Um especialista disse nesta sexta-feira, 3, à Globo News, que regra de ouro hoje não é a que está na Constituição para impedir o governo de se endividar para pagar despesas correntes, mas, sim, salvar vidas. É a tônica do Brasil e de todas as nações nesta guerra que a humanidade trava com contra um vírus. Já registrei aqui que, como liberal, sou defensor do equilíbrio fiscal e, para isso, a Lei da Responsabilidade Fiscal (LRF) é um dos mais importantes instrumentos da administração pública. Mas não diante de uma pandemia. Dessa forma, foi acertada a decisão do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes, que flexibilizou as regras fiscais para o combate ao coronavírus e para a proteção da população afetada pela crise, como também do Congresso Nacional ao tomar medida semelhante.
Com isso, os governos federal, estaduais e municipais poderão remanejar recursos de áreas diversas para impedir o avanço da Covid-19 e proteger as pessoas. Mais do que necessário. Não é hora de se pensar em equilíbrio fiscal, mas, repito, em salvar vidas.
[bs-quote quote=”A questão básica é: o que que esses municípios estão fazendo para impedir o avanço da Covid-19? Só o decreto não é o suficiente” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/CT-trabalhado-180.jpeg”][/bs-quote]
No entanto, especialistas já começam a se preocupar com o que os gestores vão fazer com essa brecha num último ano de mandato, quando prefeitos precisam fechar as contas com tudo redondinho. O advogado tributarista Eduardo Muniz Machado Cavalcanti, por exemplo, também concorda que essa flexibilização, diante do monstro que nos ataca, é necessária, mas avisa que, se não houver alto grau de controle, poderá causar shutdown na máquina pública. A referência dele é sobre a chamada PEC do Orçamento de Guerra.
No entanto, com a flexibilização já dada pelo STF e pelo Congresso, em relação à LRF, União, Estados e municípios já pode fazer um estrago enorme nas contas públicas. Por isso, a sociedade, que é quem paga essa conta, deve concordar com a posição do deputado estadual Ricardo Ayres (PSB), presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia, que está se posicionando pela rejeição dos decretos de estado de calamidade dos municípios, por conta do novo coronavírus, que flexibilizarem ou não cumprirem as determinações da Organização Mundial de Saúde (OMS). Como relator, ela vai dar parecer sobre os decretos de 29 cidades tocantinenses devido à pandemia do novo coronavírus.
A questão básica é: o que que esses municípios estão fazendo para impedir o avanço da Covid-19? Só o decreto não é o suficiente. Estão comprando cestas básicas, equipamentos de proteção individual (EPIs), reforçando equipes da saúde, atendendo de que forma famílias vulneráveis? Enfim, como esse decreto de calamidade está sendo usado?
Não se pode permitir o abrandamento das regras fiscais para uma causa tão justa para que extrapolem os limites do bom senso no uso de recursos públicos, com licitações inexplicáveis e para que fechem o mandato no final do ano com um monte de puxadinhos na prestação de contas com a desculpa de que foi por causa do combate à Covid-19, sem ter feito nada para impedir o avanço da doença.
Mesmo porque o plenário da Câmara dos Deputados aprovou na noite de quarta-feira, 1º, o substitutivo ao projeto de lei que obriga o governo federal a garantir a Estados e municípios repasses iguais ao de 2019 do Fundo de Participação dos Estados (FPE) e do Fundo de Participação dos Municípios (FPM). O texto segue para o Senado Federal. Ou seja, é bem provável que grande parte dos municípios do Tocantins, que vivem exclusivamente de FPM, não sofrerão impactos em termos de arrecadação.
Agora, se a situação de calamidade é fundamental para remanejamento de recursos para o combate à doença, então, é simples: as prefeituras apresentam essas medidas que estão sendo adotadas à CCJ da Assembleia e os decretos devem, claro, ser aprovados, e rapidamente. Sem problemas. Caso contrário, se não houver nenhum ato concreto para proteger a população contra a Covid-19, por que a Assembleia deveria avalizar um ato sem qualquer efeito prático? Só por que o prefeito é cabo eleitoral de parlamentar? Os deputados também precisam ter responsabilidade com o Estado e não ceder à pressão, sem qualquer sustentação técnica que justifique o estado de calamidade.
É ainda necessário lembrar, finalmente, que estamos em ano eleitoral, e que essa flexibilização das regras fiscais é um sério convite ao “estupro” ao erário em favor de pré-candidatos. Aliás, já dizem que há institutos disso e daquilo rondando os municípios de olho nessa brecha.
Salvar vidas é a palavra de ordem, mas depenar o erário em nome de um falso combate à Covid-19 é criminoso e também vai provocar ainda mais dificuldades à população num momento que, por si só, já é de completa incerteza.
CT, Palmas, 3 de abril de 2020.