Quando foi ao Supremo Tribunal Federal (STF) para garantir que os ônibus de Palmas circulassem com 100% de lotação — diga-se: há muita gente boa que atribui a isso grande parte da explosão da Covid-19 na Capital —, a Prefeitura de Palmas usou uma marketagem marota. Contrariando a lógica, “comemorou” que os veículos poderiam rodar com 50% de sua capacidade. Qual era a tese defendida pelo município na tentativa de engrupir os incautos? Os 100% seriam o total de passageiros em pé e sentados. Logo, só acomodados nos bancos seriam 50%. Você caiu nessa?
Agora, com o decreto em que determinou o fechamento, a partir de segunda-feira, 13, até dia 27, de todos os segmentos comerciais com atendimento ao público das 20 às 5 horas, o Paço faz outro exercício de retórica. Entre as justificativas para a medida, o município lembra que Palmas apresenta o segundo pior índice das capitais no isolamento social da população, com percentual de 36%, e que é necessário atingir a meta de 50%.
Mas espera aí? Como conseguir um isolamento social elevado se todo o mercado está aberto? É óbvio que, com todo o comércio atendendo normalmente durante o dia e bares, restaurantes e supermercados recebendo seus clientes à noite, nunca a população ficaria dentro de casa. Você tem dúvida disso?
Então, por que raios a prefeitura fez esse exercício de obviedade? O Paço apostou que com essa nova marketagem marota pode tirar o foco dos desatentos para um fato que se recusa a admitir porque lhe traria prejuízos políticos: que a abertura geral e irrestrita — claro, com álcool em gel a dar com pau — provocou uma explosão de casos do novo coronavírus.
Como mostrou a Coluna do CT, o número de casos de Covid-19 aumentou 204,1% em Palmas nos últimos 30 dias — de 10 de junho a esta sexta-feira, 10. Saltou de 880 para 2.676, um incremento de 1.796 casos. O “liberou geral” fez com que a Capital, proporcionalmente, superasse até Araguaína, o epicentro do novo coronavírus no Tocantins, onde o crescimento foi de 88,8% — de 2.573 para 4.858 casos, mais 2.285 positivações no mesmo período.
Ainda tentando desfocar o fato, o decreto joga a culpa nos palmenses quando diz que a fiscalização flagrou “diversas situações de descumprimento das regras de distanciamento social pela população”. Também é mais uma tentativa de terceirização de responsabilidade.
Desde o início, venho dizendo que, no geral e guardadas as exceções, os brasileiros não têm a cultura de respeitar leis, regras e normas. Numa situação limite como esta, em que vidas estão em jogo, fica mais complicado porque essa falta de civilidade poderá significar mortes.
Por falar nisso, no dia 10 de junho havíamos registrado apenas oito vidas perdidas — e o primeiro óbito foi confirmado em meados de abril, ou seja, cerca de 60 dias antes —, muito esparsamente entre uma e outra. Nessa sexta-feira, 10, tínhamos 22 mortes para a Covid-19, um aumento de 120% em apenas 30 dias.
O Brasil não conta com as condições da Europa e Estados Unidos para socorrer suas empresas. O pouco que o governo federal ofereceu não chegou, o que contribuiu para o desespero das pessoas, que viram projetos de toda uma vida se dizimando por conta da quarentena. Dessa forma, é claro que todos precisam trabalhar. Mas, se temos que retomar as atividades, que seja cercado de protocolos extremamente sérios — sérios mesmo —, que levem às empresas um público em conta-gotas e não em enxurrada, como Palmas, Araguaína e todas as cidades brasileiras estão promovendo, de forma totalmente irresponsável.
Para isso, é necessária uma grande estrutura de fiscalização, porque não temos a cultura de civilidade dos japoneses e dos nórdicos. Os municípios estão preparados para isso?
Agora, abrir todo o comércio à base do álcool em gel e umas regrinhas aqui e ali e ainda querer alto índice de isolamento social ou que as pessoas, de uma cultura de baixa civilidade, respeitem as poucas normas estabelecidas, ou é se fazer de inocente, ou de desentendido.
Não vai dar certo.
CT, Palmas, 11 de julho de 2020.