Indignou quase todo o País o desespero do procurador de Justiça Leonardo Azeredo dos Santos, em reunião do Ministério Público de Minas Gerais, por conta do “miserê” de R$ 24 mil líquidos que recebe por mês do contribuinte. Como viver com essa mixaria? O que ouvimos, de forma nua e crua, foi a mentalidade do alto funcionalismo de todas as instâncias do País, que tem certeza que o povo brasileiro é obrigado a arcar com todos os seus caprichos simplesmente pelo fato de terem curso superior e aprovação em concurso público. A diferença é que isso nunca é dito, senão entre quatro paredes.
[bs-quote quote=”Essa criatividade é a mesma que levou a todos os penduricalhos que o contribuinte brasileiro paga a quem recebe salários elevadíssimos para o padrão nacional” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/07/ct-oficial-60.jpg”][/bs-quote]
Agora, o que mais me chamou a atenção em toda essa chorumela nauseante foi o seguinte apelo dele para sair do “miserê”: “Quero saber se nós, ano que vem, vamos continuar nessa situação ou se Vossa Excelência já planeja algo, dentro de sua criatividade, para melhorar nossa situação. Ou se vamos continuar nesse ‘miserê’ aí”.
O que me tocou foi a criatividade para superar essa situação de penúria dos pobres membros do Ministério Público mineiro. O que me parece é que essa criatividade é a mesma que levou a todos os penduricalhos que o contribuinte brasileiro paga a quem recebe salários elevadíssimos para o padrão nacional.
É essa a criatividade que gerou, por exemplo, o famigerado auxílio-moradia, que garante até quase R$ 5 mil – valor muito superior à média do salário do setor privado —, mesmo para quem tem residência própria. Se o cônjuge for magistrado, procurador ou promotor, por exemplo, e ambos morarem sob o mesmo teto, não tem problema, o bondoso contribuinte brasileiro paga também. Lembram daquele personagem do programa do Jô Soares, lá pelos idos de 1980: “Brasileiro é tão bonzinho!”.
Que o auxílio-moradia é salário disfarçado, ou seja, uso de muita criatividade, isso foi dito por alguém insuspeito até pouco tempo atrás, o ex-juiz federal Sérgio Moro, hoje ministro da Justiça e Segurança Pública. Na época, flagrado recebendo a benesse, Moro teve que defendê-la, mas em tom de confissão: “O auxílio-moradia é pago indistintamente a todos os magistrados e, embora discutível, compensa a falta de reajuste dos vencimentos desde 1º de janeiro de 2015 e que, pela lei, deveriam ser anualmente reajustados”, admitiu. Muito criativo.
Essa criatividade em alguns órgãos leva ao pagamento de 100% de férias, quando o trabalhador que não foi capaz de ser aprovado em concurso público tem que se contentar com 33%. Questionei isso, e o privilegiado me disse que é porque sua categoria não recebe o auxílio-moradia. Também muito criativo.
É a mesma criatividade que leva a pedir que o contribuinte pague quinquênio retroativo há 15 anos com um custo de pelo menos R$ 8,7 milhões. Também haja criatividade para garantir carros zero, blindados e 200 litros de combustíveis por mês, tudo por conta do pacato cidadão.
Não é uma criatividade menor uma compra de R$ 30 mil em frutas para garantir o lanche dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Afinal, como o procurador mineiro, essa gente não está acostumada a “tanta limitação”. Por isso, a lista inclui 27 variedades – entre elas, mil unidades de abacaxi pérola, 46 quilos de ameixa preta, 180 quilos de banana prata, 250 cajus, 2.500 cocos verdes, 30 quilos de figo, cem quilos de goiaba vermelha, 110 quilos de kiwi, 650 quilos de melancia de primeira qualidade, 540 quilos de melão, 93 quilos de morango, 40 quilos de nectarina e 110 caixas de pinha, cada uma com quatro unidades.
Esta semana ouvi que os ministros do STF, para ficarem ainda mais confortáveis, têm um serviçal chamado “capinha” para colocar a capa neles em plenário e puxar a cadeira para que se sentem, a um salário de R$ 7 mil. O professor Marco Antonio Villa contou que, certa feita, perguntou a um ministro se esse servidor era mesmo necessário, e ouviu a seguinte resposta: “A cadeira é muito pesada”.
Então, dá-lhe criatividade para que mais e mais ganhos venham, mais caprichos e luxos, pois não se pode correr o risco de se perder o padrão. Como revelou a preocupação do pobre procurador mineiro: “Nós vamos virar pedinte, quase? Será que estou pedindo muito, para o cargo que ocupo?”.
Trocando em miúdos: “Tenho curso superior e passei num concurso público. Assim, mereço mais do que os outros e tenho que ser atendido”.
Até quando, Brasil, seremos reféns disso?
CT, Palmas, 12 de setembro de 2019.