Quem me acompanha ao longos dos anos sabe que, como liberal, sou um defensor contumaz da responsabilidade fiscal, por entender que os abusos contra as contas públicas são a raiz de grande parte dos males da qualidade dos serviços que o Poder Público oferece à população. Como um governo vai investir em tecnologia e expansão de seus serviços se gasta quase tudo que arrecada com folha de pessoal, por exemplo? Responsabilidade fiscal significa assegurar liquidez para dar qualidade no atendimento à população, sem que o ente da Federação precise recorrer a operações de crédito e a pedir esmolas à União, que também tem suas atribuições.
[bs-quote quote=”Eleições têm que ser feitas com recursos do próprio bolso dos candidatos e do que eles arrecadam junto aos eleitores que o apoiam. Eleições municipais não precisam ser caras” style=”default” align=”right” author_name=”CLEBER TOLEDO” author_job=”É jornalista e editor da Coluna do CT” author_avatar=”https://clebertoledo.com.br/wp-content/uploads/2019/09/CT-trabalhado-180.jpeg”][/bs-quote]
No entanto, vivemos, em escala mundial, um estado de calamidade pública, que fez com o que até a Europa jogasse o equilíbrio fiscal em segundo plano para socorrer as empresas e as famílias em meio à profunda crise do novo coronavírus. Isso porque o essencial agora é salvar vidas e garantir condições de sobrevivência das pessoas. Para esse socorro, a França está alocando 250 bilhões de euros, a Alemanha, 300 bilhões; e o Reino Unido, 250 bilhões de libras. O Brasil também terá que flexibilizar.
O governo federal já estuda um “voucher” para o trabalhador informal, o pólo mais fraco com a movimentação de pessoas nas ruas se tornando mais rarefeita. Deve ainda ser insuficiente. Li um relato assustador de um trabalhador de hospital do Rio nas redes sociais em que mostra a gravidade do que vem por aí: “Unidade lotada. Abrimos ontem durante o dia. Passamos o dia trabalhando. Em 24h todos os leitos já foram ocupados por casos suspeitos ou graves. Nesse ritmo, não tem sistema de saúde que aguente”.
Por isso, vivemos um momento ímpar na história do País e do mundo, em que a ordem do dia não é fazer o PIB crescer, industrializar, empregar, mas sobreviver. Temos que, deliberada e racionalmente, extrapolar os limites fiscais para garantir que o povo brasileiro consiga enfrentar e resistir à Covid-19. Não é hora de sermos pautados pela frieza dos números, mas pela necessidade de nos humanizar. Ao lado dos egoísmos naturais das crises — como comprar todo álcool em gel, máscaras e luvas disponíveis sem pensar no outro —, também temos visto exemplos de solidariedade sem tamanho. Espero, realmente, que o lado do bom dessa tragédia sanitária que o mundo vive é que nos tornemos mais humanos, mais sensíveis às dores do próximo.
Nossa população sempre é sacrificada nas crises, e nessa não será diferente. Os trabalhadores informais, como dito acima, os que vendem salgados nas esquinas, motoristas de aplicativos e pequenos prestados de serviços em geral, já sentem a queda brusca de receita. Nas empresas não está sendo diferente. O setor varejista que trabalhava com um crescimento de 5% em 2020, agora torce para a crise terminar por volta de julho para avançar 1,5% no segundo semestre. Negócios serão fechados, pessoas ficarão desempregadas. Todos presos dentro de casa. A torcida, de coração, é para estarmos totalmente errados e que o aloprado presidente da República esteja certo, que seja só histeria, ainda que os fatos apontem para o outro lado.
E a classe política? Qual o sacrifício dela? O povo brasileiro deve exigir que nossos representantes abram mão dos R$ 2,5 bilhões de Fundo Eleitoral para que esses recursos sejam utilizados no combate ao novo coronavírus. Não venham com a desculpa de que é para bancar o processo democrático ou que sem esse dinheiro terão que apelar para o caixa 2 das empreiteiras (o que vai ocorrer mesmo com o fundo). Conversa fiada. Já defendi aqui várias vezes: eleições têm que ser feitas com recursos do próprio bolso dos candidatos e do que eles arrecadam junto aos eleitores que o apoiam. Eleições municipais não precisam ser caras. Cortem produções hollywoodianas dos programas eleitorais e verão como o gasto de campanha cairá drasticamente. Programa de TV é o candidato falando de sua história e propostas para uma câmera. O resto é uma tentativa de enganar o eleitorado.
Envie mensagens à bancada do Tocantins, cobrem que aprovem a renúncia desses R$ 2,5 bilhões em prol de algo mais útil ao País do que garantir mandatos a eles e seus aliados.
O momento é grave, de seriedade e de elevado espírito. De priorizar a vida, de garantir condições de sobrevivência minimamente digna aos elos mais frágeis da sociedade. Se um representante popular não tem a sensibilidade de entender isso, ele não merece estar no cargo que ocupa.
CT, Palmas, 18 de março de 2020.