Ninguém se recusa a enxergar a crise econômica profunda que está se instalando no País com as medidas para conter o avanço da Covid-19. No Tocantins não é diferente. Mais: vai piorar nas próximas semanas e meses, e continuará após a pandemia. Temos uma recessão contratada e não há o que se fazer quanto a isso. Só estamos no começo dela. Esse é o drama do Brasil, do País e do Mundo. Não tem para onde correr, porque estamos falando de vida e morte.
Como já foi dito nesta coluna, o que precisa ser feito — ainda patinamos nisso — é agilizar as ações emergenciais. O governo federal deu o pontapé inicial para pagar os R$ 600 para o elo mais frágil dessa corrente, os informais, mas o dinheiro ainda não chegou até eles. A fome já. O socorro às pequenas e médias empresas anunciado há mais de 15 dias ainda é mera promessa. Só a concretização dessas ações que poderá acalmar os ânimos de grande parte da sociedade para que possa aguardar em isolamento os desdobramentos do avanço do novo coronavírus.
[bs-quote quote=”Com o mau exemplo que quase todos os governantes do Tocantins estão dando nesta crise da saúde pública, é só andar pelas cidades para constatar que a vida segue quase normal, como se não houvesse um monstro invisível pronto para nos devorar” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/CT-trabalhado-180.jpeg”][/bs-quote]
Agora, uma coisa é fato inquestionável: o isolamento social é fundamental e a única medida eficaz para impedir que o Brasil — e o Tocantins não ficará de fora — mergulhe profundamente na mesma tragédia que abateu Espanha, Itália, França e Estados Unidos. Se esses países, com todo poder econômico, passam por esse drama absurdo, o que pode ocorrer aqui, sem as mesmas condições, com um sistema de saúde desestruturado, com miséria extrema e ignorância profunda? Todos os países que desdenharam do isolamento social horizontal e irrestrito revisaram suas posições. Até a personificação do desdém e da arrogância, o presidente americano Donald Trump.
Estamos falando de uma doença que não tem remédio nem vacina. Um vírus que circula com as pessoas, ou seja, nós o levamos e passamos para a frente. Foi assim que saiu de província chinesa de Hubei, da qual Wuhan, a origem da Covid-19, é a capital, e se espalhou por todo o mundo. Não vai chegar ao Tocantins, já está entre nós. Aqui parece que existe uma sub, da sub, da subnotificação. Vejam só: o Laboratório Central do Estado (Lacen) tem capacidade instalada para 130 testes por dia, mas fez só 13 nessa terça-feira, 7. Semana passada ficou na média de 25 e pico de 35. Nas redes sociais, vi vários testemunhos de internautas com sintomas que foram a postos de saúde e os mandaram de volta para casa sem colher material para exame.
Questionei secretários municipais de Saúde e a resposta são os critérios rígidos do Lacen para fazer o teste. “Se o Lacen relaxar os critérios coletamos mais amostras. Mas a orientação que temos é que se coletarmos sem obedecer todos os critérios, o teste não será feito”, contou um desses secretários à coluna.
Ou seja, amigos, repito: no Tocantins existe uma sub, da sub, da subnotificação. Esses 22 casos confirmados até a manhã desta quarta-feira, 8, são uma gota no oceano. Vejam o caso do paciente de Araguaína dessa terça. Ele não viajou nem teve contato com nenhum infectado conhecido. O que é isso? Transmissão comunitária. O vírus está passando de mão em mão e, como explicou à Coluna do CT, a médica infectologista Carina Amaral Feriani, de Araguaína, 80% das pessoas não vão manifestar sintomas e serão as principais transmissoras da doença. Os 20% que terão sintomas, se ao mesmo tempo, são o suficiente para encher as UTIs e levar nosso sistema de saúde ao colapso. Aí que virão as mortes porque nossos hospitais não darão conta de atender todo mundo. A saída? Fazer o vírus parar de andar e ficar em casa por 15 dias e talvez mais 15. Quanto mais obedecermos, mais rápido venceremos essa guerra com um custo econômico sem precedentes, mas com milhares de vidas salvas. Aí poderemos refazer nossa economia, empresas e carreiras.
No entanto, o que vemos é a vida normal em grande parte das cidades. Os aplicativos de monitoramento mostram o Tocantins em último lugar no ranking nacional de isolamento social. Os prefeitos lutam bravamente para ter direito de flexibilizar a quarentena, ouvindo clínicos gerais, cardiologistas, pediatras, menos infectologistas e virologistas. Quer dizer, quando ouvem médicos, porque a maioria só está conversando mesmo é com o empresariado da cidade.
Agora também tem outra estratégia para evitar os desgastes do desdobramento, no caso de tragédias. Paralelo ao afrouxamento das medidas de prevenção, mantém umas restrições para florear o decreto, para dizer que está preocupado, inventa alguns “jabutis” extravagantes aparentemente severos, tudo, me parece, já como vacina para quando a bomba explodir ter no que se segurar. Aí vão dizer: “Flexibilizamos, mas com restrições, e não fomos obedecidos”.
Outra estratégia é apontar o dedo para o Palácio Araguaia e dizer que o governo do Estado é culpado porque não se reúne com os prefeitos, porque não responde ofícios com perguntas genéricas, cujo objetivo também é simular que está preocupado com a saúde pública. Ora, os municípios sabem o que devem fazer, o governador não tem que ser babá de marmanjo. Insisto no que afirmei dias atrás: o que ocorrer daqui para frente nesses municípios, o culpado é o prefeito. A decisão foi dele, ele quem relaxou a quarentena, ele quem fechou os ouvidos aos alertas e aos órgãos de controle.
Nessa terça-feira veio também o afrouxamento do governo do Tocantins, o que foi lamentável. Semana passada, para se esquivar da pressão dos empresários, disse que a responsabilidade pela flexibilização era dos prefeitos. Agora, com os casos de Covid-19 começando — repito: começando — a escalar a montanha — e ainda estamos no pé dela —, cede para o agronegócio e permite leilão de gado, vejam só, “apenas” com as pessoas diretamente envolvidas — atenção — “compradores, vendedores e organizadores do evento”, isto é, a torcida do Flamengo inteira. Alguém acredita, sinceramente, que essas regras jogadas ao ar serão respeitadas?
O que os líderes deste Estado precisam entender são duas coisas: primeiro que eles são exemplo para a sociedade. Olhem só o mau exemplo do presidente da República, Jair Bolsonaro. A pressão dos empresários sobre governos municipais e estaduais começou no dia seguinte àquele discurso irresponsável que ele fez contra o isolamento social. O líder é exemplo. Suas palavras, ações e gestos são copiados. Gosto muito do que faz o governador de Goiás, Ronaldo Caiado (DEM). Quando um prefeito afrouxa, Caiado liga para ele e o convence a rever a decisão. Então, o governador vai para o Twitter e agradece o prefeito de público pela compreensão. Por quê? Porque a conta humana, financeira e política do colapso da saúde recairá sobre o Estado não sobre o município.
Segunda coisa que os líderes do Tocantins que precisam entender: sua mensagem chega distorcida na ponta, como naquela brincadeira infantil do telefone sem fio. A pessoa fala algo aqui, que vai passando de boca em boca, ouvido a ouvido, e o que foi dito chega totalmente desconfigurado no final. Nesse caso, é igualzinho. O prefeito diz que está liberado o funcionamento do comércio, com restrições. Na ponta, ou seja, na base da sociedade, a mensagem chega sem o “com restrições”, só o “está liberado”.
Dessa forma, com o mau exemplo que quase todos os governantes do Tocantins estão dando nesta crise da saúde pública, é só andar pelas cidades para constatar que a vida segue praticamente normal, como se não houvesse um monstro invisível pronto para nos devorar, um Anjo da Morte que levamos para passear em nossas mãos e distribuímos aos demais num abraço, num espirro ou ao falar, em gotículas de saliva.
Como disse a infectologista Carina Amaral Feriani à Coluna do CT na manhã desta quarta-feira, “a onda no Tocantins ainda está começando”. E o também infectologista Flávio Milagres: “O isolamento é a única medida eficaz pela qual todos podem colaborar neste momento. Todos como sociedade podem colaborar fazendo ao máximo o isolamento social”.
Os primeiros que deveriam entender isso são o governador e os prefeitos. Mas parece que se recusam a escutar.
CT, Palmas, 8 de março de 2020.
No post abaixo, vídeo feito na manhã desta quarta-feira, em Gurupi, que confirmou o primeiro caso de Covid-19 e onde a vida segue normal: