“Hoje, eu acordei com medo…”.
Assim começa uma das mais belas canções de Cazuza, imortalizada na voz de Ney Matogrosso. Hoje, eu também acordei com medo. Ao abrir as redes sociais, fui surpreendido por imagens das comemorações dos torcedores do Paris Saint-Germain, na emblemática avenida Champs-Élysées, após a vitória do time na Liga dos Campeões. Mas, o que me assustou não foi a festa em si ,e sim, a violência expressa nos vídeos: jovens de todas as raças se agredindo brutalmente, em plena celebração.
Fiquei me perguntando: o país que simboliza a liberdade, a fraternidade e a igualdade está assim? O que será, então, da juventude no resto do mundo?
Quanta violência para comemorar um título esportivo. Como é possível que o esporte, uma prática historicamente associada à saúde, ao respeito e à superação se torne palco da barbárie?
Drogas, afetos desorganizados, redes sociais, internet, alimentação precária… o que está provocando tudo isso? Que comportamentos são esses em pleno século XXI? Onde estamos errando? O que a juventude de hoje está tentando nos dizer?
Não é possível que tudo isso nos passe despercebido.
Em várias partes do mundo, temos visto jovens que parecem à beira do colapso. Não seria tudo isso um modo desesperado de falar de si? Como afirma o médico e especialista em saúde mental Gabor Maté, “o corpo não mente”. Talvez, então, essas reações, por mais violentas e assustadoras que sejam, estejam dizendo algo importante à sociedade. Mas saber o que dizem exige escuta. E essa escuta, infelizmente, tem sido rara.
Vivemos tempos estranhos. Há uma sensação de deslocamento, de paralisia, como se não soubéssemos mais para onde ir, ou pior, como se tivéssemos perdido o desejo de ir a algum lugar. Há um vazio de sentido que anestesia a vontade de enfrentar a realidade, de sonhar, de acreditar que um outro mundo é possível.
O filósofo Gilles Lipovetsky chamou nossa era de “era do vazio”, marcada pela superficialidade das relações, pela aceleração do tempo e pelo enfraquecimento dos grandes ideais. Imersos nesse universo de consumo e aparência, temos nos esquecido de cuidar do essencial: de nós mesmos, dos outros e do sentido da existência.
O “ter” tem se sobreposto ao “ser”, fazendo com que os mais belos valores humanos, como empatia, solidariedade e dignidade, sejam descartados como objetos sem utilidade.
Estamos assistindo à construção de uma sociedade imediatista, egoísta, insensível e perigosamente hedonista. E os jovens são, muitas vezes, os primeiros a expressar o mal-estar de um mundo que não sabe mais escutar, acolher e ensinar a sonhar.
JAIRO BARBOSA MOREIRA
É filósofo e doutor em Educação pela Universidade Federal de Goiás. Atua como padre na paróquia São Pedro – Novo Planalto, da diocese de Cristalândia.