Um grupo de sete promotores acionou na sexta-feira, 22, a procuradora-geral de Justiça, Maria Cotinha Bezerra, para que a constitucionalidade do Manual de Procedimentos da Polícia Judiciária seja questionada no Judiciário. Assinada por Benedicto de Oliveira, Diego Nardo, Mateus Ribeiro, Rogério Mota, André Henrique, Saulo Vinhal e Guilherme Cintra, a representação defende que o texto criado pelo Decreto 5.915 de 2019 estabelece “um sistema paralelo ao Código de Processo Penal”.
Brasília como exemplo
Os promotores chegam a vincular o decreto tocantinense ao episódio em que o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu a nomeação Alexandre Ramagem na diretoria geral da Polícia Federal (PF) após denúncias de interferência na corporação. Conforme a representação, a lembrança tem por objetivo “traçar um paralelo com a atual e injustificável situação vigente no Tocantins, especialmente no que tange à indevida interferência do Executivo na Polícia Civil (PC)”. Para os autores, o caso de Brasília serve de exemplo de como o Judiciário pode atuar nestes tipos de abuso.
Sistema paralelo ao Código de Processo Penal
Na avaliação dos promotores, o governador Mauro Carlesse (DEM) usurpou competência da União ao criar o Manual de Procedimentos. “Em verdade, criou-se um sistema paralelo ao Código de Processo Penal (CPP), estabelecendo regras processuais por meio de Decreto que permitiram a remoção indevida de delegados, extirpou presidentes de inquéritos específicos por mera conveniência política e mitigou os limites da investigação, colocando em risco o sigilo dos procedimentos, a fim de que os superiores sempre soubessem com antecedência sobre a realização de diligências”, resumem.
Texto disciplina persecução penal na fase anterior à denúncia
Entre as ilegalidades apontadas pela representação está o que o manual chama de verificação preliminar de informações (VPI), que chega a prever a possibilidade da autoridade policial deliberar sobre o arquivamento do inquérito. Os promotores destacam que tal procedimento vai de encontro com a CPP, que nos artigos 17º e 18º estabelece que o arquivamento do inquérito pela autoridade judiciária, e que tal solicitação ao juiz deve ser feita pelo Ministério Público.
Manual quer impedir apuração de crimes contra a administração pública
Outro ponto bastante criticado e lembrado pela representação é a criação da exigência do dirigente de órgão público ser notificado sobre futuras diligências no local e, caso ele seja um dos investigados, que tal comunicação seja feita ao Delegado-Geral. O texto ainda impede que nestes casos viaturas e agentes sejam identificados. “De novo e em português claro, o objetivo manifesto e imoral é impedir o trabalho de apuração de crimes contra a administração pública”, dizem os promotores.
Decreto é o ápice da retaliação do Estado ao trabalho da PC
No documento enviado à PGJ, os promotores argumentam que o Decreto combatido é apenas o “ápice” de uma “nítida retaliação ao trabalho da Polícia Civil”, citando especialmente a Operação Expurgo, que resultou no indiciamento do pai e irmão do ex-líder do governo na Assembleia Legislativa, deputado Olyntho Neto (PSDB). “Desde a deflagração o que se viu foi uma série de sucessivos atos claramente atentatórios à moralidade administrativa e que têm por finalidade última impedir que a PC, cumprindo seu mister, apure eventuais ilícitos contra a administração pública e o patrimônio público”, defendem. A representação coloca nesta lista de ofensiva do Palácio Araguaia a desestruturação da Dracma, exoneração de delegados em cargos de comando, redistribuição dos cargos e até punição daqueles que investigaram possível existência de funcionários fantasmas.
Evitar espetáculo midiático
Assim que foi publicado o Manual de Procedimento, o titular da Secretaria de Segurança Pública (SSP), Cristiano Sampaio, conversou com a imprensa para defender o texto. O secretário afirmou que as regras foram inspiradas na Polícia Federal e que as medidas restritivas em relação a atuação em órgãos públicas visa “evitar o espetáculo midiático”. O gestor ainda argumentou que as os novos procedimentos nada influenciam nas investigações, já que estas são regidas por leis federais, pelo Código Civil e Penal, e pela própria Constituição, justamente o que é questionado pelos promotores.