A princípio, não se trata de nenhuma ilegalidade, mas, sim uma estranha curiosidade que aparece na análise do Decreto Nº 930, baixado pelo prefeito de Palmas, Carlos Amastha (PSB), em 11 de dezembro de 2014, que declara de utilidade pública, para fins de desapropriação, áreas de terras pertencentes ao advogado Egon Just e outros donos, registradas em cartório com a matrícula M-22.099.
O imóvel está no centro da Operação Nosotros, cujo relatório, assinado pelo delegado da Polícia Federal Júlio Mitsuo Fujiki, conluiu indiciando Amastha e quatro de seus secretários por associação criminosa, corrupção passiva e excesso de exação (cobrança sem base legal).
A singularidade do caso é o decreto ter sido publicado no Diário Oficial do Município às 18h26 do dia 11 de dezembro de 2014, apenas 24 horas depois de o então governador Sandoval Cardoso (sem partido) revogar um decreto estadual, de outubro daquele ano, que havia desapropriado a mesma área do advogado Egon Just, também sob alegação de utilidade pública.
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Em vigor desde 30 de outubro de 2014, o Decreto n 5.138, assinado por Sandoval desapropriava a mesma área e sua revogação ocorreu com a publicação do Diário Oficial Nº4.275, publicado às 18h58 do dia 10 de dezembro de 2014.
Assim, o governador Sandoval revogou a desapropriação do imóvel às 18h58 do dia 10 de dezembro para, no dia seguinte, às 18h26, as terras serem novamente desapropriadas pelo prefeito Amastha.
Coincidentemente, as duas gestões, que eram aliadas nas eleições de 2014, miraram o mesmo alvo. A diferença entre os dois decretos foi a inclusão, no ato administrativo baixado por Amastha, das terras pertencentes aos vizinhos de Just, o imóvel da matrícula M-20338, pertencente a Mario Petrelli Filho e outros donos.
Masterplan
As áreas desapropriadas foram incluídas no projeto urbanístico “Masterplan”, contratado por R$ 750 mil pelas empresas DEG Mais; Harmonia Participações e Investimentos, e a Alfa Empreendimentos Imobiliários, segundo o relatório final da PF.
Nele, o delegado Júlio Fujiki afirma que uma “associação criminosa” instalada na Prefeitura de Palmas tinha como objetivo “lucrar com as valorizações em terrenos decorrentes das obras do BRT”. O relatório indica que empresários, municiados de informações privilegiadas sobre a futura instalação do novo sistema de transporte, contrataram projeto urbanístico para a área que seria beneficiada pelas obras, alvo de Decreto de Utilidade do Paço.
Entretanto, a Polícia Federal destaca que boa parte dos terrenos que poderiam ser favorecidos com o projeto não era do grupo empresarial. “Foi aí que se iniciou uma série de achaques de gestores municipais contra proprietários de terras”, comenta. A execução do Masterplan, segundo a PF, ficou a cargo da Jaime Lerner Arquitetos Associados; da Antunes de Oliveira Arquitetura, e da Urbtec Engenharia. “Chama-nos atenção o interesse desses empresários em contratar um ‘masterplan’ para áreas que não estavam sob o controle dos contratantes. A única justificativa plausível é o conluio de tais empresários com agentes públicos para se beneficiarem das externalidades provocadas pelas obras da prefeitura”, pondera no relatório o delegado.
Aliados
Nas eleições de 2014 o prefeito Amastha era um dos aliados de Sandoval, que exercia mandato tampão e foi à reeleição, derrotado em outubro por Marcelo Miranda (MDB), que obteve 360.640 votos (51,30% dos votos válidos), enquanto o então governador alcançou 44,72% (314.392 votos).
Após deixar o governo, Sandoval se tornou um dos alvos da Operação Ápia, da Polícia Federal, que investigou uma organização criminosa investigada por fraude em licitações públicas e obras de terraplanagem e pavimentação asfáltica em rodovias estaduais, em contratos com desvios estimados de R$ 200 milhões. O ex-governador chegou a ser preso em 2016, em uma das fases da operação.
O advogado Egon Just é um dos maiores devedores do Imposto Territorial e Urbano de Palmas (IPTU) da Capital. Ele chegou a gravar uma conversa com o prefeito Carlos Amastha. O relatório do inquérito da Polícia Federal cita o áudio da reunião entre os dois. Nele, Amastha teria dito: “Você me acerta a vida e a gente levanta imediatamente [o ato de desapropriação da área]”. O entendimento do delegado federal Júlio Mitsuo Fujiki é que a fala de Amastha é uma referência ao IPTU devido. “Tal fato, por si só, já configura o crime de excesso de exação [cobrança sem base legal]”, conclui Fujiki.
Sobre o decreto de desapropriação de Amastha, o delegado federal faz a seguinte observação em seu relatório: “Inevitável, portanto, concluir, que a municipalidade decretou a área como de utilidade pública sem o intuito de dar finalidade pública à área. Além disso, o ato administrativo foi editado sem possibilidades concretas (financeiras) de sua efetivação, vale dizer, sem que a prefeitura dispusesse do montante para o pagamento da indenização justa e prévia em dinheiro”.