Uma postagem que fiz no feriado da Independência deu o que falar. Teve até “tiktokquer” que se deu ao trabalho de gravar um vídeo (gostei muito, diga-se) sobre meu comentário, vieram ataques pessoais no meu WhatsApp – claro, devidamente tratados –, xingamentos em grupos diversos, enfim, causei. Posso ter exagerado, reconheço, e peço minhas escusas pelos adjetivos desproporcionais, mas o conteúdo foi certeiro. Por isso, no mérito, mantenho o que escrevi, mas retiro as incivilidades que minha irascibilidade imprimiu ao texto.
Os brasileiros precisam rever a forma como se comemora o Sete de Setembro, ou o Dia da Independência, uma festa que nas palavras exatas da historiadora Lilia Schwarcz foi sequestrada pela ditadura militar. “Mas um outro sequestro estava sendo preparado por ocasião dos 150 anos do 7 de setembro, em 1972: em plena ditadura militar. Essa foi a vez das Forças armadas tentarem capturar o 7 de setembro como se fosse uma festa militar. Não foi: era até então uma efeméride civil. Mas a partir de então virou um desfile militar com direito a tanques e soldados desfilando nas ruas”, afirmou ela em seu perfil no Instagram.
Segundo Lilia, que tem um livro a respeito do tema com Carlos Lima e Lúcia Stumpf (“O sequestro da independência”), a data em que comemoramos o Sete de Setembro sofreu outros sequestros, além desse da ditadura, nos anos 1970. Primeiro pelo Imperador Dom Pedro I, “que exaltou, ele mesmo, o próprio ato, mas apenas em 1827”— ressaltando que o grito de “Independência ou morte” ecoou em 1822.
Depois, continua a historiadora, a data foi sequestrada por São Paulo que, “em 1922, procurou fazer da independência uma questão paulista”. “Juntou o Ipiranga com uma suposta índole local e ali preparou terreno para que São Paulo fosse entendido como motor da independência. Tudo errado … mas a moda pegou”, lamenta Lilia.
Após a ditadura militarizar, a data sofreu outro sequestro, ressaltou ela, pelo governo Jair Bolsonaro, que “capturou o Sete de Setembro nos últimos anos ao imprimir um caráter golpista e eleitoral às celebrações”. Para os bolsonaristas, aponta a historiadora, “a data era simbólica não só pela Independência, mas também porque o dia 6 de setembro é a data da facada sofrida pelo ex-presidente em Juiz de Fora em 2018 — e que tem sido usada politicamente por ele”.
Cirúrgica.
A comemoração deste ano teve já teve um enorme ressignificado, quando, meses após as desastradas tentativas de golpe de Estado de janeiro e das maluquices que assistimos a partir da derrota de Bolsonaro, um comandante regional do Exército, na quinta-feira, 7, sobre um tanque, bateu continência para o presidente Lula e pediu autorização para iniciar o desfile ainda militarizado. Depois pela foto dos comandantes das três forças – Exército, Marinha e Aeronáutica – também batendo continência para Lula. Os dois episódios são históricos porque os militares radicalizados diziam que não prestariam essa deferência ao novo comandante em chefe das Forças Armadas. Pois o fizeram, e isso consolidou a vitória da democracia contra os ataques que sofreu do fascismo à brasileira.
Contudo, a minha crítica que gerou toda a polêmica se deu pela vibração geral da extrema direita de que faltou público ao Sete de Setembro. O que disse – e reafirmo aqui, com mais civilidade, admito – é que o campo progressista – ao qual me incluo – não tem qualquer apego a esta festa, justamente por ter sido sequestrada pela ditadura, que prendeu ilegalmente, torturou e assassinou centenas de brasileiros. Esse campo prefere eventos ligados aos direitos humanos, à luta dos trabalhadores, pela busca de justiça social, contra as abismais desigualdades impostas historicamente pela elite cruel e exploradora que sempre desfrutou de toda fartura às custas da miséria da maioria mais do que absoluta do povo deste País.
Implementar essa dimensão de luta que o Brasil ainda precisa travar para se tornar um país melhor, junto com a desmilitarização da data, é fundamental para tornar o Sete de Setembro um dia de festa que inclua toda a população e para dar a ela um sentido nobre, sem o falso patriotismo que hoje é a sua maior característica.
Lutei e continuarei nessa trincheira contra o fascismo à brasileira para ter o direito de dizer essas coisas incômodas mas necessárias, e seguirei dizendo, à despeito das insatisfações que gero. Mas prometo ter mais cuidado para não ferir as suscetibilidades daqueles que não conseguem alcançar esse pleno significado que a festa da Independência precisa a ter.
Assim, a quem se sentiu ofendido, mais uma fez peço minhas desculpas.
CT, Palmas, 11 de setembro de 2023.