É claro que existe hoje no País — e no Tocantins não é diferente — uma cultura em que o linchamento público de autoridades deve prevalecer aos fatos. É uma constatação lamentável, mas, verdade seja dita, foi a própria classe política, com sua omissão, abusos, privilégios e falta de espírito público, a responsável por essa situação. Quem com certeza surfa, animados, nessa onda de desgaste total dos homens públicos são os órgãos de controle e as polícias. Só jogar uma ação qualquer na mídia e, a despeito dos fatos mais elementares, por uma mera suspeição, por mínima que seja, a opinião pública, ávida por sangue, atirará pedras nos envolvidos.
Por isso, foi contra todo esse senso comum estabelecido a decisão do presidente do Tribunal de Justiça, desembargador Helvécio de Brito Maia, que suspendeu a decisão do juiz Manuel de Farias Reis Neto de afastar por 30 dias o secretário estadual da Saúde, Renato Jayme.
[bs-quote quote=”Simplesmente arrancar dinheiro de um setor para atender outro na canetada de juiz, só contribuirá para agravar os problemas da saúde, da educação, da segurança e da infraestrutura” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2018/02/CTAdemir60.jpg”][/bs-quote]
O desembargador reconhece “certa resistência” do secretário em informar nos autos a lista de fornecedores de remédios oncológicos que devem ser pagos para o abastecimento do setor no Hospital Geral de Palmas (HGP), mas conclui o que é mais sensato: ““Vislumbra-se que a decisão de afastamento do gestor da saúde afigura-se desproporcional em relação a tal descumprimento, uma vez que já houve o bloqueio de verbas para garantir o pagamento pelos fármacos listados”.
Primeiro é importante observar que o secretário tinha que explicar à sociedade o porquê da resistência em fornecer essa relação de fornecedores. Faz sentido a explicação dele sobre as dificuldades de abastecimento dos medicamentos. Como o Estado deve alguns milhões, nenhum fornecedor aceita vender novamente enquanto essa pendência não for liquidada. Uma relação de mercado normal. Afinal, ainda que se trate de saúde, se vende sem receber, a empresa quebra. Mas por que Renato Jayme se recusa, ou resiste, a discriminar esse débito? Não dá para entender.
É claro que a Sesau precisa resolver essa situação, uma vez que esse desabastecimento leva risco de morte a centenas de tocantinenses. Agora, é simples? Uma mera questão de “boa vontade”? Não, não é. Tira-se de onde os milhões para pagar os remédios oncológicos?
Temos outros graves problemas na saúde: as crianças cardiopatas, por exemplo. Perdemos várias no ano passado, o que é uma grande derrota de toda a sociedade. Há ainda problemas para cirurgia de pacientes de ortopedia. Uma fila de centenas de seres humanos, que sofrem absurdos, muitos deles internados por dias sem fim no HGP. Além de inúmeros outras dificuldades, que só vêm confirmar que a situação é muito mas muito mais complexa do que imagina nosso vão senso comum e as vãs ações judiciais dos órgãos de controle.
Por isso, foi muito sensata a preocupação e holística a visão do presidente do TJTO. “Não pairam dúvidas de que o afastamento do titular da pasta da saúde poderá acarretar prejuízos imensuráveis ao Estado, decorrente da paralisação das atividades da pasta e do estancamento das demais ações públicas voltadas para a saúde, gerando gravíssimos prejuízos aos usuários da rede estadual de saúde”. Ou seja, numa tentativa de resolver um problema, se criaria muitos outros.
Ainda é importante não perder de vista que o desabastecimento dos hospitais e toda a crise da saúde vêm na esteira da falta de liquidez do Estado, ou seja, mais um grave sintoma da mesma crise fiscal que impede o pagamento dos direitos dos servidores e os constantes atrasos na quitação dos débitos com demais fornecedores, bancos, Plansaúde, Igeprev, etc., etc.
Como fazer? Deixar por isso mesmo e os pacientes de câncer e as criancinhas cardiopatas que se virem? Claro que não. A pressão dos órgãos de controle é importante para que o Estado se movimente para agilizar soluções. No entanto, o debate tinha que ser mais macro, e não micro.
Simplesmente arrancar dinheiro de um setor para atender outro na canetada de juiz, só contribuirá para agravar os problemas da saúde, da educação, da segurança e da infraestrutura.
Afastar secretário, da mesma forma. Atenderá a sede de sangue das redes “antissociais”, mas em nada contribuirá para solucionar um problema que está muito além do capricho e da vontade desse ou daquele.
CT, Palmas, 18 de março de 2019.