Quando comecei no jornalismo político no Tocantins, os velhos caciques imperavam soberanos no MDB, que ainda tinha o “P”. Lá no início dos anos 2000 eram as seguintes correntes: Moisés Avelino, Derval de Paiva, o saudoso Eudoro Pedroza, Eli Borges e Osvaldo Reis. Só os dois últimos tinham mandato. Eli era deputado estadual e Osvaldo, deputado federal. Outra importante emedebista era a então também deputada estadual Josi Nunes, mas com uma atuação mais discreta pelos labirintos da sigla.
Nessa época, os caciques viviam às turras com o então senador Leomar Quintanilha, que, ex-PFL, tinha caído de paraquedas no MDB, sob as bençãos da cúpula nacional. Após uma intensa batalha judicial, um acordo em meio às eleições municipais de 2004 fez a batuta da legenda voltar para as mãos de Osvaldo Reis e demais caciques regionais.
Depois, com o rompimento da União do Tocantins, o então governador Marcelo Miranda também se reacomodou ao MDB, do qual é histórico com o pai, Brito Miranda, e mais uma importante linhagem de cacique foi estabelecida. O primeiro grande embate entre eles surge aí. Com o expurgo dos utistas, os emedebistas entendiam que deveriam ser contemplados com vagas, uma vez que agora eram governo.
Marcelo resistia à ideia e primeiro fez uma manobra marota: filiou seus secretários de então aos partidos chegantes. Além de MDB, havia PDT e PPS (hoje Cidadania). Assim, pregavam os marcelistas, os novos partidos aliados estavam representados na gestão. Não colou, e principalmente os caciques emedebistas chiaram.
O Palácio Araguaia então definiu alguns cargos de primeiro e segundo escalões para saciar o apetite do MDB histórico. Foi outra confusão: vários dias de discussão e debates acalorados. Eis que num final de dia, a fumacinha branca se consumou e uma lista de nomes e respectiva parte de cada um no latifúndio foi apresentada à imprensa. Publicamos. A paz que parecia sacramentada com essa relação durou apenas algumas horas. Pela manhã, um outro cacique já divulgava seu descontentamento com as injustiças implícitas nas escolhas.
O governo agiu, todos se aquietaram e os caciques caminharam uníssono na difícil eleição de 2006, quando precisavam derrotar o siqueirismo, ainda muito fortalecido no Estado. Quem já havia sido escanteado pelos históricos era Leomar, que, insistia em ser o candidato a governador, mesmo com Marcelo já filiado e com direito à reeleição. A certa altura sentiu que não daria para ele e se aventurou no PCdoB, pelo qual concorreu ao Palácio Araguaia.
Caudilho ao chão, o MDB velho de guerra estava agora de fato e direito, de novo, no poder. E foi um tempo de relativa paz entre as turbulentas correntes internas do partido. Até o governo Carlos Gaguim.
Gaguim já havia rompido com o então governador Marcelo Miranda ao ser preterido na eleição da mesa diretora da Assembleia em 2007. No comando do Legislativo contra a vontade do Palácio, o na época deputado estadual, antes um seguidor fiel matriculado na corrente do marcelismo, se tornou também cacique emedebista. Com a cassação do governador pelo TSE, ele assumiu a chefia do Executivo estadual, puxou Osvaldo Reis para junto de si e foi provocando fissuras no comando histórico emedebista.
Apoiou a reeleição de Osvaldo para presidente da legenda contra as correntes historicamente mais fortes — Marcelo e Brito, Avelino, Derval e Eudoro Pedroza — e, com a força da máquina lhe favorecendo, os derrotou na disputa do diretório regional de 2009. Iniciava ali o enfraquecimento gradual do antigo caciquismo do MDB do Tocantins.
Dividido internamente e diante das turbulências que marcaram a ação político-partidária de Gaguim, o MDB foi apeado do Poder em 2010 pelo mesmo Siqueira Campos que havia derrotado em 2006 e que muitos diziam estar liquidado. A fragmentação do caciquismo emedebista levou a um fato histórico antes inimaginável: Avelino se aliou a seu ex-arquiinimigo naquelas eleições e conquistou uma vaga de deputado federal pedindo votos para Siqueira.
Outro baque para os líderes históricos do MDB veio nas eleições municipais de 2012. O então presidente regional, o saudoso deputado federal Júnior Coimbra, rompeu com Marcelo, corrente à qual se filiava desde quando deixou o PP (hoje Progressistas) e voltou para o partido, no rompimento da UT, em 2005. No entanto, Coimbra se aliou ao siqueirismo e fez aliança com o Palácio Araguaia para a disputas de Palmas, com Marcelo Lelis, e de Araguaína, com Ronaldo Dimas.
Foi aberta uma nova batalha judicial entre os chamados históricos e Coimbra, a quem também se aliava o já deputado federal Carlos Gaguim. Foi em meio a esta escaramuça que surgiu a senadora Kátia Abreu, deixando o PSD, num acordo nacional com a na época presidente Dilma Rousseff para que pudesse se tornar ministra da Agricultura. Kátia, claro, se tornou mais uma cacique para dar força às outras correntes históricas quase todas sem mandato — única exceção era Avelino, eleito prefeito de Paraíso em 2012.
Este novo capítulo só se resolveu com uma intervenção da executiva nacional em 2014, às vésperas da convenção, manobra capitaneada por Kátia e que garantiu legenda para ela ir à reeleição ao Senado e para Marcelo disputar seu quarto mandato ao Palácio Araguaia.
A solução, no entanto, já apontava para um novo problema e mais desgastes para o caciquismo emedebista. Ao fazer a intervenção, a executiva nacional montou a comissão que cuidaria do partido, com Kátia como vice-presidente. Poucas semanas depois, a senadora assumiu o comando regional do MDB e nova crise se instalou com as principais correntes internas quando ela rompeu, numa briga estrondosa, com o governador eleito, às vésperas da posse. Outra guerra pelo comando estava instaurada.
Os caciques só conseguiram tomar as rédeas do MDB após um acordo com a executiva nacional, com Derval assumindo a presidência, e também com expulsão de Kátia da sigla no final de 2017. Contudo, em meio à maior crise fiscal do Estado, o governo Marcelo Miranda se desgastava dia-a-dia, e partido ficou paralisado. Por fim, para piorar, veio a segunda cassação do governador pelo TSE.
Nessas crises cíclicas, o MDB foi se consumindo, perdendo líderes — além de Kátia, Gaguim, Eli Borges e Josi deixaram a legenda — e o protagonismo, a ponto de ter sido incapaz, pela primeira vez na história do Tocantins, de lançar candidato a governador nas duas eleições de 2018. Paradoxalmente, o partido ainda mostrou força perante o eleitorado ao reeleger sua deputada federal, Dulce Miranda, e fazer cinco deputados estaduais.
Apesar do caciquismo estar muito enfraquecido, Marcelo ainda fez um movimento final para se firmar na liderança ao se lançar candidato a presidente regional em junho do ano passado. Naquele momento, já começava a surgir algo novo no MDB: a renovação de seus caciques, com líderes menos envolvidos nas tramas do passado ocupando mais espaços públicos. Outros se reposicionando na política estadual, a partir do novo momento vivido pelo País, caso do ex-utista Eduardo Gomes, estratégico para o siquerismo no enfrentamento de 2006 e depois em 2010, mas que vinha construindo o próprio caminho desde as eleições de 2014.
Com Derval afastado dos debates públicos desde o fim do último governo emedebista, Eudoro falecido e Avelino agora falando em se aposentar da política, Marcelo seria o herdeiro do velho caciquismo do MDB. No entanto, o golpe fatal nos históricos veio com a prisão dele em outubro de 2019.
A tentativa frustrada do ex-governador semana passada de voltar ao comando — ele é o presidente licenciado — expôs que o partido vive realmente o renascimento de sua força interna, representada pelo extremo poder de articulação de Gomes em Brasília, robustecido pelos holofotes nacionais; e pela visão mais pragmática e, digamos, menos varejista dos neo-caciques, como o presidente em exercício, o deputado estadual Nilton Franco, e seus colegas de Assembleia Jair Farias, Valdemar Júnior, Elenil da Penha e Jorge Frederico.
À força de trabalho desse grupo e ao poder de fogo e de articulação de Gomes, por exemplo, se deve a chegada de importantes prefeitos, como Adriano Rabelo (Colinas) e Joaquim Maia (Porto Nacional).
Uma página está sendo virada na sigla, mas o partido, que tem uma longa história, que se confunde com a redemocratização do País e com a construção do Tocantins, só não pode perder o que Derval, com sua verve poética, chama de “emedebismo”, o espírito do MDB.
CT, Palmas, 8 de julho de 2020.