradores de tempo e meios de se fazer amizades à distância, bem como espalhar incompreensões.
Folheando a pequena agenda, em cada página encontrava números de telefones e endereços de inúmeras pessoas. De algumas que se foram para lugares bem diferentes e esqueceram-se ou não quiseram deixar o novo número; de amigos que se foram para diferentes países, estados diversos ou para outras cidades; de políticos que acompanhamos por muito tempo e mudaram a personalidade depois que conheceram o poder e esqueceram-se dos amigos que lhe ofereceram as mãos quando mais precisavam; de muitos parentes e pessoas outras que se aproximavam de nós apenas por interesses pessoais ou dos cargos que ocupamos; de outros que se diziam fiéis e que se tornaram infiéis; de pessoas que passaram por nós como aves de arribação, e até números de telefones de tantas pessoas que já partiram para outras dimensões.
Definição que a nossa língua pátria dá a essa palavra agenda: “livro destinado à anotação dos compromissos diários e de outras informações (despesas, aniversários, números telefônicos, endereços etc…) ou plano de trabalho; lista de assuntos a tratar,” foi que comparei aquele pequenino livro com a nossa própria vida, concluindo que cada pessoa é uma espécie de agenda viva dividida em fases e que ao invés da ordem alfabética para anotarmos nossos compromissos, nesta tudo é catalogado em momentos que assumem maior ou menor importância de acordo com os acontecimentos.
Na forma mais poética de analisar essa agenda, poderíamos dividi-la em duas etapas, ou duas partes, como queiram: A primeira quando ainda somos crianças e se sequer entendemos que somos totalmente felizes. É quando somos parte integrante da natureza e acreditamos em tudo que temos e vemos, quando todos amores se transformam em paixões e quando somos membros efetivos e íntimos da família e dos quintais. Despesas não fazem parte do calendário dessa fase. As datas natalícias dos parentes e amigos são lembradas pela intensidade do amor que dedicamos a cada um deles. Números telefônicos praticamente não existem e endereços só dos primos e irmãos tatuados na alma e no coração. Planos, só das brincadeiras. Assuntos a tratar só aqueles que ocorrem de improviso.
A segunda fase seria aquela que nos conscientizamos que somos parte de um sistema de conflitos de interesses absurdos. Quando somos obrigados, por etiqueta, frequentar a sociedade e descobrimos que vivemos numa verdadeira selva, cercados por feras que se intitulam de pensantes e acham que sabem tudo sobre todos os temas; quando somos obrigados a traçar planos para o futuro sob pena de sucumbirmos ou sermos devorados pelo consumismo do chamado mundo contemporâneo. É quando começamos a perdem parentes e amigos contemporâneos e descobrimos que envelhecemos e passamos a ter saudade mais intensa dos tempos que ficaram para trás.
Mas desta imensa e ao mesmo tempo minúscula agenda da vida, (a vida é muito passageira) restam duas páginas em branco: A primeira e a última e que contêm enormes interrogações sobre dois transcendentalíssimos mistérios. Na primeira, qual a razão de termos nascido e por que estamos aqui neste minúsculo planeta Terra apenas de passagem? Na última, por que morreremos um dia e partiremos para nunca mais voltar?
JOSÉ CÂNDIDO PÓVOA
É poeta, escritor e advogado; membro-fundador da Academia de Letras de Dianópolis.
candido.povoa23@gmail.com