A palavra “inventário” já se tornou sinônimo de imóveis “enrolados”, morosidade e disputa entre os herdeiros, mas outro grande fantasma que assombra o cenário do direito sucessório é o ITCMD, ou Imposto sobre Transmissão Causa Mortis e Doação.
O ITCMD é um imposto cuja competência para arrecadação é dos estados e do Distrito Federal. Incide sobre o monte-mor dos bens deixados pela pessoa falecida, a que nos referimos como de cujus e costuma ter valor extremamente elevado, não em razão da alíquota de tributação, mas pelo fato de as tabelas de avaliação dos bens fixadas pelos estados fugirem completamente à realidade do mercado.
Além do estigma de complexidade burocrática, os altos custos do processo e da tributação a ele atrelada geraram o fenômeno das holdings familiares como forma de buscar uma elisão fiscal.
No entanto, nem todos têm condições ou conhecimento para buscar essa alternativa, que deve ser implementada em vida pelo proprietário do patrimônio. Nessa toada, muitos herdeiros não usufruem do patrimônio herdado, porque não conseguiram partilhá-lo corretamente e processar o inventário. É comum que, devido à desestruturação econômica do cidadão brasileiro, a maioria das pessoas, ao herdar, não possua condições financeiras sequer para manter a herança recebida ou tocar o processo de inventário.
Essas lamúrias são tão antigas quanto o instituto da herança no direito civil, e não é sobre elas que vamos tratar neste artigo.
Se o maior problema, depois de estabelecer um consenso entre os herdeiros, é o custo do processo, e o maior custo advém da tributação, surge a pergunta: quando o valor do imposto deve ser pago?
Breves palavras sobre o instituto do inventário
A primeira coisa a se fazer, antes de adentrar no tema, é compreender um pouco mais sobre o inventário.
O inventário é o procedimento pelo qual o conjunto de bens, direitos e obrigações de uma pessoa falecida (de cujus), denominado espólio, é submetido à jurisdição para satisfazer o direito de seus credores, da viúva meeira e de seus herdeiros universais e singulares. É a partir do espólio que se calculam o monte mor e o monte partível. O resultado na esfera judicial é o formal de partilha, e na esfera extrajudicial é a escritura pública de inventário e partilha.
Em rigor, pela melhor lógica racional, somente quando a propriedade sobre os bens patrimoniais transmitidos pela sucessão hereditária estiver em nome dos herdeiros é que o imposto deveria ser recolhido, mas isso varia de acordo com o procedimento adotado para o inventário.
A mesma regra aplica-se ao Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), que é devido somente após a transmissão de propriedade ocorrida com o ato de registro, salvo, por exemplo, no caso de adjudicação compulsória extrajudicial.
Existem duas modalidades para a realização do inventário: a primeira na esfera extrajudicial, diretamente no cartório de ofício de notas, quando todos os herdeiros estão de acordo e a segunda na esfera judicial.
Quando judicial, o inventário pode seguir três ritos distintos: o ordinário, o arrolamento sumário e o arrolamento comum.
O rito ordinário, ou solene, que contempla diversas fases processuais, é adotado quando o valor dos bens do espólio for superior a mil salários-mínimos, quando houver interesse de menor ou incapaz, ou na existência de conflito entre os herdeiros.
Aqui abrimos um parêntese para duas situações previamente abordadas: a possibilidade de realização de inventário administrativo com herdeiros menores ou incapazes ou quando houver testamento. Convidamos o leitor a se aprofundar nos temas com a leitura dos seguintes artigos:
- Inventário Administrativo com herdeiro incapaz/menor ou testamento;
- CNJ libera inventário com herdeiros menores ou incapazes, e quando houver testamento.
No primeiro artigo, teorizamos sobre essas possibilidades; no segundo, analisamos sua consolidação no ordenamento jurídico vigente.
O arrolamento comum, um procedimento célere, é utilizado quando o valor dos bens é igual ou inferior a mil salários-mínimos. Esse procedimento pode ser aplicado mesmo em caso de conflito entre os herdeiros e a participação de menor ou incapaz, desde que, nesse último caso, esteja presente o representante do Ministério Público.
O arrolamento sumário ocorre quando todos os herdeiros são maiores, capazes e estão de acordo entre si; nesse caso, não há limite para o valor dos bens inventariados.
Para não estender demasiadamente a explanação, acredito que o que foi dito já contextualizou o leitor, que deve estar ansioso e com a pergunta em mente…
Mas é possível finalizar o inventário sem antes reconhecer o ITCMD?
Todo esse debate gira em torno da ADIN 5.894/DF, na qual o Governador do Distrito Federal questionava a legalidade do Art. 659, §2º do Código de Processo Civil, que permite às partes finalizarem o inventário pelo rito do arrolamento sumário com a expedição das respectivas cartas de adjudicação, formais de partilha e alvarás, e, só após, intimar-se o fisco para lançamento administrativo do imposto de transmissão e de outros tributos eventualmente incidentes, conforme dispuser a legislação tributária.
O brasileiro, como de costume, gosta de engavetar os documentos e só os levar ao registro quando não há alternativa, fruto do pensamento de que regularizar um patrimônio é um gasto e não um investimento. E isso preocupa o poder público, cujo maior objetivo é a arrecadação tributária.
Nesse sentido, a constitucionalidade dessa norma foi questionada sob o argumento de que contrariaria os Art. 146, III, b e Art. 150, II da Constituição Federal.
O Supremo Tribunal Federal, contudo, entendeu que o dispositivo questionado não trata de matéria tributária, mas sim de procedimento processual; inclusive, essa questão já havia sido pacificada pelo Superior Tribunal de Justiça no Tema 1.074.
Em resumo? Continua valendo a possibilidade de finalização do inventário pelo rito do arrolamento sumário sem a necessidade de prévio recolhimento do ITCMD.
ANTÔNIO RIBEIRO COSTA NETO
É consultor jurídico, professor universitário e escritor; advogado com escritório especializado em Regularização Fundiária, Direito Agrário e de Direito de Propriedade; membro da Comissão Nacional de Direito Agrário e Agronegócio da OAB; membro Consultor da Comissão Estadual de Direito Agrário e Agronegócio da OAB/TO (2020-2021); membro da Comissão Nacional de Direito Ambiental da Associação Brasileira dos Advogados-ABA (2021-2022); membro da Comissão Nacional de Direito do Agronegócio da Associação Brasileira dos Advogados-ABA (2020-2021); especialista em Direito Imobiliário-UNIP/DF.
Contato Acadêmico: costaneto.jus.adv@gmail.com