Cara secretária Débora Guedes,
Primeiro quero dizer que não tenho nada contra qualquer religião, ainda que não seja mais fiel de nenhuma e nunca mais queira sê-lo. Respeito todas aquelas que têm o verdadeiro propósito de melhorar o ser humano e que não visem apenas manipular, faturar e ganhar poder político. Dessas tenho pavor. O debate em tela, porém, não é o protestantismo ou o neopentecostalismo, mas a Constituição Cidadã de 1988.
Após a publicação da nota do Em Off, li comentários de quem está intoxicado pelo dogmatismo nefasto e que viram no que escrevi algo contra a bíblia. Absolutamente nada contra. Acho um livro de sabedoria maravilhoso, apesar de eu rejeitar aquilo que era cultural há 2 mil, 3 mil e 4 mil anos e que não pode mais ter espaço no século 21. No entanto, secretária, também isso é uma questão de fé, e cada um tem a sua, todos merecem respeito e a garantia do direito de exercer sua crença sem constrangimento.
É justamente aí, professora Débora, que entra nossa indagação. Alguém ir às escolas distribuir bíblias é uma forma de constrangimento, avalizado pelo Poder Público, àqueles que professam outra fé que não a cristã e não reconhecem esse livro como o seu sagrado. Missionários distribuírem bíblias em praças públicas e empresas estão no seu direito. Mas em unidades educacionais públicas, e a crianças, não. Esse ato se apresenta como se para mostrar a suposta superioridade de uma religião sobre a outra. Ainda que simbolicamente, deprecia a fé alheia.
Outro ponto fundamental é que, se evangélicos podem fazer proselitismo, isso deve ser permitido a católicos, espíritas, budistas, umbandistas, candomblecista, muçulmanos, entre outros. Será permitido? Vi uma observação na nota de sua secretaria que me preocupou: “colocando-se [a pasta] à disposição para que outras entidades filantrópicas possam procurá-la caso também haja interesse em dar continuidade a algum trabalho que em anos anteriores já vinha sendo realizado”.
Parece, secretária, que criam aí uma “vacina” para negar acesso de outras crenças. A nota de vocês ressaltou uma parceria de 30 anos com os Ministério Gideões Internacionais, por isso, deu a autorização para a distribuição de bíblias. Fiquei com a impressão de que se alguém do candomblé chegar na Semed agora para iniciar também uma ação religiosa será impedido porque não é um “trabalho que em anos anteriores já vinha sendo realizado”. É isso?
Se for, professora Débora, é um absurdo. Porque essa questão não deve ser avaliada pelo período de atuação, mas pelo que diz a Constituição, e ela afirma que o Estado é laico e todos têm liberdade de crença. Se o Gideões distribuíam bíblias no passado nas escolas, não deveriam mais fazê-lo hoje. Os tempos mudaram, agora todas as religiões querem receber o mesmo tratamento. E, se as escolas se abrirem a todas, as crianças só terão atividades religiosas.
Também é bom frisar que essa concessão não é um problema exclusivo de sua gestão, já que secretários que a antecederam também permitiam o proselitismo. Contudo, como o apocalipse ainda não chegou, sempre é momento de reavaliação e de correção de rumos.
Assim, secretária, seria melhor deixar que cada família ensine sua crença em casa e nas igrejas e que a escola seja espaço tão somente de formação cidadã, científica e cultural.
Saudações democráticas,
CT