Meu avô, também tinha o nome de José Cândido. Ele, cândido de mente e alma. Eu nem próximo a isso cheguei. Ele um autêntico poeta. Eu procurando seguir os passos e marcas que ele deixou como autodidata construtor e intérprete de bons sonhos.
Ele ao revelar-se na simplicidade e humildade que lhe era peculiar e característico das pessoas sábias, ensinou-me muito sobre a convivência humana. Aprendi com ele, acrescentando ao que me foi ensinado na casa dos meus pais, que o tempo e a idade são ávidos devoradores de sonhos e ilusões, mas ao mesmo tempo nos oferece diuturnamente novas oportunidades para novos sonhos e novas ilusões, não se importando com os anos e as experiências que acumulamos, demonstrando que a sabedoria desta vida está no exercício pleno do amor.
Meu avô que, também, era José e Cândido, ele por inteiro, eu nem tanto. Ele não se envaidecia pela inteligência privilegiada que possuía. Dizia ser um dom que Deus lhe concedeu. Apaixonado pela esposa, minha vozinha Etelvina, pelos filhos e filhas e mais ainda pelas netas e netos, como todo bom avô tem e deve ser. Imaginava eu ser um dos preferidos por ser seu xará. Em gestos e ações e em algumas atitudes, a minha desconfiança se fazia quase certeza disso.
Mas meu avô era assim: Veio da Bahia, mais precisamente da graciosa cidade de Macaúbas para Dianópolis na década de 1930. Foi recebido e encontrou guarida e apoio da Tio Abílio Wolney, até se estabelecer como um pequeno comerciante e daí em diante fez muitas amizades, que duraram até seu último dia de vida, a exemplo de Tio Tonhá, com quem nos finais de tardes disputava partidas de gamão (um jogo de tabuleiro, que se aproxima do xadrez e que foi criado pelos egípcios há pelo menos cinco mil anos).
Meu avô, não sei se por ser poeta, para mim tinha um pouco de anjo; tinha uma aura em forma de melodia composta pelas brisas do amanhecer e do entardecer e que embalam os corações dos poetas; ele se fazia um gigante de ternura e simplicidade no silêncio da alma dele e minha e de quem com ele convivesse; para mim ele serviu de modelo de homem bom e sem ambições. Ele agigantava-se na defesa da fragilidade da minha infância e adolescência;
Meu avô era assim: carregava o espírito dos sábios, sábio que foi. Num olhar sabia o que queríamos. Com a caneta exteriorizava belos e incomparáveis versos. Sofria mais que os outros na despedida de um ente querido e regozijava-se ao extremo pela chegada ou a volta de uma pessoa amada.
Mesmo sem olhar diretamente para as pessoas, ele as percebia. Mesmo sem falar, ele dizia muito do amor e ternura de que o coração estava cheio. Mesmo sem nos tocar, nos abraçava. Ensinou-nos a não nos perdermos nos labirintos da vida, pois para tudo tem o caminho novo, um novo começo ou recomeço. Quando nossos tantos defeitos humanos apareciam, ele fazia de conta que não os notavam. Mas os corrigiam com ternura. Ensinou-me no campo dos sentimentos que a vida é um episódio interessante para cada um de nós, mesmo porque ela é única e não se repete, pelo menos no atual plano físico e espiritual que estamos vivendo. Com ele aprendi apreciar a natureza como um todo, em especial os campos e as flores da primavera. Aprendi a ver e ouvir o mundo com os olhos e os ouvidos do espírito, conforme nos ensinou o Mestre dos mestres: “Quem tem ouvidos que ouça, quem tem olhos que veja!”
Meu avô foi assim: além de Cândido, era, também Alves e da Bahia, portanto, compatrício do incomparável Castro Alves. Talvez o mesmo sangue corria nas veias de ambos. Falar sobre meu avô tenho que falar de uma das suas maiores habilidades e feitos em Dianópolis, Tocantins, uma delas se destaca: naquela época uma cidadezinha incrustada nos confins do Nordeste do então Estado de Goiás, hoje importante centro e entreposto comercial, foi lá após muito estudo que se tornou fabricante de cerveja, uma bebida inventada pelos sumérios 4 mil anos a.C. e vem embalando a alegria dos mosteiros e do mundo inteiro até os dias de hoje. Eu, ainda criança, apreciava e admirava aqueles imensos toneis de carvalho guardando a fermentação da bebida, preparada com os insumos necessários trazidos de Barreiras na Bahia, oriundos de Salvador que os importavam de Portugal.
Quantas e quantas vezes eu, ainda criança, deixava de tomar refeições na minha casa paterna para na casa do meu avô ouvi-lo dizer para minha vó: “Etelvina, sirva um copo de cerveja para o José!” Naquela altura, já antevia o sabor e salivava à espera do líquido dourado e por já conhecer a qualidade do produto por ele produzido. Ele dominava as técnicas de fabricação tal qual os grandes cervejeiros. Depois fico sabendo que seguindo o passo a passo, fabricar cerveja não é tão complicado, o mais difícil é, exatamente, tirar a sua turbidez (a cor escura). E ele fazia isso com maestria. De quando em vez e muito raramente em algum copo de cerveja que sorvo, vem ao meu paladar o gosto da melhor cerveja que o Mundo já conheceu: a cerveja do meu avô José Cândido Alves, confirmando a assertiva do poeta Carlos Drumond de Andrade: ” O homem tem o dom de trazer no Paladar a sua infância “! Dito e feito.
“Quem tem ouvidos que ouça, quem tem olhos que veja!”
JOSÉ CÂNDIDO PÓVOA
É poeta, escritor e advogado; membro-fundador da Academia de Letras de Dianópolis.
candido.povoa23@gmail.com