Recentemente, usufrui de 30 dias de férias, algo que não fazia há pelo menos três anos. Como planejado, iniciei o período viajando para minha terra natal, Belo Horizonte. Geralmente, faço tal viagem de avião, porém, desta vez resolvi ir de ônibus e digo que foi uma verdadeira aventura de mais de 24 horas cruzando o país. Resolvi ir de ônibus por uma questão de nostalgia. Viajar uma longa distância com diversas paisagens e passagens por diversos lugares volta a me dar a sensação de que as coisas na vida realmente são longas e difíceis, e o que a fantasia do atalho aéreo pode nos fazer pensar é que é possível encurtar tudo, facilitar, a bem dizer.
[bs-quote quote=”Muitos delitos adstritos ao conhecido procedimento do termo circunstanciado de ocorrência poderiam não congestionar os fóruns com algo que poderia ser resolvido no nascedouro e, ali mesmo perecer. Mas não se nega que as pessoas têm natural dificuldade em chegar a consensos” style=”default” align=”right” author_name=”LEANDRO RISI SANTOS” author_job=”É delegado da Polícia Civil” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/06/leandro-risi60.jpg”][/bs-quote]
Durante o trajeto, pude prestar a atenção na fala de um senhor com uma senhora, ambos mineiros, afirmando que só existem delegado, juiz, promotor e etc porque existe crime. Na verdade ele disse “porque existe bandido”. De certa forma, não deixa de ser verdade, sem aqui considerar a profundidade de tal representatividade estatal em relação aos próprios fundamentos do estado de direito e da democracia. Notei, porém, que essa fala possuía uma carga de distanciamento, ou seja, o interlocutor citado se colocava a par do mundo que orbita tal “criminalidade”, sugerindo que, erradicada a criminalidade, poderíamos facilmente erradicar tais carreiras públicas e assim pagar menos impostos.
Bom, não é bem assim que as coisas funcionam e um dos problemas quanto a isso é justamente o tema desta pequena dissertação. Talvez, o estado teórico hobbesiano seja uma exposição crua e verossimilhante da própria realidade adjacente, isto é, aquela em que vivemos, parecendo que, em termos de Brasil, o dissenso entre as pessoas é uma máxima a ser considerada. É dizer que não olhamos o próximo como cidadão como nós mesmos, ou mesmo, preferimos ter razão a ter paz, mesmo que essa não seja a verdade. E o que isso tem a ver?
Vamos voltar ao senhor no ônibus e vamos nos colocar em seu lugar. Será que podemos nos colocar a par da própria criminalidade? Quantas pessoas aqui já ofenderam diretamente, ameaçaram ou mesmo falaram mal de alguém? Quantas pessoas dirigiram alcoolizadas pelo menos uma vez na vida? Quantas pessoas negligenciaram ou acresceram informações inexistentes em declarações de imposto de renda para obterem benefícios? Quantas pessoas pediram favores pessoais a funcionários públicos “amigos”?
Acredito que muitos responderiam “sim” a muitas dessas e outras perguntas que poderíamos fazer, cujas ações efetivadas são delitos previstos em lei. Assim, me pergunto, será que estamos tão afastados assim da criminalidade? Todos esses delitos movimentam a máquina estatal, envolvendo assim as carreiras pertencentes ao sistema de Justiça Criminal, a saber: delegados, juízes, promotores. Porém, muitos deles poderiam ser resolvidos com a conscientização, com o entendimento que o outro é um outro como nós mesmos, e, portanto, tem direitos e obrigações como as nossas.
Dessa forma, muitos delitos adstritos ao conhecido procedimento do termo circunstanciado de ocorrência poderiam não congestionar os fóruns com algo que poderia ser resolvido no nascedouro e, ali mesmo perecer. Mas não se nega que as pessoas têm natural dificuldade em chegar a consensos.
Assim, e se afirmássemos que poderíamos ajudar a resolver tais embates de uma forma mais célere e também mais eficiente, ainda na delegacia de polícia? E se ao invés de friamente formalizamos termos e termos e inundarmos o sistema de justiça criminal, possamos resolver tais demandas de forma mais cidadã com uma “conversa”, deixando que casos realmente mais complicados sejam resolvidos com maior celeridade na esfera judiciária. Será que não seria algo melhor?
Bom, essa realidade já existe na Polícia Civil de outros estados, onde na própria delegacia de polícia, em convênio com o judiciário, o ministério público e a defensoria pública, realiza uma primeira tentativa de conciliação, a qual tem se mostrado uma política acertada e mais efetiva.
Por fim, acredito que em nosso estado também possamos rumar para esse caminho, buscando mais consenso, mais paz e mais consciência cidadã, sempre lembrando que da próxima vez que tentarmos olhar por fora o sentido de certos fatos sociais, nossa visão sempre será turva, é uma visão espelhada, pois, na verdade, esse olhar é sempre de dentro.
LEANDRO RISI SANTOS
É delegado da Polícia Civil, ex-investigador da PC de Minas Gerais e especialista em criminalidade e segurança pública.
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