O arcebispo de Aparecida, Dom Orlando Brandes, deu uma aula de cristianismo nessa terça-feira, 12, em missa na Basílica Nacional da Padroeira do Brasil. Ele fez um jogo de palavras com o slogan do governo federal — “Pátria Amada Brasil” — para combater a irracionalidade do presidente da República, Jair Bolsonaro, que sonha em ver todas as famílias brasileiras com armas em suas residências. “Para ser pátria amada não pode ser pátria armada”, pregou o religioso, seguido de, merecidos, aplausos dos fiéis.
O primeiro ponto a ser considerado é que armar a população não é saída para a violência urbana. Muito pelo contrário. O especialista da Universidade de São Paulo (USP) Bruno Paes Manso defende que as chances de uma arma em casa causar a morte de seu proprietário ou de alguém que ele ama são bem maiores do que a probabilidade de que seja utilizada de forma efetiva, algum dia, para se defender de um bandido. Manso, que é pesquisador do Núcleo de Estudos da Violência da USP, afirma ainda que mesmo policiais militares, ao reagirem a uma tentativa de assalto fora de serviço, morrem com muito mais frequência quando estão armados do que desarmados.
Mais ainda: o pesquisador explica que a flexibilização do acesso a armas de fogo, defendida pelo governo Bolsonaro, tende a agravar o problema da violência urbana no Brasil, que já é o país com a maior taxa de homicídios no mundo. Veja só: dos cerca de 64 mil homicídios de 2017, 70% deles foram provocados por arma de fogo.
Se do ponto vista do fático, armar a população é ineficiente para proteger a vida das famílias, sob a ótica do cristianismo, sob o qual o presidente da República diz pautar sua vida, afronta os principais ensinamentos de Jesus, a razão de ser da religião fundada a partir da pregação Dele. Como prova disso, é só refletir sobre o Sermão do Monte, no qual o Cristo proferiu lições de conduta e moral que ditam os princípios que normatizam e orientam a vida cristã.
Está no Evangelho de Mateus, dos capítulos 5 a 7, e bem no início já declara: “Bem-aventurados os pacificadores, porque eles serão chamados filhos de Deus” (Mt 5:9). Só esse versículo já serviria para encerrar o assunto. No entanto, Jesus desenvolveu o tema ao longo da mensagem. Confira o que Ele afirma nos versículos 20 e 21 do mesmo capítulo 5:
“Porque vos digo que, se a vossa justiça não exceder a dos escribas e fariseus, de modo nenhum entrareis no reino dos céus. Ouvistes que foi dito aos antigos: Não matarás; mas qualquer que matar será réu de juízo”.
O Cristo não está aqui dizendo que o “não matarás” só vale quando a refrega envolver “pessoas de bem”, também não defende que se o morto for bandido, “não tem problema, tudo bem”. Reforçando o que Jesus disse: “qualquer que matar será réu de juízo”. Não há exceção.
Continuemos, se ainda não está convencido. Que tal ler os versículos de 38 a 41? “Ouvistes que foi dito: Olho por olho, e dente por dente. Eu, porém, vos digo que não resistais ao mau; mas, se qualquer te bater na face direita, oferece-lhe também a outra; E, ao que quiser pleitear contigo, e tirar-te a túnica, larga-lhe também a capa; E, se qualquer te obrigar a caminhar uma milha, vai com ele duas”.
Quer mais? Então, tome: “Ouvistes que foi dito: Amarás o teu próximo, e odiarás o teu inimigo. Eu, porém, vos digo: Amai a vossos inimigos, bendizei os que vos maldizem, fazei bem aos que vos odeiam, e orai pelos que vos maltratam e vos perseguem; para que sejais filhos do vosso Pai que está nos céus; Porque faz que o seu sol se levante sobre maus e bons, e a chuva desça sobre justos e injustos. Pois, se amardes os que vos amam, que galardão tereis? Não fazem os publicanos também o mesmo? E, se saudardes unicamente os vossos irmãos, que fazeis de mais? Não fazem os publicanos também assim? Sede vós pois perfeitos, como é perfeito o vosso Pai que está nos céus” (Mt 5:43-48).
Se Deus é perfeito na bondade, no amor, Ele não mata ninguém. Por que você, que se diz cristão, filho de Deus, e precisa, assim, trilhar rumo à perfeição de seu criador, quer se dar ao direito de dar uns tiros no seu irmão (que é qualquer ser humano que cruze seu caminho, conforme também Jesus)? Você diz “mas sou humano, fraco e não consigo seguir isso, porque é pesado demais para mim”. Então, renuncie ao cristianismo. Tenha vergonha de se dizer cristão, porque não pode conciliar o cristianismo com a violência, com o ódio, com o preconceito, com o “olho por olho e dente por dente”. Se você se porta assim é um falso cristão.
Por está lá também, mais à frente, em Mateus 16:24-25: “Então disse Jesus aos seus discípulos: Se alguém quiser vir após mim, renuncie-se a si mesmo, tome sobre si a sua cruz, e siga-me; Porque aquele que quiser salvar a sua vida, perdê-la-á, e quem perder a sua vida por amor de mim, achá-la-á”. Ele não está dizendo que é fácil, mas que é necessário, para o bem de seu seguidor.
E, de volta ao Sermão do Monte, Jesus diz mais: “Ninguém pode servir a dois senhores; porque ou há de odiar um e amar o outro, ou se dedicará a um e desprezará o outro” (Mt 6:24).
Por fim, o Cristo ainda faz um alerta: “Acautelai-vos, porém, dos falsos profetas, que vêm até vós vestidos como ovelhas, mas, interiormente, são lobos devoradores” (Mt 7:5).
E não tenho dúvida de que esse último versículo se aplica a Bolsonaro, ser desprezível, falso cristão que se enquadra perfeitamente também nas seguintes palavras do apóstolo Paulo, em 2 Coríntios 11:14: “Porque o próprio Satanás se transfigura em anjo de luz”. Bolsonaro se finge de luz, mas é treva pura.
Você é cristão? Será?
CT, Palmas, 13 de outubro de 2021.