A retomada da economia é o que todos almejamos. Afinal, não há um só setor que não esteja acumulando prejuízos com a crise provocada pela Covid-19. E este é o cerne de todo o debate. Quem parou o mercado não foi a quarentena para garantir o necessário isolamento social, mas o novo coronavírus. Como disse o doutor em virologia Átila Iamarino, “se você não fechar, a Covid-19 fecha”.
Ou seja, se não pararmos, o vírus, de altíssima transmissibilidade, circulará mais rápido, mais gente adoecerá e teremos que suspender as atividades na marra. Essa rebeldia contra a Covid-19 — não contra políticos ou medidas de isolamento em si — só servirá para permanecermos com as atividades interrompidas por muito mais tempo.
O plano de retomada é muito bom para quando Palmas estiver na descida da montanha. Os números estarão todos decrescentes: casos diários, mortes, internações, ocupação de leitos clínicos e UTIs. Aí, sim, vamos escalonar o retorno às atividades econômicas, com todas as restrições e cuidados com as quais precisaremos conviver daqui para frente
CLEBER TOLEDO, jornalista e editor da Coluna do CT
Se parássemos e ficássemos em isolamento social sério — não esse que está aí para tentar enganar a Covid-19 —, haveria prejuízo do mesmo jeito, mas por menos tempo, porque o vírus daria uma trégua e poderíamos mais rapidamente planejar o retorno ao “novo normal”, com todas as restrições com as quais teremos que nos habituar daqui para frente. Pelo menos até o surgimento de um remédio ou vacina.
É sob essa óptica que avalio o plano para retomada das atividades econômicas de Palmas anunciado nessa sexta-feira, 29, pela prefeitura. Claramente, a prefeita Cinthia Ribeiro (PSDB) cedeu às pressões dos diversos segmentos empresariais e, portanto, a proposta é a institucionalização da rebeldia contra o vírus, que, insensível, vai dar de ombros e pisará no acelerador na sua investida para dominar a cidade.
A Prefeitura de Palmas definiu que dia 8 de junho volta a funcionar o comércio varejista, concessionárias, lojas de departamentos e parques e praças. No dia 15, poderão retomar os trabalhos shoppings (com exceção da área de entretenimento), restaurantes (self-service e a la carte), academias e escolas de natação e esportivas. Falta combinar com o vírus.
Veja só: foi definida uma metodologia por cores para localizar o cenário da pandemia da Capital em cinco fases: a 1, vermelha, de alerta máximo, na qual só pode funcionar o essencial; a 2, laranja, de controle, com eventuais liberações; a 3, amarela, quando começa a ampliar a flexibilização; a 4, azul, quando as autorizações para funcionamento se ampliam com as devidas restrições; e, por fim, a 5, verde, quando a doença está controlada, há a liberação de todas as atividades com o devido protocolo.
O que me chamou a atenção na fala da secretária de Desenvolvimento Econômico e Emprego, Mila Jaber, durante a entrevista coletiva dessa sexta-feira, foi quando afirmou que Palmas está saindo da fase amarela para a azul. Claro que como leigo, alguém que, por dever de ofício, tem lido muito sobre o assunto e assistido inúmeras falas de cientistas e especialistas diversos, a figura que mais representa o percurso de uma nação nesta pandemia é a que era usada pelo ex-ministro da Saúde Henrique Mandetta, a de uma montanha.
A Covid-19 nos obriga fazer uma caminhada rumo ao pico e nesse trajeto o ambiente vai se tornando mais escuro e inóspito, os obstáculos maiores, provocando muitas baixas, lágrimas e dores. Então alcançamos um platô, onde não há um rio caudaloso nem um sol brilhante. É quando somos envoltos por uma tempestade ainda mais terrível, mais agressiva, com raios assustadores. As baixas crescem exponencialmente, não há socorro que dê conta de tantas vítimas e o único vale que vislumbra é o de sangue e dor. Ficamos nesse platô por semanas, como num purgatório, até que vem a trégua.
Aos poucos, como o pecador que já pagou por seus erros, vamos sendo reconduzido ao pé da enorme montanha de dores. Nessa volta, a borrasca vai cedendo, as baixas diminuem, as lágrimas também e as dores se tornam mais suportáveis. De volta ao pé da montanha, novamente vislumbramos o sol, respiramos o ar puro a plenos pulmões, o vento agradável lambe nossos rostos e nossas feridas. A vida, enfim, em relativa normalidade, mesmo sabendo que nunca mais esqueceremos de todo o flagelo.
Neste momento da jornada dolorosa que temos que percorrer ainda estamos na subida, não na descida, como deixou crer a fala da secretária Mila e também da prefeita Cinthia. Já ouvi alguém dizer que não há informação confiável para nos localizarmos nesta pandemia. Há sim. Simples questão de contas. Veja só: nesta semana, o número de casos da Covid-19 na Capital cresceu 30,4% (de 408 no domingo, 24, a 532 nessa sexta) e em maio acumula um salto de 706,1% (eram apenas 66 registros no dia 1º). O número de mortes aumentou 250% no mês, de duas para sete.
Se os números estão num crescendo significa, por matemática óbvia, que estamos subindo a montanha das dores. É frágil considerar a baixa ocupação de leitos clínicos e UTIs para autorizar a retomada da economia. Justamente porque ainda estamos marchando em direção ao cume da cordilheira. Além disso, conforme o Boletim Epidemiológico de Palmas, tínhamos nessa sexta 244 pacientes em isolamento e 14 internados. Se muitos deles evoluírem nos sintomas para algo mais grave, o que não é improvável, a estrutura da Capital poderá não ser suficiente para socorrê-los. O que foi, inclusive, alertado pelo Sindicato dos Médicos do Estado (Simed), em sua nota sobre a retomada das atividades econômicas: “Na atual configuração do serviço de saúde pública, o município não está em condições de conter o contágio”, avisou a entidade.
O plano de retomada é muito bom para quando Palmas estivermos na descida da montanha. Os números estarão todos decrescentes: casos diários, mortes, e ocupação de leitos clínicos e UTIs. Aí, sim, vamos escalonar o retorno às atividades econômicas, com todas as restrições e cuidados com as quais precisaremos conviver daqui para frente. Ressaltando que a Europa vai reabrindo muito lentamente mesmo tendo saído do pico há mais de um mês.
Implantar esse plano no momento da subida vai agradar o empresariado e enganar a população com a mensagem implícita de que está tudo sob controle, o que elevará exponencialmente o risco de contágio, porque muita gente vai voltar à vida “normal. Mas não espantará a Covid-19, que continuará fazendo estragos, sem se sensibilizar com o otimismo da prefeitura. Há um agravante: por Palmas ser um polo regional, poderá fazer com que o número de casos do novo coronavírus expanda nos municípios de seu raio de influência, que até agora tem baixíssimos índices de contaminação.
Por isso, o plano do município de retomada pode ser muito bom para quem quer voltar às ruas e ao trabalho. Mas, reafirmo, falta combinar com o vírus. Afinal, quem manda é ele.
Contaminar de manhã ou à tarde?
Nessa sexta, o prefeito de Gurupi, Laurez Moreira (PSDB), liberou a abertura das igrejas pelo período de 15 dias, a partir deste sábado, 30. Os casos lá vêm num crescendo: eram 4 no dia 1º e hoje são 94, alta de 2.225%. Na semana, alta de 17,7%.
Importante lembrar que Gurupi flexibilizou no dia 7, quando havia 19 casos, ou seja, já em alta. Agora são 94. Uma parte do comércio funciona de manhã e outra à tarde. Ou seja, coloca o cidadão na rua o dia todo. Porque vai numas lojas de manhã e em outras à tarde. Assim, o gurupiense pode escolher em qual período quer se contaminar.
Democrático.
CT, Palmas, 30 de maio de 2020.