Caro Elizeu,
A decisão do Supremo Tribunal Federal de rejeitar os embargos do governo do Estado consolida a conquista dos 25% de reajuste pelos servidores do quadro geral e da saúde do Tocantins. Claro que as iniciativas do Executivo nesta fase do processo são meramente protelatórias, o exercício do que os operadores do direito classificam de jus esperneandi. E trata-se bem disso: o espernear de quem não sabe o que fazer para descascar um abacaxi desse tamanho, logo agora que a Secretaria do Tesouro Nacional elevou a nota de nossas contas de C para B.
Sim, além do problema financeiro de tirar dinheiro de algum lugar para cobrir o impacto anual de cerca de R$ 350 milhões, uma 14ª folha, a incorporação desses 25% incidirá diretamente nos limites da Lei de Responsabilidade Fiscal, uma vez que o comprometimento da Receita Corrente Líquida passará a ser maior.
Caro Elizeu, para absorver esse valor milionário, o governo do Tocantins terá que fazer um brutal enxugamento (o que pode comprometer a qualidade dos serviços públicos, muitos deles já precarizados), ou correrá sério risco de ver sua nota rebaixada pela STN nos próximos meses, jogando por terra a possibilidade de conseguirmos financiamentos, como os US$ 300 milhões junto ao Banco Mundial, fundamentais para a retomada do desenvolvimento do Estado e prepará-lo para um salto para o futuro.
Culpa do servidor? Nem de longe. O servidor é parceiro fundamental do Tocantins, e é mais que justo que um direito reconhecido pela Suprema Corte do País seja repassado a ele. A origem pelo que ocorreu em todos esses anos está na classe política tocantinense, sobretudo nos dirigentes do Estado, que foram incompetentes, como no caso desses 25%, ou agiram visando objetivos meramente eleitoreiros, como na elaboração da maioria dos PCCSs; e, de forma irresponsável, chafurdaram nossas contas no lamaçal da mais completa irresponsabilidade fiscal. Felizmente, todos eles foram fragorosamente derrotados pelo eleitorado nesses projetos de poder pelo poder, em que o interesse público não tinha guarida.
Amigo Elizeu, ainda que minha avaliação seja sempre refutada pelos sindicatos, nenhum deles ainda me convenceu do contrário: as entidades trabalhistas têm também muita responsabilidade pela situação de penúria que a categoria enfrentou nos últimos anos. Pela ação e pela omissão. Neste último caso, sempre cito a falta de vigilância e de denúncia pública e em alto e bom som dos ataques sofridos pelo Igeprev. Isso é fundamental, porque os desfalques contra o instituto podem comprometer a aposentadoria de vocês.
No primeiro caso, da ação, presidente, ocorreu quando da elaboração dos planos de cargos, carreiras e salários, na primeira década dos anos 2000. Os sindicatos não se preocuparam em garantir suas conquistas dentro da capacidade de pagamento do Estado. Tínhamos, dessa forma, de um lado, políticos que só queriam saber de sua reeleição; e, de outro, entidades trabalhistas que vislumbravam tão somente fazer média com seus filiados e abocanhar o maior pedaço possível de um bolo pequeno. Um fato concreto foi totalmente negligenciado: se o Tesouro estadual conseguiria ou não abarcar os direitos reivindicados.
Elizeu, sei que a lógica pragmática é obter o máximo e depois negocia-se com o governante de plantão como pagar. Contudo, a apropriação desse inciso da Lei de Gerson, fora de qualquer razoabilidade, fez com que os servidores ficassem anos sem receber data-base e progressões, pelo motivo, mais simplório: total falta de dinheiro para tal. Como na elaboração dos PCCSs não se pensou pontos fundamentais – como a capacidade de pagamento, projeção de crescimento do Estado e, consequentemente, das demandas por serviços públicos –, não só não se pode liquidar esses direitos garantidos no papel, como ainda o governo ficou impedido de realizar os concursos para atender a ampliação da procura pelos hospitais, delegacias, assistência social, escolas, etc.
No frigir desses ovos estragados, amigo, o servidor, além de não receber o que lhe é devido, ainda tem que trabalhar mais, porque, sem dinheiro, o Estado não tem como contratar mais efetivos. Falam de muitos contratos e comissionados, mas, na verdade, o número deles diminuiu em relação aos primeiros 15 anos deste século, e só aumenta mesmo, malandramente, em período eleitoral. Os que ainda estão por aí, em grande parte, é graças à incapacidade financeira do Estado de fazer concursos.
O resultado dessa falta de pensar os interesses da classe de forma responsável e madura, Elizeu, é o acúmulo estimado de R$ 2 bilhões de passivos do governo com seus servidores. Como fazer? Claro que, ao longo dos anos, o Executivo gastou mal em diversos setores – a exemplo da contração de consultorias que nunca mostraram resultados –, houve corrupção e há também a grande chaga das gestões estaduais: a mais completa falta de planejamento. Contudo, a má condução do Estado na política trabalhista não se resolveria sem esses outros problemas. É parte de um mesmo pacote, que, no todo, faz com que os elos mais frágeis paguem mais por essa conta: a população pobre, que fica sem serviços ou com eles precarizados, e o servidor, sem acesso aos direitos conquistados, mas mal dimensionados porque irreais.
Assim, meu caro, para além dos 25%, você, como um novo líder de classe que emerge nesta terceira década do presente século, cheio de vontade, tem sobre seus ombros a responsabilidade de corrigir essas distorções históricas para garantir que os servidores não sejam mais relegados a um terceiro plano. Um primeiro passo necessário é adequar os PCCSs à capacidade de pagamento do Estado, considerando, claro, o crescimento da arrecadação, mas também a projeção do aumento populacional e, consequentemente, pela demanda por serviços públicos. Ou a categoria, volta e meia, estará colocando à mesa para o debate direitos não recebidos.
Sempre sustento, Elizeu, que o maior defensor da responsabilidade fiscal do Estado precisam ser os sindicatos, mesmo nas discussões sobre melhorias salariais. Entidades representativas e servidores nunca podem perder de vista uma realidade muito básica: governadores e secretários passam, mas vocês permanecem, e podem ficar com o que restou da terra arrasada deixada por eleitoreiros sem qualquer espírito público, ou com um Estado robustecido por suas contas saudáveis e, por isso, com elevada capacidade de investimento na qualidade de serviços que presta à população (considerando aí, inclusive, o poder de agregar mais concursados aos quadros) e nas condições salariais e de trabalho que oferece à categoria.
Assim, amigo, vocês, servidores, mais do que essenciais ao desenvolvimento do Tocantins, são os maiores guardiões deste projeto de construção de um Estado pujante, humanista e solidário, com o qual todos estamos comprometidos.
Saudações democráticas,
Cleber