O procurador do Ministério Público do Tocantins Ricardo Vicente da Silva foi na contramão do seu colega mineiro Leonardo Azeredo dos Santos, que se mostrou indignado por conta do “miserê” de R$ 24 mil líquidos que recebe por mês do contribuinte. Na reunião do Colégio de Procuradores do MP tocantinense, do dia 10, Silva avaliou que o órgão vive um “momento muito crítico” e defendeu que Ministério Público, magistratura, Defensoria Pública “são um sacerdócio”. “Não deve ser um local para ganhar dinheiro”, ressaltou, fazendo um contraponto com a iniciativa privada, onde, disse, “o céu é o limite”.
Puxão de orelha
Ricardo Vicente da Silva iniciou sua manifestação de cerca de 35 minutos concordando com vários pontos da Lei de Abuso de autoridade, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, e fez o mea culpa: “Precisamos fazer uma reflexão dos nossos erros de uma forma madura, ponderada e consciente, já que o Congresso Nacional, juntamente com o presidente da República, nos deram um puxão de orelha. Em verdade, foi uma repreensão da sociedade e do legislador, que deve penetrar profundamente em nossos corações, membros do Ministério Público. Assim agindo, estaremos sendo prudentes doravante, não sendo tolos, porque estes nem mesmo uma centena de açoites os colocam no prumo”.
Férias de seis meses
O procurador questionou o tempo de férias de um promotor, que pode chegar a seis meses, não apenas dois meses, como se imagina, considerando os 18 dias de recesso natalino e as folgas advindas dos plantões que cobre aos sábados e domingos.
20% a mais no contra-cheque
Com o afastamento, o custo para o MP aumenta, lembrou Silva, já que um colega terá que cobrir e, por isso, terá direito de receber 20% do salário pela substituição, o que varia de R$ 6 mil a R$ 6,4 mil a mais em seu contra-cheque.
R$ 205 milhões a menos de 120 pessoas
O procurador disse que desde 2004 “até os dias de hoje”, o MP pagou R$ 205 milhões “a menos de 120 pessoas” só nos seguintes benefícios: realinhamento, URV, diferença de anuênio e incentivo funcional. “Por isso, senhores, que é difícil entendimento, abre aspas, ‘vamos economizar, vamos economizar até mesmo no cafezinho, no copo descartável, no telefone, na energia’. Vamos economizar para quê? Para juntar esse bolo de R$ 205 milhões e repartir entre nós, membros do Ministério Público?”, questionou.
Fiscal requer mais responsabilidade
Para ele, “a desculpa” de que todos esses direitos são contemplados também pela magistratura e cúpula do TCE, “não dá vazão ao Ministério Público”. “Pois somos os fiscais da lei. Fiscal requer mais responsabilidade com o erário que o fiscalizador”, defendeu. “Senhores, quem acusa tem que ter mais moral do que quem julga. […] Tem que estar limpo, temos que estar serenos.”
Defensoria no caminho das pedras
Ele ainda disse que, segundo dados, “a Defensoria está aprendendo o caminho das pedras”. “Entendo que a Defensoria deva cuidar dos pobres e não buscar direitos em excesso”, opinou.
Passando fome
Ricardo Vicente da Silva contou ter sido interpelado “por quatro ou cinco” membros do Ministério Público que disseram a ele conhecerem promotores de Justiça que estariam passando fome. “Impossível. O máximo, em sendo verdade, é má gerência familiar. Se não dá conta de gerir um bom dinheiro mensal, como deve cuidar da administração de uma promotoria?”, ponderou.
5º constitucional da OAB precisa ser revisto
Ele questionou o chamado quinto constitucional da OAB, pelo qual advogados são indicados para compor Cortes, como Tribunal de Justiça e Tribunal Superior Eleitoral, por exemplo. “Tem que ser revisto”, defendeu Silva. “Nós temos no Tocantins mais de 10 mil advogados. Façamos uma prova, pela competência, investigue a vida privada. Não pode ser o quinto constitucional da OAB articulações eminentemente políticas, partidárias. Podemos muito bem fazer um certame de todos aqueles que queiram ser desembargador pela OAB, que façam o exame de provas para sabermos se ele entende as condições de uma ação, se sabe quais são os pressupostos processuais. Entendo que não podemos privilegiar e abençoar quem não tem capacidade, que não tem passado, que não tem honra”, afirmou o procurador.
R$ 69 milhões de licença-prêmio
Ele disse que acredita que a Assembleia e o governador Mauro Carlesse (DEM) não aprovarão a licença-prêmio, bem como seu pagamento retroativo a 15 anos, porque trará um prejuízo até 2040 de R$ 69 milhões para o Ministério Público. E concluiu: “Nós, membros do MP brasileiro, não passamos no teste da administração. Contemplamos nós mesmos no espelho, olhamos para o nosso umbigo”.
Ajuntar tesouros para si
Silva terminou com os versículos bíblicos contidos em Lucas 12:19-21, quando Jesus conta que um produtor faz planos para edificar celeiros maiores e então diz à sua alma: “Alma, tens em depósito muitos bens para muitos anos; descansa, come, bebe e folga”. Mas Deus afirma: “Louco! esta noite te pedirão a tua alma; e o que tens preparado, para quem será?”. Jesus, então, conclui: “Assim é aquele que para si ajunta tesouros, e não é rico para com Deus”.
Legítimos e legais
Ao final da manifestação de Silva, o procurador-geral de Justiça, José Omar de Almeida Júnior, defendeu que todos os benefícios citados pelo colega foram pagos a todos tribunais superiores do País, a todos os Ministérios Públicos do Brasil, a todos Tribunais de Justiça, a todos Tribunais de Contas, a Assembleias Legislativas e aos integrantes das Defensorias Públicas. “Porque legítimos e legais”, reforçou.
Assista o vídeo da manifestação do procurador Ricardo Vicente da Silva: