Em uma entrevista à Coluna do CT, o presidente Associação Tocantinense do Ministério Público (ATMP), Luciano César Casaroti, avaliou que a reforma da Lei de Abuso de Autoridade – que aguarda sanção do presidente Jair Bolsonaro – foi aprovada “sem a devida discussão sobre o tema e em regime de urgência”. O promotor argumenta que a atual legislação já garante meios de controle para eventuais abusos de agentes públicos, citando as corregedorias.
Atos de rotina
O representante ainda critica o fato de os congressistas não terem sido incluídos no texto aprovado e avalia que como o principal problema o fato de a nova redação punir “atos de rotina do funcionamento do Sistema de Justiça”, citando a própria instauração de um procedimento investigatório.
Desconhecimento
Casaroti avalia que quem defende que não há meios de controle para eventuais abusos por parte de autoridades públicas, “demonstra certo desconhecimento dos instrumentos e meios de controle que temos hoje em nossa legislação”.
Cercear a investigação
Para o presidente daATMP, a punição do mero ato de investigar é uma forma de cercear completamente a investigação. “De impedir que se colham as provas, de apurar quem e se praticou eventual ato ilícito”, defendeu.
Confira abaixo a entrevista:
Coluna do CT – Os defensores da lei afirmam que não há nada que impeça o abuso quando autoridades extrapolam suas prerrogativas. Como o senhor vê essa tese?
Luciano Casaroti – Em primeiro lugar, é importante deixar claro que a Associação Tocantinense do Ministério Público é favorável ao aperfeiçoamento da nossa legislação. Também somos favoráveis a punições a todos que transgridam a lei, independentemente de serem policiais, membros do Ministério Público ou do Poder Judiciário. Porém, essa assertiva vale para todos, inclusive para senadores e deputados, entre outros, não atingidos concretamente por esta nova Lei de Abuso de Autoridade.
Quem defende que não há meios de controle para eventuais abusos por parte de autoridades públicas, em minha opinião, demonstra certo desconhecimento dos instrumentos e meios de controle que temos hoje em nossa legislação. Qualquer infração administrativa de membros do MP, magistratura e demais servidores públicos poderá ser levada a conhecimento das suas corregedorias. No MP Tocantins, por exemplo, temos a Ouvidoria, em que o cidadão pode apresentar suas reclamações, que serão encaminhadas às corregedorias, órgãos responsáveis pela fiscalização.
Além disso, especificamente para o MP e magistratura, há os Conselhos Nacionais do MP e do Judiciário, que são órgãos com atribuições constitucionais de fiscalização. Importante dizer que esses órgãos são compostos não apenas por representantes das próprias carreiras do MP e do Judiciário, mas de diversas entidades, como Senado Federal, Câmara dos Deputados e OAB. Na esfera penal, é importante dizer que os membros do MP não estão imunes a responder criminalmente. Assim, por exemplo, se praticarem atos de corrupção, responderão pela sua conduta.
O problema da nova Lei de Abuso de Autoridade é que ela pune atos de rotina do funcionamento do Sistema de Justiça. Pune, por exemplo, a instauração de um procedimento investigatório, quando este é justamente para se apurar, para se colher provas, se houve um crime e quem o praticou. A punição do mero ato de investigar é uma forma de cercear completamente a investigação, de impedir que se colham as provas, de apurar quem e se praticou eventual ato ilícito.
Então, verificamos que não é uma premissa verdadeira dizer que já não há atualmente instrumentos para coibição de condutas ilícitas praticadas por autoridades públicas.
Coluna do CT – No caso de autoridades atingidas pelas operações, a reclamação geral é da pirotecnia, com algemas, muitas viaturas, chamamento da imprensa para acompanhar, o que levaria ao pré-julgamento. Acha que há exageros nessas operações?
Luciano Casaroti – Não vemos essa pirotecnia. Porém, no caso de eventuais excessos, estes já são punidos pelos diversos órgãos de controle. O que há, quando se faz referência, por exemplo, a grandes operações, em que se diz que há pirotecnia, na verdade, é o fato de que elas normalmente irão mobilizar um maior quantitativo de pessoas, para que possam executar ações, simultaneamente, em vários locais. É comum que só se consiga colher provas em relação à criminalidade que enseja essas operações maiores quando se deflagra uma ação articulada, ao mesmo tempo, em vários locais.
Atualmente, diante da rapidez da comunicação, uma simples troca de mensagens já possibilita a destruição de provas. É a única forma para se alcançar a prova desses tipos de ilícitos. É natural que a presença de mais policiais e viaturas em determinadas localidades desperte mais atenção. É possível que haja exageros, em um ou outro momento, mas são pontuais. O maior exagero que enfrentamos é o do crime organizado no país, que se estruturou ao longo dos anos e causa imenso prejuízo aos cofres públicos e, consequentemente, à sociedade. Cabe aos órgãos que integram o Sistema de Justiça combater essa prática, sempre de forma autônoma e dentro dos preceitos legais.
Coluna do CT – Sem uma lei de abuso de autoridade, há instrumentos ao cidadão que lhe garantam atuar contra quem abusa do poder?
Luciano Casaroti – Temos lei de abuso de autoridade, desde 1965. Encontra-se em vigor. Se ela precisa ser revista, é papel do Legislativo fazê-lo, mas de forma serena, apoiada em um amplo debate, e com tramitação ordinária, justamente o contrário do que ocorreu. O projeto de lei do abuso de autoridade foi aprovado pela Câmara dos Deputados, na semana passada, sem a devida discussão sobre o tema e em regime de urgência.
Por fim, não podemos deixar de dizer que o crime organizado está cada dia mais estruturado e tentativas de inibir a atuação dos órgãos responsáveis pelas investigações só contribuem para o fortalecimento dessas organizações, em detrimento dos interesses da sociedade.